domingo, 23 de fevereiro de 2014

Apocalyptic Raids - Hellhammer

O EP Apocalyptic Raids da banda suíça HellHammer foi lançado no ano de 1984 pela gravadora alemã Noise Records. Foi gravado entre os dias 2 e 7 de março daquele ano no Caet Studio em Berlim.
Nos dias de hoje, com todo o avanço tecnológico e os constantes desenvolvimentos realizados nas mais diversas áreas sociais (científica, histórica e humana), o ser humano progride triunfante, voltando cada vez mais seu olhar para o futuro. O que já havia sido realizado pelos nossos antepassados há milhares de anos, como a manipulação do fogo, a criação de armas para autodefesa, o surgimento do senso de coletividade para a preservação da espécie, e as muitas outras formas de progresso no campo da sobrevivência, tornou-se cada vez mais acentuado no indivíduo a necessidade de compreender (leia-se por conquistar) tanto o mundo que conhecia, como também o que ainda carecia ser desvendado. Foi assim na época das grandes navegações, durante o ressurgimento do pensamento questionador e filosófico no período renascentista, culminando na instauração da democracia em muitas nações pelo mundo. No início da segunda metade do século XX, sob a trilha deixada pelas guerras que envolveram praticamente todas as nações do globo (culminando no monopólio político do capitalismo e do socialismo), o mundo acompanhou de perto aquele que seria o passo mais importante da humanidade sob o domínio do desconhecido: a conquista da lua. A partir daquele ano de 1969, sob os primeiros passos do astronauta americano e tripulante da Apollo 11 Neil Armstrong, o ser humano rumava para caminhos cada vez mais desconhecidos, buscando sempre conquistar tudo que sua imaginação poderia alcançar; o espaço, neste caso, tornava-se um plano finito, passível de ser até mesmo mapeado e explorado pelas gerações futuras, como bem descreveriam as palavras proferidas por Armstrong sob o solo lunar: ”Um pequeno passo para um homem, um grande passo para a humanidade.”.
No meio musical, assim como no espaço recém-desvendado pela expedição americana, os limites se mostram muito mais abrangentes do que o meramente especulado pelos primeiros estudiosos. Os conceitos de técnica, criatividade e de contexto permitiram as diversas gerações que sucederam os pioneiros do rock das décadas de cinquenta e sessenta desfrutarem de um prolífico cenário, cuja moldura estendia-se cada vez mais para um plano horizontal, à medida que as obras de diversos gênios da arte sonora exprimiam seus objetivos e as colocava a crítica do público, onde o vinil agia como tela e a mídia a galeria de exposição.
Obviamente, mesmo em um estilo tão ricamente fundamentado e propenso de grande capacidade criativa, o heavy metal ainda encontraria seus “copiadores” – os falsários da arte. Num ambiente onde os pioneiros BLACK SABBATH e JUDAS PRIEST trariam ao mundo uma nova dinâmica para o rock, já bem representada por outros nomes que, se não tinham tanto peso e velocidade em suas músicas compensavam com talento e dedicação ímpar – LED ZEPPELIN, DEEP PURPLE, URIAH HEEP, AC/DC e tantos outros expoentes do hard rock dos anos setenta – o início dos anos oitenta veria o surgimento de outras grandes potências do som pesado. Apadrinhados pelo sentimento de orgulho e atitude herdados pelos exemplos dados acima e do sempre influente MOTÖRHEAD, bandas como o hoje mundialmente famoso IRON MAIDEN mantinham acesa a chama da arte do som como um todo, seguida de perto por outros grupos de igual talento, porém sem tanta sorte: ANGEL WITCH, RAVEN, SAXON, DIAMOND HEAD... Enfim, o refugo do mainstream, a NWOBHM. Parecia-se que naquele início de anos oitenta, qualquer grupo que tivesse na linha de frente um par de cabeludos que, ao chacoalhar as cabeças incessantemente enquanto proferiam palavras de liberdade e postura proativa (vazias ou não), podia-se ter ali uma banda em potencial, onde os frutos poderiam ser colhidos a curto ou médio prazo. Uma entidade musical que sem dúvidas quebrou todo esse paradigma foi o famigerado VENOM. Fruto da discórdia gerada sob todo aquele cenário de prosperidade criativa, o trio de Newcastle prezava por apresentar-se mergulhado em couro, tachinhas, rebites e muito gelo seco e pirotecnia. Não bastasse isso, ainda era amparado pelas letras blasfemas e satânicas, tudo embasado pela filosofia suja e mórbida do “quanto mais podre melhor”.
Após mudar o nome de Hammerhead para Hellhammer, o trio composto por Satanic Slaugher, Slayed Necros e Denial Fiend procurou aprimorar sua sonoridade, ainda que ela viesse calcada o som do Venom.
Parecia que o VENOM seria o único grupo a tocar o barco contra a maré, navegando pelas águas errantes do curso contrário de seus conterrâneos. Contudo, não só a decisão de seguir em frente com o pensamento arrogante e totalitário de empurrar goela abaixo do público sua grotesca premissa sob notas desafinadas e ríspidas, o grupo ainda conseguiu influenciar expoentes de uma nova vertente musical, ávida em explorar ainda mais o cenário já muito garimpado pelos veteranos. O curso da história mostraria uma vez mais que era perfeitamente possível encontrar ouro no vale perdido do som pesado, contribuindo para definir na costa oeste americana um novo gênero que posteriormente o mundo inteiro abraçaria: o Thrash Metal.
Ainda que as sementes plantadas pelo VENOM houvessem germinado nas camadas mais prolíferas do Thrash Metal, sob vista grossa de grupos como o METALLICA, EXODUS e o mais fiel de seus seguidores, o SLAYER, foi um pouco mais abaixo, mais precisamente no estado da Flórida, que o seu culto atingiu o estágio mais desenvolvido. O Death Metal praticado por bandas revolucionárias como o POSSESSED, DEATH e MORBID ANGEL encantava os jovens que cresceram às margens da Disco Music, enquanto esta embalava as massas num ritmo que ainda hoje gera arrepios nos metalheads mais velhos.
Enquanto o Death Metal é, sem sombra de dúvidas, a vertente mais diversificada do som extremo, vindo inclusive a ser visto andando de mãos dadas com a modernidade (SLIPKNOT que o diga), outra raiz seca deixada pelos desdenhados britânicos foi o Black Metal. Assumido, por assim dizer, como a obra-prima do VENOM, o estilo musical que unia a revolta do Punk Rock com a hipocrisia da sociedade moderna, misturado milhares de vezes ao tilintar das cordas distorcidas da guitarra e do baixo e dotado de identidade satânica, a sonoridade extrema atingida por tal plano musical atacava de todos os lados, não dando chances para os ouvintes desavisados. Ainda que houvesse ali uma força fora do comum, que certamente poderia criar novos paradigmas para o já conceitual Heavy Metal, a mesma carecia de cuidados técnicos para não morrer na praia. Mais ainda, naqueles saudosos anos oitenta, o recém-criado estilo necessitava de representantes que, se não tinham talento para satisfazer todas as exigências que um novo gênero possui, pelo menos poderia estar ali presente, ocupando um lugar que mais tarde traria algum respaldo. Se, é claro, sobrevivessem às duras críticas para ver este dia chegar.
A versão em CD do disco foi lançada em 1990 com a adição do termo A.D. no título, além de duas faixas bônus.
É de se impressionar a ideia de que um vilarejo de pouco mais de três mil habitantes, localizado em Nuresdorf (uma vila rural aos arredores de Zurique, na Suíça) tenha lançado ao mundo um desses corajosos representantes do som extremo. Bem antes da criação do VENOM atingir as camadas sulistas dos Estados Unidos, trazendo à tona toda a cena Death Metal americana, o HELLHAMMER já seguia a trilha pioneira de Cronos e companhia sem, contudo, sentir orgulho daquele “pequeno passo do homem”.
Como mímicos, os jovens Thomas Gabriel Fischer (nome verdadeiro de Satanic Slaugher), Martin Eric Ain (que atendia na banda por Slayed Necros) e Bruce Day (intitulado Denial Fiend) executavam dolorosamente, nota por nota, as composições já erráticas do VENOM, contudo, uma casa abaixo, fazendo do som de seus instrumentos algo exclusivo; único. Mesmo sendo criado como uma cópia, o HELLHAMMER se dava ao luxo de executar algo mais brutal ainda, batendo com a caneca as grades do metal extremo, porém ainda enjaulado pela falta de técnica. A pobreza na capacidade de execução do trio era notória, ainda mais se postos ao lado de outras bandas da mesma época, como aconteceu quando a gravadora Noise Records lançou, em 1984, a coletânea DEATH METAL, incluindo composições do grupo com a dos alemães do RUNNING WILD e HELLOWEEN.
Ainda assim, no mesmo ano, os rapazes entraram no Caet Studio em Berlim e gravaram, entre os dias 2 e 7 de Março aquilo que seria o marco da banda dentro do cenário musical. Produzido por Tom G. Fisher e Martin E. Ain, a Noise apresentava o EP APOCALYPTIC RAIDS, uma peça que demonstrava um pouco mais de qualidade em relação às diversas demos lançadas pelo grupo desde sua fundação, em 1982, quando ainda atendiam pelo nome de HAMMERHEAD. A grande descoberta do trio repousava no encanto que a dedicação dos rapazes propunha, sendo que, se na época canções como THE THIRD OF THE STORMS (EVOKED DAMNATION), REVELATIONS OF DOOM e MASSACRA apresentavam letras fantasiosas e simplórias, amparadas por um instrumental carente e pífio, bastaram apenas alguns anos para que a geração seguinte, em busca de inspiração para suas ambições, encontrasse nessa dedicação algo para agarrarem-se com fervor.
Muitas foram as bandas que, embaladas pelas notas pesadas e velozes – ainda que fora de tempo – das composições TRIUMPH OF DEATH e MESSIAH criaram seu próprio universo de metal extremo, lançando ao mundo a novidade que buscaram a partir desta pequena descoberta europeia.
Mas os gritos, lamentos e súplicas contidos neste desempenho de pouco mais de vinte e cinco minutos duraram pouco. Desejando atender às necessidades criativas cada vez mais evidentes nas suas cabeças, Warrior e Ain dissolveram a banda, alguns meses depois. Se os “copiadores de gênero” no início davam o sangue para provar que aquele arremedo de banda seria a mais perfeita réplica dos depravados de Newcastle, o próprio contexto histórico faria lembrar que, neste mundo poucos criam algo, mas cabe a todo o resto tornar tudo palpável, digno de reconhecimento. A obra do HELLHAMMER serviu como patamar para um plano maior, mais abrangente, que ainda não estava pronto para germinar no mundo de trinta anos atrás.
Aproveitando a leva de novas bandas extremas que surgiram no início dos anos noventa (principalmente na Noruega), o material deste histórico EP foi relançado atribuindo a extensão A.D. 1990. Além das quatro faixas regulares, esta versão contém uma nova arte de capa, desenvolvida por José Posada, e as já comentadas REVELATIONS OF DOOM e MESSIAH, que deram um pouco mais de gás a esse disco. Vale destacar que o disco foi lançado uma terceira vez, em 1999, voltando a contar com a arte de capa original.
O disco tornou-se um marco no gênero extremo, sendo apontado como o pioneiro do Death Metal em todo o mundo, além de definir bases para o Black Metal em geral.

Não restam dúvidas que o ser humano ainda vai continuar com sua eterna busca da compreensão total do meio em que vive, procurando soluções cada vez mais práticas para resolver suas necessidades. Enquanto ele avança no seu critério evolutivo, muito do que é deixado para trás necessita ser reavaliado, revisto. Bom para nós mesmos, que temos a oportunidade de, mais uma vez, trabalhar no que já foi demostrado, porém pouco discutido ou ignorado. Grandes ideais surgem a parir deste ponto, como o próprio HELLHAMMER, que ao deixar de existir proporcionou a seus integrantes uma nova perspectiva, que refletiria claramente na sua próxima empreitada, ainda em 1984. Mas essa é outra história, que o ser humano que estiver lendo isso vai ter que segurar o ímpeto evolutivo e aguardar mais um pouco...

Mesmo com uma qualidade técnica baixa e uma gravação precária, o álbum é bastante apreciado até os dias de hoje.

Escrito em 26 de Maio de 2013, com início às 20hrs. e 03min.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Breaker - Accept

O terceiro disco da banda de Heavy Metal alemã Accept, Breaker, foi lançado em 16 de março de 1982. É responsável por mostrar um novo direcionamento do conjunto.
Durante as revoluções globais que assolavam o cotidiano do planeta em suas diversas vertentes por volta dos anos trinta (social e econômica, principalmente), Adolf Hitler discursava para a juventude alemã, oprimida pela palavra de ordem já regida desde a Primeira Guerra Mundial pelos países dominantes europeus (ver os livros A Revolução Alemã 1890 a 1915 e O Último Verão Da Europa para mais detalhes) com o intuito de levantar o ânimo de sua população para uma eventual batalha em prol de seus interesses. Em sua postura firme, indubitável e amplamente convincente, o Führer domava multidões apenas com as suas palavras, fazendo do verbo sua mais mortífera arma. Contudo, mesmo se tivesse a oportunidade de ver o desfecho trágico de suas ações (digo, até o final, já que o mesmo cometera suicídio em 1945 justamente temendo ser capturado pelas tropas aliadas ao fim da Segunda Guerra Mundial), duvido que sentiria orgulho delas (para não desviar o foco não vamos aprofundar-nos no holocausto), pois sua pátria, juntamente com seu povo, viu os anos compreendidos entre o fim de 1940 a 1970 massacrarem todo aquele sentimento de união e luta que o mesmo propagara em suas inflamadas audiências. O país foi dividido em dois pelas nações vitoriosas, sendo uma parte capitalista e outra socialista, através da vergonhosa Cortina de Ferro (fisicamente representada por um muro de concreto conhecido pelos alemães como Mauer, com obras iniciadas em 13 de Agosto de 1961 que, num ato de total esquizofrenia geopolítica, separava a Alemanha em duas partes), cada qual propagando suas próprias leis de conduta, sustento e progresso, segundo seu regimento político.
Devido a grande massificação consumista elaborada pelos países aliados após a segunda guerra mundial, o “lado capitalista do muro” desenvolveu-se agregando as características socioculturais das nações de ampla ascensão econômica (França, EUA e reino Unido), sendo este um fator decisivo para o surgimento de movimentos sociais populares, que tinham como intuito propagar o crescimento da identidade alemã em relação ao resto do mundo. Sob um panorama geral, cada país possuía sua cultura, sua forma de expressão, sendo esta uma ferramenta particular para a prática da autoafirmação, a qual a Alemanha, mesmo desmembrada, não recusara. Durante os primeiros anos de 1980, com o enfraquecimento da Guerra Fria (isto é, se relacionarmos tal período ao de seu início, na segunda metade de 1940) a Alemanha passou a desenvolver com mais afinco seu lado cultural, contribuindo para resultados grandiosos ao fim desta mesma década, com a queda do muro de Berlim e a consolidação de uma única nação novamente.
Com foco nesta revolução que ocorreu há pouco mais de trinta anos, vale destacar o âmbito musical que germinava na Alemanha desde a primeira metade dos anos sessenta aos setenta, onde alguns nomes de bandas hoje mundialmente conhecidas (LUCIFER´S FRIEND, TANGERINE DREAM e SCORPIONS só para citar algumas) davam seus primeiros passos. A chegada dos anos oitenta apresentou para o mundo a explosão selvagem do Punk Rock e do Heavy Metal, e nesse cenário de ebulição sonora um grupo oriundo de Solingen, North Rhine-Westphalia (ao norte da Alemanha) buscava sua afirmação. O ACCEPT, que contava com dois álbuns de estúdio já lançados, algumas boas turnês sob o solo da própria pátria e uma semelhança incrível com o seminal AC/ DC (principalmente na postura) estava disposto a provar, desta vez em maior escala, seu propósito e suas ambições.
O disco foi gravado no Delta Studio em Wilster, ao norte da Alemanha, entre os meses de dezembro de 1981 e janeiro de 1982. Foi produzido por Dirk Steffens.
O disco de 1980, I’M A REBEL, mostrava uma mistura de Hard Rock com Heavy Metal que desembocava numa sonoridade crua, mas trabalhada, com direito a passagens criativas e empolgantes (vide as canções THUNDER AND LIGHTNING e SAVE US), o que deixava claro que a química do conjunto acabaria rendendo bons trabalhos mais adiante. Naquela época, o conjunto tinha nas notas precisas do guitarrista Wolf Hoffmann e no baixo seguro de Peter Baltes sua arma para empolgar as multidões, mas quem chamava mesmo a atenção era o vocalista Udo Dirkschneider. Vestido em um par de calças aparatadas com lantejoulas enquanto exibia de sua camisa florida semiaberta uma forma arredondada, Udo era uma verdadeira alegoria dos palcos, que compensava sua baixa estatura inflamando as apresentações da banda com seu característico vocal anasalado e sua cabeleira loura a altura dos ombros, que brilhava ao compasso das luzes dos holofotes. Era impossível resistir a tamanho chamariz, sendo que o conjunto passou a acumular certa fama com o passar do tempo graças a essa combinação, que trazia cada vez mais pessoas para as apresentações do quinteto. Com um contrato assinado com a gravadora alemã Brain Records em 1981, a banda tinha em sua pauta o lançamento de mais um trabalho inédito. Porém, os cinco jovens, que acompanhavam de perto o crescimento da cena do Heavy Metal britânico tinham em mente algo mais orientado ao peso e melodia das guitarras, enquanto a bateria passaria a ter mais destaque acompanhando a sonoridade ríspida e contendo os impulsos desnecessários, algo tido como normal nas bandas iniciantes. Tendo isto em mente, os rapazes rumaram para o norte de sua pátria, mais precisamente para o distrito de Wilster, tendo como ponto final o Delta Studio, comandados pelo produtor Dirk Steffens. Munidos de acompanhamento empresarial e apoio da gravadora, algo até então inédito para o conjunto, o final de 1981 foi bastante agitado para a banda, com trabalhos intensos envolvendo a gravação e a produção do material que constituiria o terceiro disco de inéditas do ACCEPT.
Recordado entre dezembro de 1981 e janeiro de 1982, o disco BREAKER foi lançado dos meses após os registros, no dia 16 de março daquele ano. O título, ideal para a proposta do álbum, trazia aquela sensação de poder que o grupo tanto esbanjava em suas apresentações, mostrando uma fúria singular. Com ampla divulgação em solo alemão, o trabalho repercutiu bem entre os países europeus, trazendo para o conjunto uma fama internacional nunca antes vista, incendiando ainda mais a empolgante cena do Metal germânico. Se há alguns anos antes o SCORPIONS abriria as portas para um cenário fértil que apresentava os domínios alemães (com direito a alguns grupos locais conseguindo destaque mundo afora com canções executadas em sua própria língua), o ACCEPT sem dúvida merece alguma fatia do bolo em contribuir para esse processo.
A banda ganhou grande destaque por consequência das composições do álbum, principalmente pela faixa título, a música starlight e a polêmica canção son of a bitch, que teve a letra censurada pela imprensa alemã.
O figurino dos rapazes, antes extravagante, dava espaço para algo mais despojado, onde os jeans velhos e as jaquetas de couro com patches amplamente vistas na NWOBHM começavam a dar às caras no figurino juvenil da banda, substituindo a androgenia vista no início do grupo, no final da década de setenta. Nesse ponto, as casas de shows pareciam ficar cada vez mais cheias, enquanto o apelo sexual de Hoffmann entre as garotas nunca foi tão evidente como naquela época. A banda estava começando a atingir o auge, e o sabor do sucesso parecia viciar cada vez mais os rapazes alemães.
A trinca que abre o disco é uma clara demonstração do poder contido nas composições da banda, onde o início viciante de STARLIGHT mostra um degrau escalado pelo grupo em relação ao disco anterior. Com compasso firme, riff vigoroso e refrão forte e marcante, o trabalho da dupla de guitarras esbanja bom gosto, principalmente ao beber da fonte do JUDAS PRIEST, como demonstrado em diversos momentos do vinil. A faixa título é uma ode ao Heavy Metal, onde a letra faz chacoalhar a cabeça de qualquer metalhead enquanto embala as melodias extremamente bem dosadas, numa simbiose perfeita entre ritmo e composição. RUN IF YOU CAN traz auqela característica já herdada de Angus e seus comparsas, dividindo a canção entre algo contagiante e agressivo. Passando pela balada CAN’T STAND THE NIGHT que esfria a temperatura do disco, a quinta faixa é uma verdadeira afronta ao comportamento moderado da sociedade conservadora. A lenda reza que em um belo dia um amigo da banda surgiu para fazer uma visita aos rapazes no estúdio acompanhado de sua namorada, a qual era fluente em inglês e conhecia muitas gírias, sendo estas uma novidade bem vinda para os sempre curiosos garotos alemães. Entre uma conversa e outra, a jovem acabou por ensinar aos garotos coisas que não devia, como insultos e palavrões, que foram bem absorvidos pelo conjunto a ponto de se tornarem base para uma canção. Assim nasceu SON OF A BITCH com título explícito e sua obscena letra, que de tão imoral foi censurada nas prensagens alemãs, inclusive as mais recentes (a de 2000 pela Nuclear Blast e 2005 pela SPVGmbH).
Seguindo com BURNING (com um fundo falso para passar a sensação de que foi gravada ao vivo) e FEELINGS (levada bastante convincente e refrão pra lá de marcante) fica claro perceber como o conjunto trabalha como um time, onde o baixo de Peter se faz presente nas aparentes brechas deixadas entre os solos dobrados da dupla Wolf Hoffmann/ Jörg Fischer, enquanto o alcance vocal de Udo simplesmente detona, fazendo frente às batidas precisas de Stefan kaufmann. A canção MIDNIGHT HIGHWAY de certa forma empolga, sendo que a faixa BREAK UP AGAIN nos dá uma colher de chá ao mostrar Peter assumindo os vocais, coisa que ele já havia feito nos dois discos anteriores, deixando claro que suas virtudes vão além das quatro cordas. O final com DOWN AND OUT bota os ânimos pra cima, com uma apresentação irrepreensível da banda, como se estivesse executando a canção diante de uma plateia com milhares de fãs.
O álbum foi responsável pelo salto de popularidade da banda, permitindo ao conjunto sonhar com as grandes apresentações e uma possível turnê em escala continental.
O álbum evidentemente garantiu para o quinteto mais visibilidade no concorrido mercado musical da época, o que refletiu na turnê que se seguiu e na popularidade das canções STARLIGHT, BREAKER e SON OF A BITCH, executadas pelo conjunto até hoje. Já não era mais tão incomum passear pelas calçadas encardidas de qualquer grande metrópole europeia e encontrar nos pubs locais voltados para Heavy Metal rumores de uma nova banda alemã que estava fazendo barulho em sua terra natal. Coisas do mundo globalizado.
Apesar da aparente simplicidade, o caráter do grupo estava em estado de concepção, e o mundo veria surgir daquela aparente bizarrice que era o ACCEPT do fim dos anos setenta justamente a antítese do discurso nazista de Hitler, onde o homem que pregava a junção de princípios nacionalistas e socialistas como linha de frente contra a globalização certamente não poderia suportar a existência de indivíduos num mundo de particularidades culturais amplamente difusas, onde a liberdade e o conhecimento, amparados ao real senso de união derrotariam cabalmente suas ambições. Se lhe fosse permitida a possibilidade de vivenciar tal época, sem dúvida este seria seu inferno.
Trata-se de um clássico indiscutível do Heavy Metal mundial, sendo referência para diversos grupos e fãs.
Escrito em 16 de fevereiro de 2014 com início às 19hrs. e 15min.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Show No Mercy - Slayer

O primeiro disco da banda norte americana Slayer, Show No Mercy, foi lançado em 3 de dezembro de 1983.
Quando as luzes apagavam e, no meio de um coro ensurdecedor de uma plateia ensandecida um grupo de jovens subia ao palco com os dizeres “Se vieram aqui para acompanhar um show do Bom Jovi e seus gemidos, estão no lugar errado!” sabíamos que estávamos diante de mais uma apresentação dos insolentes do METALLICA. A banda, oriunda da cidade de Los Angeles, sabia como ninguém manter o público em constante estado de euforia, enquanto notas agressivas eram talhadas das guitarras Gibson Flying V gêmeas das mãos de James Hetfield e Kirk Hammett, seguidas de perto pelo compasso certeiro do baixo de Cliff Burton e o kit sem bumbo duplo de Lars Ulrich. Durante os primeiros anos da onda do Power Metal norte americano, os quatro garotos espinhentos mantinham-se no mais alto lugar do pódio da música pesada, ao passo que as melodias, cada vez mais rápidas e insanas, migravam para um novo patamar. Após o lançamento de KILL ‘EM ALL, o METALLICA provava ser o grupo que puxaria o carro da nova era do som pesado, e a partir de então o Heavy Metal praticado por todos os grupos do mundo mudaria drasticamente. Era o surgimento do Thrash Metal.
A história marca o ano de 1983 como o início de toda a trajetória do som veloz e sem precedentes, visto que o primeiro disco do METALLICA foi lançado nesta época. Para os fãs, a sonoridade que transbordava das duas faces do vinil de KILL ‘EM ALL atingia os ouvintes tradicionais de Rock como um bloco de pedra arremessado das mãos de um gigante: certeiro e fatal. Como toda criação deriva de um ponto, a área compreendida entre o Oceano Pacífico e o Leste da Califórnia, mais precisamente na região de São Francisco, representa o pináculo do Thrash Metal, berço de diversos grupos que, cientes ou não da revolução sonora que estavam desenvolvendo, conceberam o que hoje é amplamente conhecida como a Thrash Metal Bay Area. Nas raízes deste território dominado pelas leis do som pesado, bandas como EXODUS, LEGACY, DEATH ANGEL, FORBIDDEN e o próprio METALLICA (que se mudara para a região no fatídico ano) eram tratadas como verdadeiras pérolas de um mar de transformações, cujas qualidades musicais entrelaçavam-se com as características particulares de cada conjunto, moldando toda a cena em um espiral de influências e personalidades. Enquanto o EXODUS possuía um dos mais prolíficos guitarristas de toda a Bay Area, Gary Holt, com seus riffs inigualáveis e solos estupendos, e o mais insano dos vocalistas, Paul Baloff, dono de um carisma inesgotável e um insultador sem igual, o DEATH ANGEL atacava com uma gangue formada apenas por parentes filipinos, onde os limites da velocidade se chocavam com as leis da física e da matemática, e não só uma vez os fãs tinham a sensação de serem atingidos por um batalhão de guitarras ao invés de apenas duas nas apresentações do fabuloso quarteto. O LEGACY, que algum tempo depois passaria a atender pelo nome de TESTAMENT, tinha a dupla Eric Peterson e Alex Skolnick como base para a prolífica execução de notas Thrash Metal, que unidos ao vocal da lenda indígena Chuck Billy possuía um dos mais interessantes times da segunda escola do Heavy Metal americano, ao passo que o onipotente METALLICA ditava as regras com composições inteligentes e uma seriedade que de certa forma os fazia únicos em toda São Francisco. Lógico que existiam outras bandas, como o cáustico VIO-LENCE, o obcecado MEGADETH de Dave Mustaine, o altamente melódico HEATHEN e o chamativo LÄÄZ ROCKIT, com um visual que unia o Glam Metal ao Thrash, que proliferavam ideias de rebeldia e revoluções ao inerente apelo para com a juventude. Era fácil prever que em meio a essa torrente musical havia espaço para todo tipo de ação e opinião, independente do que os fãs esperavam ou acreditavam. Enquanto o Thrash Metal tinha como base as notas aceleradas da NWOBHM (valendo aqui uma observação para diversos grupos, de IRON MAIDEN e SAXON a DIAMON HEAD e BLITZKRIEG), grupos como METALLICA e EXODUS nunca esconderam seu apreço pelos conjuntos britânicos, sempre citando ou mesmo homenageando seus heróis da música quando possível (Lars e seus comparsas chegaram a lançar um disco apenas com covers das bandas da NWOBHM, além de executar diversas canções durante os shows), enquanto que os representantes do Thrash de outras regiões dos Estados Unidos, como os nova-iorquinos do ANTHRAX e do OVERKILL primavam por algo mais orientado ao Punk Rock dos RAMONES, DEAD KENNEDYS, GBH e afins, ostentando uma sonoridade mais ríspida e acelerada, ainda que usassem bastante melodia. Por algum tempo os britânicos do VENOM, pioneiros do Metal satânico, ficaram esquecidos durante o curso da história. Idolatrados como verdadeiros deuses pela molecada headbanger, Cronos e companhia passaram para meros espectadores em um curto espaço de tempo, enquanto viam bandas menos requintadas como o DIAMOND HEAD tornarem-se referência e o Thrash Metal atacar de diferentes frentes, procurando sempre atingir um ideal cada vez maior e mais abrangente. Ao passo que letras sobre guerra nuclear e sociedades em busca do poder tomavam cada vez mais espaço, os reinos negros do inferno foram ficando para trás, como que varridos para debaixo do tapete. Embora o todo poderoso METALLICA estivesse em evidente estado de êxtase ao ser convidado a participar da primeira turnê europeia do grupo ao lado da turma de Cronos ainda em 1983, bastou doze meses para os americanos esquecerem a aventura ao lado dos filhos de Satã e tudo não passar de uma experiência apagada no borrão da memória.
Mas ainda havia os que admiravam as proezas de Lúcifer na música, e faziam questão de ver as histórias sobre magia negra recriadas em forma de notas agressivas e composições inusitadas. O jovem Jeff Hanneman era um exemplo. Tendo desde berço uma tradição enraizada nas guerras que assolaram o planeta na primeira metade do século XX, o rapaz de cabelos dourados residente da cidade de Oakland, na Califórnia, exprimia uma paixão pelos temas pesados, incomuns, e detestáveis pela maioria das pessoas normais. Enquanto o cidadão padrão americano tinha como modelo de sociedade uma família firme e estabelecida nas regras de Deus, pregando o amor e a justiça, Jeff cresceu ouvindo de seus pais, tios e avós histórias da Primeira e Segunda Guerra Mundiais, onde bravos homens morriam pelos ideais de uma nação e suas experiências viravam lendas contadas em mesas de bares e calçadas da vida.  Unindo seu forte desejo sobre as conspirações militares ao grande senso lírico que possuía, logo Jeff passou a se expressar pela guitarra, instrumento que o acompanhou durante toda sua existência. Em 1981, logo após sair da escola, encontrou no inocente Kerry King sua cara metade da música, e juntos passaram a materializar um ideal para suas vidas. Exímio instrumentista, Kerry tinha uma predileção por composições rápidas, e de imediato se deu bem com Jeff, criando uma simbiose com o parceiro que garantiu uma das mais agressivas duplas de guitarra do Thrash Metal. Da mente dos dois comparsas, nascia o SLAYER e seu banho de sangue e ódio.
Gravado no Track Record Studios, o álbum foi produzido e capitaneado pela própria banda. A gravação contou com a participação de Bill Metoyer e Brian Slagel, dono da Metal Blade.
Usando e abusando da proposta inicial do VENOM, de tocar extremamente veloz e fora do tempo, ainda em 1981 a dupla encontrou no imigrante chileno Tom Araya a voz da banda. Dono de um timbre que vai do rasgado ao agudo, o rapaz original de Viña Del Mar tinha como arma um falsete de quebrar janelas, visto por milhares de fãs em muitos anos durante as apresentações descontroladas do conjunto, além de saber tocar baixo. No ano seguinte, houve a adição do baterista Dave Lombardo, um cubano nascido em Havana que apresentava uma técnica sem igual para tocar seu kit. Adepto do bumbo duplo, Dave foi um dos pioneiros do instrumento, mostrando até hoje como se faz para retirar um som técnico e ao mesmo tempo instintivo. Com o time formado, algumas apresentações eram marcadas em bares e casas de show de Los Angeles, sempre recheadas de covers dos mais diversos grupos, de JUDAS PRIEST a IRON MAIDEN. Curioso notar que, diferente de praticamente todas as bandas da Bay Area, o SLAYER pouco se linchava para a NWOBHM, com exceção da Donzela De Ferro, uma verdadeira máquina de riffs com poder de fogo impossível de ser ignorado, e, lógico, da cria de Cronos. A paixão pelo conjunto de Steve Harris era tamanha que não era surpresa para ninguém entrar nos pubs de Los Angeles e encontrar Tom esgoelando-se durante as notas sinuosas de WRATHCHILD, PROWLER e afins, enquanto passeava pela discografia repulsiva do VENOM.
Foi em uma dessas apresentações viscerais do SLAYER que as coisas começaram a acontecer. Após receberem um convite para abrir um show do grupo BITCH no tradicional Woodstock Club, em Los Angeles, a sorte bateu a porta, e o destino se encarregou do resto. Um dos integrantes do BITCH era amigo do ex-jornalista musical Brian Slagel, que fundara recentemente a gravadora underground Metal Blade, e após receber um convite para acompanhar o show daquela noite, entrou na casa e segurou o queixo enquanto via Jeff e companhia executarem um cover irrepreensível de PHANTOM OF THE OPERA do IRON MAIDEN. A canção, que era uma das oito faixas tocadas pelo SLAYER (seis eram covers), despertou de imediato o interesse de Brian pelo conjunto, e não tardou para o mesmo dar um pulo no backstage e tirar uma letra com o empresário da banda, um moleque amigo dos rapazes cabeludos. Brian propôs para o quarteto a oportunidade de tocarem na coletânea METAL MASSACRE III, capitaneada pelo seu selo, e a oferta foi prontamente aceita. Assim, durante a divulgação do material em 1983, a banda participou com a canção AGRESSIVE PERFECTOR, que de imediato caiu nas graças dos fãs de música pesada. Todos queriam saber mais sobre aqueles rapazes que tocavam como o METALLICA, usavam roupas de couro como o JUDAS PRIEST e tinham nas letras refrãos que se assimilavam ao VENOM.
A banda foi criada em 1981 por Jeff Hanneman, primogênito de uma família de veteranos militares, e Kerry King. Logo, a temática envolvendo guerras e crueldade era algo recorrente, e tais fatos foram reproduzidos no disco.
Com o sucesso da coletânea, Brian tinha a certeza de que não perderia tempo ao assinar um contrato com os rapazes, contudo, mesmo ciente da pepita que tinha diante dos seus olhos, não tinha em mãos a verba necessária para custear um disco completo só com a banda. Foi preciso apelar. Tom, que tinha um bico em um hospital prestando serviços como terapeuta respiratório juntou cada centavo que podia, enquanto Kerry conseguiu um empréstimo com seu pai para ajudar a segurar a barra de uma gravação profissional. Com a nota em mãos, Brian conseguiu agendar uma data no Track Record Studios, localizado em North Hollywood, em Los Angeles, e foi na raça que o conjunto rumou para o local num fim de tarde de novembro para registrar as composições de seu primeiro full lenght.
Ainda que houvesse o lugar e o dinheiro para registrarem as faixas, o custo do local era alto para os padrões da Metal Blade, tanto que Brian se viu forçado a colocar os rapazes em estúdio durante a madrugada e gravar tudo o mais rápido possível. Com a ajuda de Bill Metoyer e da própria banda, em um prazo de oito horas tudo estava captado, registrado e guardado nos rolos de fita, e o que se viu três semanas depois foi o estopim de algo mágico.
O álbum é um clássico do Thrash Metal, rivalizando com o disco Kill 'Em All, do Metallica. É apontado pelos fãs como o precursor do gênero Thrash Metal, ao lado da obra de Lars e companhia.
Como dito nas primeiras linhas deste texto, o METALLICA entrava no palco e tocava com afinco. Logo após uma apresentação segura do SLAYER, que na época não contava com seu disco lançado, Lars e companhia faziam a pista tremer e chacoalhar, e algumas línguas ásperas diziam que Jeff e sua turma se tocaram da atitude contida em KILL ‘EM ALL. Muitos afirmam que foi a partir dessas apresentações que     o SLAYER começou a acelerar seu som para competir com o METALLICA, e uma disputa por atenção e velocidade começou a surgir. Seja como for, se James estava em vantagem ao se dirigir para a plateia com extrema autoridade enquanto tocava as notas da complexa THE FOUR HORSEMEN, o SLAYER logo provaria que estava disposto a nivelar as diferenças. Apoiando-se em uma apresentação quase teatral, como fazia o IRON MAIDEN e o MERCYFUL FATE, Tom subia ao palco acompanhado de seus companheiros em meio a uma cortina de fumaça, todos devidamente trajados com couro e tachinhas. Kerry usava em seu punho esquerdo uma braçadeira estúpida com pregos de mais de dez centímetros, abusando de uma autoridade até então não explorada por nenhuma banda de Thrash Metal, enquanto Jeff trazia uma enorme cruz invertida, a qual colocava num canto do palco e sempre expunha durante as pausas entre as músicas. A partir do dia 3 de dezembro de 1983 o SLAYER possuía sua própria lista de temas e não mais abusava das canções alheias para preencher suas apresentações, ainda que WITCHING HOUR do VENOM fosse quase obrigatória nas execuções do quarteto.
Atendendo por SHOW NO MERCY, o primeiro disco da banda peca pela inocência, além de estar bastante calcado na sonoridade dos pilares britânicos, ainda que o conjunto dirigisse as composições a 150 km por hora. Mesmo assim, é impossível não perceber o furor jovial que preenche os trinta e cinco minutos da película, que esbanja adrenalina e vontade. A capa, desenhada por Lawrence R. Reed mostra uma ilustração bizarra de um demônio com cabeça de bode empunhando uma espada descomunal na mão esquerda enquanto segura a ponta da capa com a mão direita, representando bem o mundo de fantasias que habitava a mente dos jovens integrantes do conjunto. Das dez canções presentes no álbum, o destaque fica para a arrepiante BLACK MAGIC, que mostra riffs cortantes de Jeff andando em perfeita sintonia com os solos de Kerry, um adepto da distorção e notas dedilhadas. As canções TORMENTOR e CRIONICS mostram o lado melódico herdado da Donzela, ainda que todo o disco tenha uma pitada de IRON MAIDEN e JUDAS PRIEST, enquanto o lado satânico explícito fica por conta da trinca EVIL HAS NO BOUNDARIES, THE ANTICHRIST (letra pesada para os padrões da época) e DIE BY THE SWORD (uma gargalhada maliciosa de Tom é a cereja do bolo, digna dos bons filmes de terror), com um apelo altamente diabólico e melodias grudentas. Mesmo      que as faixas invistam em letras simplórias e conteúdo primitivo, é legal perceber que houve criatividade em alguns momentos, como na primeira música da trinca, onde Gene Hoglan aparece para dar uma mão ao conjunto. Gene, que foi baterista da banda de Thrash Metal californiana DARK ANGEL, estava no estúdio quando Tom preparou-se para registrar os vocais da canção citada e deu uma dica para Jeff e Kerry. Ele pediu para todo mundo, a banda e as demais pessoas no estúdio, gritarem a palavra “evil!” durante o refrão para deixa-lo mais empolgante. Como resultado, não só o som de guitarra de Jeff em fade in logo no início da faixa chama a atenção, mas também todo o trabalho vocal, especialmente na parte do coro. Muito bom.
Ainda tem as composições FIGHT TILL DEATH, METAL STORM/ FACE THE SLAYER, THE FINAL COMMAND e SHOW NO MERCY que encerra o trabalho, mas estas músicas seguem a mesma linha, sem nada a acrescentar, mas também não deixam o pique cair. Para um primeiro registro estava de bom tamanho e é certeza que fã nenhum reclamou do material, tanto é verdade que não durou para o disco se tornar o mais pedido da Metal Blade, contabilizando para Brian e a banda a venda de mais de 40.000 cópias do trabalho.
O SLAYER estava no caminho certo, abraçando tudo o que as demais bandas haviam deixado para trás. A maior peculiaridade do grupo era sua base musical, que casava muito bem as notas destrutivas e ultra velozes com a temática carregada e blasfema, tornando a banda uma alegoria exclusiva no Thrash Metal, mesmo não pertencendo à panelinha da Bay Area. Porém, ainda havia detalhes para acertar. Vindo da Califórnia, o SLAYER ainda tinha em sua genética algo dos conjuntos Hard/ Glam dos conterrâneos do MÖTLEY CRÜE e RATT, os quais qualquer fã de Thrash Metal repudiava com ódio xiita. Durante as apresentações, era costume dos rapazes pintar os olhos com uma grossa camada de maquiagem que os deixava bastante vistosos, mesmo que a intenção fosse agir como um grupo de guerra ou como os jogadores de futebol americano, como se defendia Jeff. Bastou uma apresentação em São Francisco ao lado de SAVAGE GRACE, LÄÄZ ROCKIT e da lenda EXODUS para o quarteto abandonar a tinta na cara, após sofrer uma enorme chacota da plateia presente. Como é que se diz? Vivendo e aprendendo...
Mesmo hoje, mais de trinta anos após o lançamento do clássico LP, vale a pena conferir os primeiros passos dos mestres dos reinos demoníacos. O SLAYER provou que tinha espaço para suas propostas, e a expansão de seu nicho era apenas uma questão de tempo. Havia muito a ser explorado no fértil território da música pesada, especialmente no recém-descoberto Thrash Metal, e não fazia mal deixar que muitos seguissem os passos deixados pelo METALLICA, afinal, é muito mais divertido fazer a própria história acontecer, não é?
A banda mostrou que tinha futuro. O disco tornou-se o mais vendido da Metal Blade, com cerca de 40.000 distribuídas. Ninguém duvidava da capacidade do quarteto.
Escrito em 02 de fevereiro de 2014 com início às 20hrs. e 55min.