O EP Apocalyptic Raids da banda suíça HellHammer foi lançado no ano de 1984 pela gravadora alemã Noise Records. Foi gravado entre os dias 2 e 7 de março daquele ano no Caet Studio em Berlim. |
Nos dias de hoje, com todo o avanço tecnológico e os
constantes desenvolvimentos realizados nas mais diversas áreas sociais
(científica, histórica e humana), o ser humano progride triunfante, voltando
cada vez mais seu olhar para o futuro. O que já havia sido realizado pelos
nossos antepassados há milhares de anos, como a manipulação do fogo, a criação
de armas para autodefesa, o surgimento do senso de coletividade para a
preservação da espécie, e as muitas outras formas de progresso no campo da
sobrevivência, tornou-se cada vez mais acentuado no indivíduo a necessidade de
compreender (leia-se por conquistar) tanto o mundo que conhecia, como também o
que ainda carecia ser desvendado. Foi assim na época das grandes navegações,
durante o ressurgimento do pensamento questionador e filosófico no período
renascentista, culminando na instauração da democracia em muitas nações pelo
mundo. No início da segunda metade do século XX, sob a trilha deixada pelas
guerras que envolveram praticamente todas as nações do globo (culminando no
monopólio político do capitalismo e do socialismo), o mundo acompanhou de perto
aquele que seria o passo mais importante da humanidade sob o domínio do
desconhecido: a conquista da lua. A partir daquele ano de 1969, sob os
primeiros passos do astronauta americano e tripulante da Apollo 11 Neil Armstrong,
o ser humano rumava para caminhos cada vez mais desconhecidos, buscando sempre
conquistar tudo que sua imaginação poderia alcançar; o espaço, neste caso,
tornava-se um plano finito, passível de ser até mesmo mapeado e explorado pelas
gerações futuras, como bem descreveriam as palavras proferidas por Armstrong sob o solo lunar: ”Um pequeno passo para um homem, um grande
passo para a humanidade.”.
No meio musical, assim como no espaço recém-desvendado pela
expedição americana, os limites se mostram muito mais abrangentes do que o
meramente especulado pelos primeiros estudiosos. Os conceitos de técnica,
criatividade e de contexto permitiram as diversas gerações que sucederam os
pioneiros do rock das décadas de cinquenta e sessenta desfrutarem de um
prolífico cenário, cuja moldura estendia-se cada vez mais para um plano
horizontal, à medida que as obras de diversos gênios da arte sonora exprimiam seus
objetivos e as colocava a crítica do público, onde o vinil agia como tela e a
mídia a galeria de exposição.
Obviamente, mesmo em um estilo tão ricamente fundamentado e
propenso de grande capacidade criativa, o heavy
metal ainda encontraria seus “copiadores” – os falsários da arte. Num
ambiente onde os pioneiros BLACK SABBATH
e JUDAS PRIEST trariam ao mundo uma
nova dinâmica para o rock, já bem representada por outros nomes que, se não
tinham tanto peso e velocidade em suas músicas compensavam com talento e dedicação
ímpar – LED ZEPPELIN, DEEP PURPLE, URIAH
HEEP, AC/DC e tantos outros expoentes do hard rock dos anos setenta – o início dos anos oitenta veria o
surgimento de outras grandes potências do som pesado. Apadrinhados pelo
sentimento de orgulho e atitude herdados pelos exemplos dados acima e do sempre
influente MOTÖRHEAD, bandas como o
hoje mundialmente famoso IRON MAIDEN
mantinham acesa a chama da arte do som como um todo, seguida de perto por
outros grupos de igual talento, porém sem tanta sorte: ANGEL WITCH, RAVEN, SAXON, DIAMOND HEAD... Enfim, o refugo do mainstream, a NWOBHM. Parecia-se que
naquele início de anos oitenta, qualquer grupo que tivesse na linha de frente
um par de cabeludos que, ao chacoalhar as cabeças incessantemente enquanto
proferiam palavras de liberdade e postura proativa (vazias ou não), podia-se
ter ali uma banda em potencial, onde os frutos poderiam ser colhidos a curto ou
médio prazo. Uma entidade musical que sem dúvidas quebrou todo esse paradigma
foi o famigerado VENOM. Fruto da
discórdia gerada sob todo aquele cenário de prosperidade criativa, o trio de
Newcastle prezava por apresentar-se mergulhado em couro, tachinhas, rebites e
muito gelo seco e pirotecnia. Não bastasse isso, ainda era amparado pelas
letras blasfemas e satânicas, tudo embasado pela filosofia suja e mórbida do
“quanto mais podre melhor”.
Após mudar o nome de Hammerhead para Hellhammer, o trio composto por Satanic Slaugher, Slayed Necros e Denial Fiend procurou aprimorar sua sonoridade, ainda que ela viesse calcada o som do Venom. |
Parecia que o VENOM
seria o único grupo a tocar o barco contra a maré, navegando pelas águas
errantes do curso contrário de seus conterrâneos. Contudo, não só a decisão de
seguir em frente com o pensamento arrogante e totalitário de empurrar goela
abaixo do público sua grotesca premissa sob notas desafinadas e ríspidas, o
grupo ainda conseguiu influenciar expoentes de uma nova vertente musical, ávida
em explorar ainda mais o cenário já muito garimpado pelos veteranos. O curso da
história mostraria uma vez mais que era perfeitamente possível encontrar ouro
no vale perdido do som pesado, contribuindo para definir na costa oeste
americana um novo gênero que posteriormente o mundo inteiro abraçaria: o Thrash Metal.
Ainda que as sementes plantadas pelo VENOM houvessem germinado nas camadas mais prolíferas do Thrash Metal, sob vista grossa de grupos
como o METALLICA, EXODUS e o mais
fiel de seus seguidores, o SLAYER,
foi um pouco mais abaixo, mais precisamente no estado da Flórida, que o seu
culto atingiu o estágio mais desenvolvido. O Death Metal praticado por bandas revolucionárias como o POSSESSED, DEATH e MORBID ANGEL
encantava os jovens que cresceram às margens da Disco Music, enquanto esta embalava as massas num ritmo que ainda
hoje gera arrepios nos metalheads
mais velhos.
Enquanto o Death Metal
é, sem sombra de dúvidas, a vertente mais diversificada do som extremo, vindo
inclusive a ser visto andando de mãos dadas com a modernidade (SLIPKNOT que o diga), outra raiz seca
deixada pelos desdenhados britânicos foi o Black Metal. Assumido, por assim dizer, como a obra-prima do VENOM, o estilo musical que unia a revolta do Punk Rock com a hipocrisia da sociedade moderna, misturado milhares
de vezes ao tilintar das cordas distorcidas da guitarra e do baixo e dotado de
identidade satânica, a sonoridade extrema atingida por tal plano musical
atacava de todos os lados, não dando chances para os ouvintes desavisados.
Ainda que houvesse ali uma força fora do comum, que certamente poderia criar
novos paradigmas para o já conceitual Heavy Metal, a mesma carecia de cuidados técnicos para não morrer na praia. Mais
ainda, naqueles saudosos anos oitenta, o recém-criado estilo necessitava de
representantes que, se não tinham talento para satisfazer todas as exigências
que um novo gênero possui, pelo menos poderia estar ali presente, ocupando um
lugar que mais tarde traria algum respaldo. Se, é claro, sobrevivessem às duras
críticas para ver este dia chegar.
A versão em CD do disco foi lançada em 1990 com a adição do termo A.D. no título, além de duas faixas bônus. |
É de se impressionar a ideia de que um vilarejo de pouco
mais de três mil habitantes, localizado em Nuresdorf (uma vila rural aos
arredores de Zurique, na Suíça) tenha lançado ao mundo um desses corajosos
representantes do som extremo. Bem antes da criação do VENOM atingir as camadas sulistas dos Estados Unidos, trazendo à
tona toda a cena Death Metal
americana, o HELLHAMMER já seguia a
trilha pioneira de Cronos e companhia
sem, contudo, sentir orgulho daquele “pequeno passo do homem”.
Como mímicos, os jovens Thomas
Gabriel Fischer (nome verdadeiro de Satanic
Slaugher), Martin Eric Ain (que
atendia na banda por Slayed Necros) e
Bruce Day (intitulado Denial Fiend) executavam dolorosamente,
nota por nota, as composições já erráticas do VENOM, contudo, uma casa abaixo, fazendo do som de seus
instrumentos algo exclusivo; único. Mesmo sendo criado como uma cópia, o HELLHAMMER se dava ao luxo de executar
algo mais brutal ainda, batendo com a caneca as grades do metal extremo, porém
ainda enjaulado pela falta de técnica. A pobreza na capacidade de execução do
trio era notória, ainda mais se postos ao lado de outras bandas da mesma época,
como aconteceu quando a gravadora Noise Records lançou, em 1984, a coletânea DEATH METAL, incluindo composições do
grupo com a dos alemães do RUNNING WILD
e HELLOWEEN.
Ainda assim, no mesmo ano, os rapazes entraram no Caet
Studio em Berlim e gravaram, entre os dias 2 e 7 de Março aquilo que seria o
marco da banda dentro do cenário musical. Produzido por Tom G. Fisher e Martin E.
Ain, a Noise apresentava o EP APOCALYPTIC
RAIDS, uma peça que demonstrava um pouco mais de qualidade em relação às
diversas demos lançadas pelo grupo desde sua fundação, em 1982, quando ainda
atendiam pelo nome de HAMMERHEAD. A
grande descoberta do trio repousava no encanto que a dedicação dos rapazes
propunha, sendo que, se na época canções como THE THIRD OF THE STORMS (EVOKED DAMNATION), REVELATIONS OF DOOM e MASSACRA
apresentavam letras fantasiosas e simplórias, amparadas por um instrumental
carente e pífio, bastaram apenas alguns anos para que a geração seguinte, em
busca de inspiração para suas ambições, encontrasse nessa dedicação algo para
agarrarem-se com fervor.
Muitas foram as bandas que, embaladas pelas notas pesadas e
velozes – ainda que fora de tempo – das composições TRIUMPH OF DEATH e MESSIAH
criaram seu próprio universo de metal extremo, lançando ao mundo a novidade que
buscaram a partir desta pequena descoberta europeia.
Mas os gritos, lamentos e súplicas contidos neste desempenho
de pouco mais de vinte e cinco minutos duraram pouco. Desejando atender às
necessidades criativas cada vez mais evidentes nas suas cabeças, Warrior e Ain dissolveram a banda, alguns meses depois. Se os “copiadores de
gênero” no início davam o sangue para provar que aquele arremedo de banda seria
a mais perfeita réplica dos depravados de Newcastle, o próprio contexto
histórico faria lembrar que, neste mundo poucos criam algo, mas cabe a todo o
resto tornar tudo palpável, digno de reconhecimento. A obra do HELLHAMMER serviu como patamar para um
plano maior, mais abrangente, que ainda não estava pronto para germinar no
mundo de trinta anos atrás.
Aproveitando a leva de novas bandas extremas que surgiram no
início dos anos noventa (principalmente na Noruega), o material deste histórico
EP foi relançado atribuindo a extensão A.D. 1990. Além das quatro faixas
regulares, esta versão contém uma nova arte de capa, desenvolvida por José Posada, e as já comentadas REVELATIONS OF DOOM e MESSIAH, que deram um pouco mais de gás
a esse disco. Vale destacar que o disco foi lançado uma terceira vez, em 1999,
voltando a contar com a arte de capa original.
O disco tornou-se um marco no gênero extremo, sendo apontado como o pioneiro do Death Metal em todo o mundo, além de definir bases para o Black Metal em geral. |
Não restam dúvidas que o ser humano ainda vai continuar com
sua eterna busca da compreensão total do meio em que vive, procurando soluções
cada vez mais práticas para resolver suas necessidades. Enquanto ele avança no
seu critério evolutivo, muito do que é deixado para trás necessita ser
reavaliado, revisto. Bom para nós mesmos, que temos a oportunidade de, mais uma
vez, trabalhar no que já foi demostrado, porém pouco discutido ou ignorado.
Grandes ideais surgem a parir deste ponto, como o próprio HELLHAMMER, que ao deixar de existir proporcionou a seus
integrantes uma nova perspectiva, que refletiria claramente na sua próxima
empreitada, ainda em 1984. Mas essa é outra história, que o ser humano que
estiver lendo isso vai ter que segurar o ímpeto evolutivo e aguardar mais um
pouco...
Mesmo com uma qualidade técnica baixa e uma gravação precária, o álbum é bastante apreciado até os dias de hoje.
Escrito em 26 de Maio de 2013, com início às 20hrs. e 03min.
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