O terceiro disco da banda de Heavy Metal alemã Accept, Breaker, foi lançado em 16 de março de 1982. É responsável por mostrar um novo direcionamento do conjunto. |
Durante as revoluções globais que assolavam o cotidiano do planeta
em suas diversas vertentes por volta dos anos trinta (social e econômica,
principalmente), Adolf Hitler
discursava para a juventude alemã, oprimida pela palavra de ordem já regida
desde a Primeira Guerra Mundial pelos países dominantes europeus (ver os livros
A Revolução Alemã 1890 a 1915 e O Último Verão Da Europa para mais
detalhes) com o intuito de levantar o ânimo de sua população para uma eventual
batalha em prol de seus interesses. Em sua postura firme, indubitável e
amplamente convincente, o Führer
domava multidões apenas com as suas palavras, fazendo do verbo sua mais
mortífera arma. Contudo, mesmo se tivesse a oportunidade de ver o desfecho
trágico de suas ações (digo, até o final, já que o mesmo cometera suicídio em
1945 justamente temendo ser capturado pelas tropas aliadas ao fim da Segunda
Guerra Mundial), duvido que sentiria orgulho delas (para não desviar o foco não
vamos aprofundar-nos no holocausto), pois sua pátria, juntamente com seu povo, viu
os anos compreendidos entre o fim de 1940 a 1970 massacrarem todo aquele
sentimento de união e luta que o mesmo propagara em suas inflamadas audiências.
O país foi dividido em dois pelas nações vitoriosas, sendo uma parte
capitalista e outra socialista, através da vergonhosa Cortina de Ferro (fisicamente representada por um muro de concreto
conhecido pelos alemães como Mauer,
com obras iniciadas em 13 de Agosto de 1961 que, num ato de total esquizofrenia
geopolítica, separava a Alemanha em duas partes), cada qual propagando suas
próprias leis de conduta, sustento e progresso, segundo seu regimento político.
Devido a grande massificação consumista elaborada pelos
países aliados após a segunda guerra mundial, o “lado capitalista do muro”
desenvolveu-se agregando as características socioculturais das nações de ampla
ascensão econômica (França, EUA e reino Unido), sendo este um fator decisivo
para o surgimento de movimentos sociais populares, que tinham como intuito
propagar o crescimento da identidade alemã em relação ao resto do mundo. Sob um
panorama geral, cada país possuía sua cultura, sua forma de expressão, sendo
esta uma ferramenta particular para a prática da autoafirmação, a qual a
Alemanha, mesmo desmembrada, não recusara. Durante os primeiros anos de 1980,
com o enfraquecimento da Guerra Fria (isto é, se relacionarmos tal período ao
de seu início, na segunda metade de 1940) a Alemanha passou a desenvolver com mais
afinco seu lado cultural, contribuindo para resultados grandiosos ao fim desta
mesma década, com a queda do muro de Berlim e a consolidação de uma única nação
novamente.
Com foco nesta revolução que ocorreu há pouco mais de trinta
anos, vale destacar o âmbito musical que germinava na Alemanha desde a primeira
metade dos anos sessenta aos setenta, onde alguns nomes de bandas hoje
mundialmente conhecidas (LUCIFER´S
FRIEND, TANGERINE DREAM e SCORPIONS só para citar algumas) davam
seus primeiros passos. A chegada dos anos oitenta apresentou para o mundo a
explosão selvagem do Punk Rock e do Heavy Metal, e nesse cenário de ebulição sonora
um grupo oriundo de Solingen, North Rhine-Westphalia (ao norte da Alemanha) buscava
sua afirmação. O ACCEPT, que contava
com dois álbuns de estúdio já lançados, algumas boas turnês sob o solo da
própria pátria e uma semelhança incrível com o seminal AC/ DC (principalmente na postura) estava disposto a provar, desta
vez em maior escala, seu propósito e suas ambições.
O disco foi gravado no Delta Studio em Wilster, ao norte da Alemanha, entre os meses de dezembro de 1981 e janeiro de 1982. Foi produzido por Dirk Steffens. |
O disco de 1980, I’M
A REBEL, mostrava uma mistura de Hard Rock com Heavy Metal que desembocava
numa sonoridade crua, mas trabalhada, com direito a passagens criativas e
empolgantes (vide as canções THUNDER AND
LIGHTNING e SAVE US), o que
deixava claro que a química do conjunto acabaria rendendo bons trabalhos mais
adiante. Naquela época, o conjunto tinha nas notas precisas do guitarrista Wolf Hoffmann e no baixo seguro de Peter Baltes sua arma para empolgar as
multidões, mas quem chamava mesmo a atenção era o vocalista Udo Dirkschneider. Vestido em um par de
calças aparatadas com lantejoulas enquanto exibia de sua camisa florida
semiaberta uma forma arredondada, Udo
era uma verdadeira alegoria dos palcos, que compensava sua baixa estatura
inflamando as apresentações da banda com seu característico vocal anasalado e
sua cabeleira loura a altura dos ombros, que brilhava ao compasso das luzes dos
holofotes. Era impossível resistir a tamanho chamariz, sendo que o conjunto
passou a acumular certa fama com o passar do tempo graças a essa combinação,
que trazia cada vez mais pessoas para as apresentações do quinteto. Com um
contrato assinado com a gravadora alemã Brain Records em 1981, a banda tinha em
sua pauta o lançamento de mais um trabalho inédito. Porém, os cinco jovens, que
acompanhavam de perto o crescimento da cena do Heavy Metal britânico tinham em
mente algo mais orientado ao peso e melodia das guitarras, enquanto a bateria
passaria a ter mais destaque acompanhando a sonoridade ríspida e contendo os
impulsos desnecessários, algo tido como normal nas bandas iniciantes. Tendo
isto em mente, os rapazes rumaram para o norte de sua pátria, mais precisamente
para o distrito de Wilster, tendo como ponto final o Delta Studio, comandados pelo
produtor Dirk Steffens. Munidos de
acompanhamento empresarial e apoio da gravadora, algo até então inédito para o
conjunto, o final de 1981 foi bastante agitado para a banda, com trabalhos
intensos envolvendo a gravação e a produção do material que constituiria o
terceiro disco de inéditas do ACCEPT.
Recordado entre dezembro de 1981 e janeiro de 1982, o disco BREAKER foi lançado dos meses após os
registros, no dia 16 de março daquele ano. O título, ideal para a proposta do
álbum, trazia aquela sensação de poder que o grupo tanto esbanjava em suas
apresentações, mostrando uma fúria singular. Com ampla divulgação em solo
alemão, o trabalho repercutiu bem entre os países europeus, trazendo para o conjunto
uma fama internacional nunca antes vista, incendiando ainda mais a empolgante
cena do Metal germânico. Se há alguns anos antes o SCORPIONS abriria as portas para um cenário fértil que apresentava os
domínios alemães (com direito a alguns grupos locais conseguindo destaque mundo
afora com canções executadas em sua própria língua), o ACCEPT sem dúvida merece alguma fatia do bolo em contribuir para
esse processo.
O figurino dos rapazes, antes extravagante, dava espaço para
algo mais despojado, onde os jeans velhos e as jaquetas de couro com patches amplamente
vistas na NWOBHM começavam a dar às caras no figurino juvenil da banda,
substituindo a androgenia vista no início do grupo, no final da década de
setenta. Nesse ponto, as casas de shows pareciam ficar cada vez mais cheias,
enquanto o apelo sexual de Hoffmann entre
as garotas nunca foi tão evidente como naquela época. A banda estava começando
a atingir o auge, e o sabor do sucesso parecia viciar cada vez mais os rapazes
alemães.
A trinca que abre o disco é uma clara demonstração do poder
contido nas composições da banda, onde o início viciante de STARLIGHT mostra um degrau escalado
pelo grupo em relação ao disco anterior. Com compasso firme, riff vigoroso e refrão forte e marcante,
o trabalho da dupla de guitarras esbanja bom gosto, principalmente ao beber da
fonte do JUDAS PRIEST, como
demonstrado em diversos momentos do vinil. A faixa título é uma ode ao Heavy
Metal, onde a letra faz chacoalhar a cabeça de qualquer metalhead enquanto embala as melodias extremamente bem dosadas,
numa simbiose perfeita entre ritmo e composição. RUN IF YOU CAN traz auqela característica já herdada de Angus e
seus comparsas, dividindo a canção entre algo contagiante e agressivo. Passando
pela balada CAN’T STAND THE NIGHT
que esfria a temperatura do disco, a quinta faixa é uma verdadeira afronta ao
comportamento moderado da sociedade conservadora. A lenda reza que em um belo
dia um amigo da banda surgiu para fazer uma visita aos rapazes no estúdio acompanhado
de sua namorada, a qual era fluente em inglês e conhecia muitas gírias, sendo
estas uma novidade bem vinda para os sempre curiosos garotos alemães. Entre uma
conversa e outra, a jovem acabou por ensinar aos garotos coisas que não devia,
como insultos e palavrões, que foram bem absorvidos pelo conjunto a ponto de se
tornarem base para uma canção. Assim nasceu SON OF A BITCH com título explícito e sua obscena letra, que de tão
imoral foi censurada nas prensagens alemãs, inclusive as mais recentes (a de
2000 pela Nuclear Blast e 2005 pela SPVGmbH).
Seguindo com BURNING
(com um fundo falso para passar a sensação de que foi gravada ao vivo) e FEELINGS (levada bastante convincente e
refrão pra lá de marcante) fica claro perceber como o conjunto trabalha como um
time, onde o baixo de Peter se faz
presente nas aparentes brechas deixadas entre os solos dobrados da dupla Wolf Hoffmann/ Jörg Fischer, enquanto o
alcance vocal de Udo simplesmente detona,
fazendo frente às batidas precisas de Stefan
kaufmann. A canção MIDNIGHT HIGHWAY
de certa forma empolga, sendo que a faixa BREAK
UP AGAIN nos dá uma colher de chá ao mostrar Peter assumindo os vocais, coisa que ele já havia feito nos dois
discos anteriores, deixando claro que suas virtudes vão além das quatro cordas.
O final com DOWN AND OUT bota os
ânimos pra cima, com uma apresentação irrepreensível da banda, como se estivesse
executando a canção diante de uma plateia com milhares de fãs.
O álbum foi responsável pelo salto de popularidade da banda, permitindo ao conjunto sonhar com as grandes apresentações e uma possível turnê em escala continental. |
O álbum evidentemente garantiu para o quinteto mais visibilidade
no concorrido mercado musical da época, o que refletiu na turnê que se seguiu e
na popularidade das canções STARLIGHT,
BREAKER e SON OF A BITCH, executadas pelo conjunto até hoje. Já não era mais
tão incomum passear pelas calçadas encardidas de qualquer grande metrópole europeia
e encontrar nos pubs locais voltados para Heavy Metal rumores de uma nova banda
alemã que estava fazendo barulho em sua terra natal. Coisas do mundo globalizado.
Apesar da aparente simplicidade, o caráter do grupo estava
em estado de concepção, e o mundo veria surgir daquela aparente bizarrice que
era o ACCEPT do fim dos anos setenta
justamente a antítese do discurso nazista de Hitler, onde o homem que pregava a junção de princípios
nacionalistas e socialistas como linha de frente contra a globalização
certamente não poderia suportar a existência de indivíduos num mundo de
particularidades culturais amplamente difusas, onde a liberdade e o
conhecimento, amparados ao real senso de união derrotariam cabalmente suas
ambições. Se lhe fosse permitida a possibilidade de vivenciar tal época, sem
dúvida este seria seu inferno.
Trata-se de um clássico indiscutível do Heavy Metal mundial, sendo referência para diversos grupos e fãs. |
Escrito em 16 de fevereiro de 2014 com início às 19hrs. e
15min.
Na minha versão desse álbum Breaker, a faixa "Breaking Up Again" não está inclusa.
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