domingo, 27 de outubro de 2013

Bonded By Blood - Exodus

O primeiro disco da essencial banda de Thrash Metal da Bay Area.
Não há como negar: quando se fala de Thrash Metal, é impossível desvincular o termo ao grande titã do gênero, o multiplatinado METALLICA. O grupo, liderado pelo irreverente baterista Lars Ulrich e o hoje modesto guitarrista e vocalista James Hetfield possui fama mundial, arrasta multidões em apresentações em grandes arenas e indiscutivelmente assumem o posto de megabanda, quando o assunto é som pesado. Pergunte para qualquer leigo qual sua banda favorita de ‘Rock Pesado’ e as chances do sujeito dizer METALLICA são tão grandes quanto a sua certeza quanto a essa afirmação.
A história conta que o quarteto, completado na época pelo baixista Ron McGovney e o inflamado Dave Mustaine, veio de Los Angeles fazendo um som rápido e agressivo, mas muito distante do Thrash Metal conhecido na metade dos anos oitenta em diante, sendo que após a integração do saudoso baixista Cliff Burton o grupo passou a residir em São Francisco onde, em 1983, ocorreria o lançamento de seu aclamado debut, KILL ‘EM ALL. O registro, considerado o marco zero do Thrash Metal em todo o mundo, municiou os rapazes dentro do círculo que se formava na cidade costeira americana, tornando os jovens cabeludos em celebridades locais. Os álbuns seguintes, RIDE THE LIGHTINING e MASTER OF PUPPETS só vieram a confirmar esse fato, num momento mágico em que a musica pesada passava. A metade dos anos oitenta via nascer um novo gigante do Heavy Metal, e junto com ele um novo movimento, que trazia bandas carregadas com o sentimento dos medalhões tradicionais britânicos (BLACK SABBATH, JUDAS PRIEST e MOTÖRHEAD) e uma dose extra de vontade e determinação. Surgia a tão famosa cena Thrash Metal da Bay Area, apresentando ao mundo uma maneira completamente diferente de executar e produzir Heavy Metal.
Contudo, o que muita gente acaba ignorando é que um movimento, como assim explica o que ocorreu em São Francisco na primeira metade dos anos oitenta, pode até acontecer da noite para o dia, mas não com apenas uma única banda. Do local onde James e Lars conceberam seus grandes clássicos, uma ninhada de grupos ferozes rangiam os dentes em busca do mesmo propósito, apresentando matéria-prima que serviria de combustível para essa grande revolução sonora. Em casas de shows completamente abarrotadas e em modestos pubs locais, as primeiras notas de bandas como FORBIDDEN, DEATH ANGEL, VIO-LENCE, LAGACY (que mais tarde passaria a se chamar TESTAMENT), DEFIANCE e HEATHEN cantavam a letra da vez, embalando toda uma geração que buscava algo além do que vinha do Velho Continente, ou o que a recém-criada MTV descarregava em sua programação diária, saturada de figuras moldadas a base de laquê, cinta-liga e purpurina. Mesmo outras bandas vindas de cidades vizinhas como a própria Los Angeles ainda ofereciam material nessa linha, caso do satânico SLAYER e do competente DARK ANGEL, ou mesmo os nova-iorquinos do ANTHRAX e OVERKILL, com suas bases fortemente influenciadas pelos grupos punk do final dos anos setenta.
Ditada as regras do universo Thrash Metal, o rei METALLICA distanciava-se passo a passo do público que o elegera, conforme sua música foi ficando cada vez mais conceitual e reflexiva, dando claros sinais que o epicentro Thrash estava ficando pequeno demais para seu crescente sucesso. O que se viu foram as demais bandas crescendo e despontando, cada uma para um lado, espalhando a força do Thrash Metal mundo a fora, enquanto evoluíam cada vez mais dentro de suas próprias perspectivas. Algumas superaram todas as expectativas, tornando-se marcas mundialmente famosas do gênero, como foi o caso do contestado MEGADETH de Dave Mustaine, que formou a banda após sua dispensa do METALLICA - o que o deixou obcecado por vingança - além do SLAYER dos guitarristas Kerry King e Jeff Hanneman e o ANTHRAX, dos caretas Charlie Benante e Scott Ian que, juntas ao METALLICA, formariam anos mais tarde o tão famoso Big Four, ou como alguns radicais gostam de mencionar, a panelinha do Thrash Metal americano.
Essa é a história conhecida nos dias de hoje, com todo o avanço provocado pelo gênero em todo o planta, que continua a contar a mesma história, ano após ano. Talvez não seja de conhecimento geral (embora devesse ser), mas ainda no longínquo início dos anos oitenta, enquanto Lars e companhia pretendiam conquistar o mundo, outra banda, também da Bay Area, possuía o mesmo carisma e capacidade dos jovens de Los Angeles, com o diferencial de não temerem em fazer o som que achasse mais conveniente. Não seriam, anos mais tarde, tachados de traidores da revolução; muito pelo contrário, ainda contariam com uma base sólida de fãs que se prenderiam a sua conduta tão vorazmente como as correntes que seguram os portões do inferno. Que banda seria esta, que rivalizava com o tão aclamado METALLICA em termos de revolução e popularidade, até mesmo chagando a superá-los em alguns aspectos?
Essa banda era o EXODUS!
Uma das primeiras bandas a            surgir nessa nova cena, formado em 1982 pelo baterista Tom Hunting, o EXODUS era um filho autêntico de São Francisco, coisa que o METALLICA não era. Além disso, contava com um segundo fundador, jovem promissor de bastante talento, um tal de Kirk Hammett, que abusava de palhetadas precisas e abafadas que serviram de base para dar vida aos propósitos da banda. Não tardou para que o próprio METALLICA se desse conta disso, e o que veio em seguida todos já sabem (embora Kirk tenha optado em ir para o grupo de Lars e James, sem dúvida Dave Mustaine foi o que mais sentiu o golpe). A inclusão do guitarrista na banda de Los Angeles ajudou o grupo a atingir o status que possui hoje, mas engana-se quem pensou que isso decretaria o final prematuro do gigante da Bay Area, os “senhores do pedaço”, como podem ser perfeitamente classificados. Havia mais de uma carta na manga do grupo. Na verdade, havia cinco!
Durante a permanência de Kirk no conjunto, foi lançada ainda em 1982 uma fita demo, intitulada apenas de EXODUS 1982 DEMO, que contava com três faixas: WHIPPING QUEEN, DEATH AND DOMINATION e WARLORDS. Estas músicas foram criadas no final dos anos setenta, numa época em que os rapazes tocavam em escolas e garagens e em praticamente nada se comparam com o que a Bay Area ofereceria três anos depois. Nesta época a influência das bandas britânicas ainda era muito grande, e a sonoridade das canções possuía pouca personalidade, o que acabou não afetando o conjunto durante o desenvolvimento de sua carreira. Após a saída do guitarrista, o posto foi assumido por Rick Hunolt, que passou a dividir as seis cordas com o jovem Gary Holt, conhecido pela destreza e facilidade que manejava o instrumento. A dupla entrou para a história do Thrash Metal, influenciando milhares de bandas em todo o planeta. Completavam o time o baixista Rob Mckillop e o irreverente vocalista Paul Baloff.
Aqui vale muito a pena abrir um pequeno espaço para ‘dissecar’ esta criatura que foi o frontman da banda em seus primeiros anos. Forte, carrancudo, destemido, ousado e vil, Paul Baloff era uma figura que fugia de qualquer regra criada para um vocalista de uma banda de Heavy Metal. Conhecido pelos seus longos cabelos negros e engrenhados e tido como o mais agressivo e insano entre os integrantes da banda, muitas histórias são contadas sobre suas proezas apontando-o diversas vezes como o herói do grupo, principalmente quando incitava a plateia a repudiar os posers ou os fãs de Hair Metal (o Hardrock californiano geralmente era o alvo principal) durante aquelas apresentações em que sua voz, mais próxima de um lamento de dor e ódio que qualquer outra coisa, serviam como palavras de ordem diante de um exército que era a plateia. Curiosamente, este foi o único disco de estúdio da banda a contar com Paul nos vocais, já que desentendimentos dele com os demais integrantes por consequência do abuso de álcool levaram a sua demissão. Ele ainda retornaria para gravar o disco ao vivo ANOTHER LESSON IN VIOLENCE no ano de 1997, inclusive planejando um novo álbum de estúdio, mas o destino fez uma curva durante o processo e Paul veio a falecer em 2 de fevereiro de 2002 após passar alguns dias em estado vegetativo gerado por um forte AVC.
O cenário estava montado. O primeiro ato havia se iniciado e, como nas boas peças de teatro o enredo tinha que cativar o público logo de cara, do contrário não seria acompanhado até o fim. Felizmente, apesar da fama de malvados, carisma nunca foi problema para os jovens cabeludos. O grupo era reverenciado pelo underground, tanto que gozava de um prestígio que até mesmo nomes de certo peso não faziam frente diante de sua popularidade. Para se ter uma noção da importância da banda em seu cenário, durante o fim de janeiro do anos de 1984 o SLAYER, já contando com o álbum SHOW NO MERCY na bagagem, abria as apresentações do EXODUS, sendo que este sequer possuía um disco completo lançado no mercado. Com o passar dos anos o respeito só aumentava, e rumores de que o primeiro disco da banda seria lançado em breve fazia as mãos dos metalheads suarem de satisfação.
O lançamento do primeiro disco do METALLICA, KILL ‘EM ALL, em 13 de Julho de 1983 proporcionou uma enorme vantagem para os acólitos de Brian Slagel, que encontrou nos jovens espinhentos uma mina de ouro. Num mundo em que a regra vale para todos, sair na frente é sinal de vantagem, e o EXODUS sabia que não podia perder mais tempo nem espaço. Sendo assim, em julho de 1984 o quinteto rumou para o Prairie Sun Studios (localizado em Cotati, na Califórnia) em companhia do produtor Mark Whitaker após assinar contrato com o modesto selo Torrid Records para dar o pontapé no que seria o seu primeiro full lenght no universo do som pesado.
Concluindo as gravações ainda no verão daquele ano, um imbróglio financeiro impediu o disco de ser lançado logo após sua gravação, o que deixou a banda bastante irritada com o selo. Além disso, havia o problema com a criação da capa do álbum, que segundo os envolvidos com o projeto deveria seguir os padrões do título do disco.
O disco apresentando a arte gráfica de fundo e o encarte aberto.
Originalmente o vinil se chamaria A LESSON IN VIOLENCE, contudo não havia uma ideia apropriada sobre a capa para acompanhar o título, levando-o a ser descartado. Uma versão demo com este título circulou nas mãos dos tape-traders (termo usado para os fãs que trocavam fitas cassete das bandas mundo a fora nos anos oitenta) no final do verão de 1984, antes do lançamento oficial do disco, o que ajudou a alavancar a expectativa no underground quanto ao vinil, que só seria lançado no ano seguinte, mais precisamente em 25 de abril de 1985.
Acompanhando a ideia do novo título, BONDED BY BLOOD, a capa procurou da maneira mais fiel possível retratar a situação do sentimento do disco. O desenho feito por Richard A. Ferraro mostra dois irmãos siameses, ligados pelas costas, sendo o da direita o lado bom e o da esquerda o lado mau. Com o clássico desenho em mãos o LP pôde enfim ser distribuído para as lojas, e o que se viu a partir dele foi algo que superou as expectativas de qualquer fã. Ainda é comum se ouvir por ai que se o álbum tivesse sido lançado logo após sua gravação a história de todo o Thrash Metal poderia ter sido outra.
Com comentários que iam do “bombástico” ao “sensacional”, a película com duração de pouco mais de quarenta minutos é unanimidade entre os apreciadores da música pesada, atingindo a todos como um míssil mortífero atirado de um jato que quebra a barreira do som. Abrindo a apresentação o ouvinte é jogado para a cabine de um avião em processo de queda iminente, para depois literalmente esborrachar-se de encontro a parede sonora que a dupla de guitarras Holt/ Hunolt proporciona, a faixa título é um daqueles casos em que o sujeito é levado a bater cabeça sem se dar conta. Pode parecer exagero, mas é incrível a força que esta canção possui, com andamento frenético, instrumental firme e potente servindo de cama para o vocal visceral de Paul Baloff, que não desafina um instante sequer! O riff principal juntamente com o refrão é altamente virulento, gruda de forma pegajosa, não dando chance aos ouvidos desavisados. Indispensável para qualquer headbanger.
A sequência com EXODUS, AND THEN THERE WERE NONE e A LESSON IN VIOLENCE gira em torno de treze minutos, mas o compasso é tão frenético que dá a impressão de serem menos de cinco. A primeira, com letras que encarnam uma matança, mostra que destruição e competência podem sim andar lado a lado, em constante simbiose. O solo dobrado no meio da faixa, ao melhor estilo JUDAS PRIEST, não deixa a peteca cair um instante sequer, enquanto Tom Hunting mantém tudo brilhantemente amarrado ao lado de Rob Mckillop. A segunda, com tema apocalítico, apresenta um mundo infestado pelo caos, onde a estrela de Tom brilha intensamente. Os vocais de Paul parecem ficar cada vez mais graves com o andamento das faixas, enquanto o refrão da faixa apresenta um mundo entregue ao demônio, da forma que ele sempre desejou. A terceira faixa é o típico caso onde é possível ver que clássicos saem do acaso e não é possível manter uma fórmula para cria-los. Durante toda a letra é possível sentir o sentimento da banda, que deixava bem claro que em seu repertório não havia espaço para faixas mais leves ou brilhantemente arranjadas. Era apenas guitarra, baixo, bateria e vocal, com poder de alcance inimaginável e vontade desenfreada. Sem dúvida um dos grandes momentos do disco.
A próxima faixa, METAL COMMAND, mostra como apesar das diferenças e da disputa por espaço a cena da Bay Area era unida, onde o refrão destaca o empenho que havia entre os metalheads de manter esse sentimento sempre vivo. Eles lutavam e viviam pelo que acreditavam, e em matéria de unificação nada ainda provou-se mais efetivo.
O riff certeiro da sexta faixa, PIRANHA, leva o ouvinte para um transe, uma espécie de armadilha de onde ele não consegue escapar. Enquanto as notas disparadas de instrumentos que mais parecem metralhadoras fulminam qualquer traço de tédio, o refrão mais uma vez brilhantemente interpretado por Paul fazia a todos chacoalharem as cabeleiras e balançar os membros, como marionetes sob o efeito de poderes místicos.
NO LOVE começa com uma passagem acústica, que levemente engana o ouvinte, que logo volta à realidade com as insanas notas cuspidas por Gary e companhia. O pouco que sobrar de qualquer um que ficar estático diante de tamanha competência musical logo é reduzido a nada pelas faixas DELIVER US TO EVIL e STRIKE OF THE BEAST, que encerra o material de forma digna. São poucos os discos que conseguem reunir uma quantidade tão significativa de clássicos, sendo que este álbum destaca pelo menos seis músicas de impacto irrepreensível para a comunidade headbanger. Ainda hoje essas canções agitam multidões pelo mundo inteiro, e não é raro ouvir de diversos entusiastas e celebridades do som pesado que este disco encaixa-se como uma joia rara do meio Thrash Metal, a nata da Bay Area. Se tal trabalho possui este respaldo nos dias atuais, apenas tente imaginar como ele foi recebido em sua época, em seu meio.
Como aconteceu com o METALLICA, o EXODUS sempre se mostrou um fã incondicional da NWOBHM, sempre citando o movimento musical britânico como uma forte influência em suas composições e sonoridade. Gary Holt vai além e diz que bandas com ANGEL WITCH, VENOM e MERCYFUL FATE também serviram como inspiração indispensável, além de algumas bandas Punk/ hardcore, especialmente o DISCHARGE. Está ai o segredo da grande roda da fortuna do Thrash Metal.
Os meses que seguiram o lançamento do disco mostravam uma banda preparada para encarar o que vinha pela frente, usando e abusando de uma parede sonora de indestrutível vigor. Ninguém duvidava que estivesse diante de um grupo revolucionário, um verdadeiro divisor de águas. O sucesso dos onze meses que se mantiveram em turnê para promover o disco renderam excelentes resultados, como ficou registrado após o lançamento do vídeo COMBAT TOUR LIVE em abril de 1985, que mostrava a banda ao lado do igualmente brutal SLAYER e do ícone do som sujo e inconsequente, o VENOM. Proeza para poucos em se tratando de um início de carreira.
No lançamento em CD do disco, houve mais uma mudança na capa, a qual passou a contar com a foto de uma multidão pintada com as cores vermelho e preto com o logo da banda ao meio, na cor amarela. Tal lançamento conta com duas faixas bônus, AND THEN THERE WERE NONE e A LESSON IN VIOLENCE, que foram registradas ao vivo em Londres, no dia 8 de março de 1989. Na ocasião, o ainda contestado Steve “Zetro” Souza estava nos vocais. Em 1999 o disco foi novamente relançado em CD, porém desta vez passou a contar com a capa original e as faixas bônus foram mantidas.
Se alguém ai ainda tem dúvida de que o EXODUS foi importante para o surgimento, desenvolvimento e consolidação do Thrash Metal em todo o globo, vale destacar que não só o indivíduo que escreve esse linhas como uma parcela considerável de apreciadores da boa música concorda com o fato de que sem o quinteto da Bay Area o Thrash não seria o que é, muito menos atingiria a fama que atingiu. Méritos para esses jovens filhos de São Francisco, que lutaram para tornar seus sonhos possíveis e mostrar que sim, dá pra fazer sucesso longe das asas das grandes bandas do Thrash Metal.
O álbum pronto para tocar.
Escrito em 27 de outubro de 2013, com início às 13hrs. e 30min.

domingo, 20 de outubro de 2013

Screamin' N' Bleedin' - Angel Witch

O segundo disco da influente banda inglesa Angel Witch (versão de 2004 lançada pelo selo Archaic Temple Productions)
Há em todos nós, frequentemente, um sentimento de mudança repentina, que nos faz, muitas vezes, querer largar tudo e partir para novos desafios, novas perspectivas. Distante de ser uma paranoia, nos dias de hoje torna-se cada vez mais difícil tentar estabelecer esta conduta, visto que nosso cotidiano nos sobrecarrega de responsabilidades as quais não podemos fugir (família, trabalho, amigos, etc.) e que acabam por impor uma barreira que nos limita seguir muitos de nossos sonhos ou reais objetivos. Não se pode ignorar o fato que a vida de cada um é estabelecida pelas diversas coisas que se faz nesse cotidiano, e é inegável que a nossa própria rotina nos força a tomarmos certas atitudes que podem tanto deixar as coisas como estão como também podem alterar totalmente as nossas vidas. O centro da questão é: chegando ao ponto onde se torna necessária uma decisão sobre como agir ou como proceder diante de alguma situação, estamos preparados para assumir todos os riscos? Afinal, vale apena agir diante de uma circunstância ou é mais sábio apenas ignorá-la e seguir o fluxo das coisas?
O calendário marcava o ano de 1985 quando o persistente Kevin Heybourne dava o segundo passo de sua intrincada carreira musical, ainda cercado de dúvidas. Se o início da década d oitenta o apresentou para o mundo do Heavy Metal através de um disco aclamado pelos fãs (o clássico debut autointitulado), os anos seguintes não foram suficientes para firmar sua banda no competitivo cenário que se desenhava naquela época, há trinta anos. Sob essa ótica, o improvável havia acontecido, e algo bastante curioso cercou o futuro da banda, que mesmo contando com uma obra prima do gênero em sua bagagem não foi capaz de acompanhar o progresso do som pesado, e amargou longos quatro anos até conseguir lançar o seu próximo disco. Como nos dias atuais, quarenta e oito meses representam um tempo considerável e muita coisa pode muda nesse espaço de tempo. Tanta coisa que, como já dito nessas linhas, um só trabalho divulgado alguns anos antes, mesmo que impactante, parecia distante de tudo, apagado, antiquado. Não demorou muito para que Kevin incorporasse novos elementos na sua criação e o ANGEL WITCH passasse por mudanças consideráveis em sua forma de agir e falar, deixando de lado algumas de suas características ao passo que incorporava algumas novas, mais atuais se comparadas com as do início de sua carreira.
Para tanto, Kevin tratou de mudar a estrutura interna da banda, fazendo alterações que influenciariam tanto na dinâmica como na personalidade do grupo. De todas essas alterações, a que causou mais impacto sem dúvida foi a extinção do formato power trio para a adoção do quarteto (isso mesmo, naquela época quarteto era sinônimo de dinâmica), mas engana-se quem pensou que Kevin daria a oportunidade de um outro  guitarrista competir com ele pelo posto das seis cordas. Com a saída de Kevin ‘Skids’ Riddles, o baixo foi assumido por Peter Goldelier que não comprometeu na sua função, enquanto entendia-se com o baterista Dave Hogg, amado pelos fãs da banda. Sendo assim, restou apenas uma poção óbvia de qual posto sofreria alteração drástica. Kevin decidiu se dedicar apenas a tocar guitarra, cedendo o posto de vocalista para o desconhecido Dave Tattum, que para muitos possuía um timbre vocal similar ao de Kevin, portanto, não causaria tanta estranheza por parte do público.
Naquele ponto da história, a adição de um vocalista fixo pareceu ser uma escolha acertada, visto que Kevin passou a adicionar mais melodia as suas composições, trazendo algo mais próximo de grupos mais diversificados, como THIN LIZZY e JUDAS PRIEST, mesmo mantendo-se como o único guitarrista da banda. A forma de compor as canções também sofreram modificações drásticas, sendo que as influências “sabáticas” haviam cedido lugar para algo mais próximo do acessível, se é que no Heavy Metal algo é realmente acessível. As constantes investidas ao lado do oculto cediam lugar a melodias mais suaves, contudo ainda bastantes pesadas, enquanto as letras ainda causavam certo impacto, contudo privadas de certo fascínio, algo que o disco anterior executou com maestria. Dave mostrava em alguns momentos que substituir Kevin não seria uma tarefa muito complicada, sabendo que cantar em notas altas era seu forte, e muitas das faixas do ANGEL WITCH necessitavam desta linha de alcance. Kevin, por outro lado, soltou-se mais a partir de então, mostrando facetas que antes não se enquadrariam no contexto da banda, além de contribuir com os vocais de suporte, fundamentais em várias canções do novo disco.
Criava-se então a segunda encarnação do prodígio time da NWOBHM, que agora passava a contar com o auxílio da gravadora Killerwatt Records, responsável por administrar bandas de Thrash/ Speed Metal como os americanos do DEATH MASK e os suecos do MANINNYA BLADE. A nova formação do ANGEL WITCH procurou administrar o bom momento vivido a partir daquele ponto, sabendo que a banda estava passando por situações difíceis desde a sua formação, no fim dos anos setenta. Para tanto, em Abril de 1985 um álbum de inéditas já estava sendo gravado no estúdio AVM, localizado na Inglaterra, e seria lançado cinco meses após.
O disco com o encarte aberto (faltou as letras das musicas...)
Produzido por Les Hunt, o segundo disco do ANGEL WITCH saiu oficialmente em 28 de Setembro daquele ano e apresentava os elementos discutidos nessas linhas, deixando, a princípio, uma impressão de que a nova fase seria duradoura, estável. O álbum, intitulado SCERAMIN’ N’ BLEEDIN’, mostrava claras facetas de um estilo mais rítmico, realmente mais próximo dos grandes medalhões do Heavy Metal. A faixa de abertura, WHOSE TO BLAME, possui uma base interessante, mostrando a força que Hogg possuía ao atirar sobre seu kit constantes batidas, enquanto Dave logo de cara mostrava para que veio, com boas doses de técnica vocal. Entre uma ou outra faixa, EVIL GAMES mostra-se bastante eficiente (com direito a um coral de crianças de Alton ao fundo), sobretudo nos improvisos das seis cordas, onde Kevin dá uma deixa de que era um guitarrista subestimado, principalmente nas bases. A faixa título emprega bem o lado mais melódico da película, e de forma bastante agressiva deleita o ouvinte com um solo avassalador de Kevin que, inegavelmente, possui para si mais atenção que os demais integrantes, principalmente no momento em que divide os vocais com Dave. Pete até que tenta mostrar mais desenvoltura em sua forma de tocar, mas o barulho dos demais instrumentos impede um desempenho mais frenético. Abordando o lado mais reformulado do grupo, a incursão de Dave e o fato de Kevin estar mais livre para tocar contribuiu para o desenvolvimento de baladas (isso mesmo que você leu, baladas) mais aprazíveis aos ouvidos do público. As canções REAWAKENING e GOODBYE mostram que este tipo de canção contribuiu bastante para deixar o disco mais homogeneizado, alterando bem o lado mais cru e o mais melódico das faixas. AFRAID OF THE DARK também deixa clara esta intenção de mesclar o lado mais rude com o mais pacífico, acenando com as duas mãos para facetas mais trabalhadas. A guitarra, como sempre, ganha força nesses casos, e isso foi perfeito para Kevin, que encontrou espaço para improvisar mais.
O disco em geral é competente, com boas canções. Contudo, como já era de se esperar, nem tudo são flores no caminho de Kevin e companhia. Para a banda, trazer novos elementos e decidir por procurar novas formas de tocar e se apresentar mostrou um lado mais ousado dos integrantes, mas em momento algum mudança é sinal ou garantia de prosperidade. Em muitos casos, seguir novos caminhos pode levar a rumos estranhos, principalmente quando os passos seguem uma linha mais pretenciosa. Em se tratando de uma banda, a mudança de rumo pode significar tanto o sucesso absoluto como um fim precoce. O disco em questão apontava para um final trágico do grupo, mas não naquele momento, não naquela ocasião.
O fato do ANGEL WITCH ter acertado tão bem a mão no primeiro disco, fazendo com que ele chegasse ao patamar de referência de um movimento contribuiu para deixar os ânimos dos rapazes excitados,  ponto de procurarem por novos caminhos de conduzir sua musica. Ainda em 1982 a banda se dissolveu após muita pressão, deixando Kevin em situação delicada. Em 1984 ele optou por reformar o grupo como um quarteto, aproveitando a permanência de Hogg e usando a saída de ‘Skids’ para alterar a sonoridade do baixo com a inclusão de Pete e incluir Dave para assumir os vocais, o que garantiu a banda o novo direcionamento. Na teoria, isso equilibraria os quatro anos de diferença entre o primeiro e o segundo disco, dando uma nova vitalidade para o conjunto, porém alguns percalços acabaram por limitar as ambições de Kevin. A começar pela gravação, que distorceu demais os instrumentos, os antigos fãs não digeriram bem a nova forma de tocar do grupo que, ao se aproximar da veia mais melódica das bandas maiores, distanciou-se do lado mais introspectivo das bandas mais primitivas, perdendo muito de sua essência nesse processo.
O fato de Kevin procurar deixar seu trabalho mais atual mostrou que ao longo dos anos o guitarrista passava a desenvolver o seu lado mais autoritário, sendo frequentes as ocasiões nas quais decidia com mãos de ferro o futuro do grupo. Juntando esses fatores, o que saiu deste trabalho provou que mesmo diante de novas atitudes, a escolha ainda é o fator que mais influencia no resultado final de qualquer ação.
Como dito neste texto, o disco em questão ainda não seria responsável pelo ponto final desta fase da banda. Com a ótima safra de discos na metade dos anos oitenta, o álbum acabou sendo pouco expressivo e não emplacou como deveria, ficando apenas como uma obra obscura do grupo.
O disco foi relançado em 2004 pelo selo Archaic Temple com uma nova arte de capa (o LP original apresentava uma harpia sob uma sepultura, segurando um machado com a mão direita e uma jovem seminua presa pelos cabelos na mão esquerda, enquanto a nova versão passou a contar com um rosto ensanguentado sob um fundo preto) e algumas faixas bônus, retiradas de um show ao vivo executado Ridderkerk, na Holanda, em 1986. As faixas são: FRONTAL ASSAULT, SCREAMIN’ N’ BLEEDIN’ e STRAIGHT FROM HELL. Nesse show, Kevin Heybourne assumiu tanto a guitarra como os vocais, sendo que a primeira e a terceira faixa estão disponíveis na versão de estúdio do terceiro disco da banda, FRONTAL ASSAULT, de 1986 (falarei a respeito deste disco na próxima vez). Curiosamente, as versões em estúdio dessas musicas anda contavam com Dave Tattum nos vocais, num período que ficou marcado pelo fim do ciclo desta banda nos anos dourados do Heavy Metal.

Não seria justo este disco marcar o final da carreira desta promissora banda, que ainda mostraria uma outra faceta, um pouco mais elaborada no álbum seguinte, FRONTAL ASSAULT. Mas as escolhas de Kevin que levaram para este vinil vão ficar para outra história...


O álbum pronto para tocar.

domingo, 13 de outubro de 2013

Stained Class - Judas Priest

O álbum em sua versão remasterizada de 2001
Final dos anos setenta. Os possíveis índices de instabilidade que atingiam os países europeus pareciam desenhar um panorama cujo aspecto poderia gerar consequências tão graves quanto a guerra que acabara com boa parte do continente, há aproximadamente trinta anos. No campo social, eram diversos os problemas enfrentados pela população, desde os planos para a reestruturação econômica dos países que provinham do orçamento custeado pelas massas até mesmo a falta de assistência que os governos supostamente implantariam para atingirem seus objetivos “majoritários”. A proposta e implantação de uma única moeda, idealizada pela CEE (comunidade econômica europeia) a partir de 1970 gerou certa estabilidade entre os estados-membros, uma vez que esta espécie de câmbio acabou por proporcionar uma limitação entre a flutuação das moedas de cada país, em 1972. Os reflexos surgiriam em 1973, ano em que novos países passaram a fazer parte deste bloco; a Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido juntavam-se aos já integrantes Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos. Tudo isso propiciou um impulso no setor econômico do eixo, porém não sanou a carência de investimentos dentro de cada país, cada qual regido pela própria conduta política. Tal consequência perdurou durante toda a década, e seus resultados chegaram até as camadas culturais, proporcionando uma maré revolucionária em seu âmago e, consequentemente, gerando respaldo. Sem dúvida esta foi uma década de grandes transformações.
Na música, o cenário estava em ampla profusão. O Punk e a Disco Music, atingindo níveis cada vez mais altos de audiência e simpatia, começavam uma disputa pelo domínio musical da época. Grupos de diversos países surgiam com o propósito de expandir os horizontes do som, numa constante viagem de influências e características que situavam-se muito além das propostas visuais e ideológicas.
Para o Heavy Metal o fim dos anos setenta mostrou um BLACK SABBATH cansado, exaurido de sua criatividade cativante do início da mesma década e totalmente devastado pelas drogas. O vocalista Ozzy Osbourne já não mostrava mais o carisma que encantou plateias mundo afora nos primeiros anos da banda e, seguido pelos companheiros abatidos pela apatia via o cenário norte americano despontar como a grande promessa para assumir o posto que uma vez foi dos britânicos. O trono da música pesada estava à mercê de qualquer um que empunhasse uma guitarra, gritasse para a multidão e enchesse sua apresentação de energia e dedicação ao gênero.
Embora muitas outras bandas estivessem despontando naquele possível naufrágio do metal, como todo o movimento da NWOBHM, nenhuma delas estava pronta para dar o passo seguinte. Todas esperavam a ordem a ser seguida; o caminho a ser trilhado. Mesmo após uma apresentação frenética do VAN HALEN durante a abertura que promovia o álbum NEVER SAY DIE do Sabbath em solo americano, no ano de 1979 - que deixara os veteranos literalmente perdidos no tempo - ainda era notório que o posto maior do Heavy Metal necessitava de alguém que o acompanhava desde sua criação, que o visse crescer e agora, diante de um obstáculo, estava carente de ânimo, como um pai que incentiva o filho nos momentos difíceis.
A resposta, por mais irônica que pareça, estava na própria Europa, mais precisamente em Birmingham, na Inglaterra. O JUDAS PRIEST, grupo que, assim como o Sabbath, tinha iniciado a carreira bem no início de todo o movimento, assumiu a responsabilidade de lidar com o grande desafio de recolocar o som pesado em destaque no cenário musical, indo na contramão de tudo que a mídia expunha para o ouvinte e espectador da época.
Como um grande líder, possuía na bagagem álbuns já consagrados entre os metalheads, além de turnês pelo solo americano em companhia de grupos seminais, como o LED ZEPPELIN. Contava com o talento e carisma de seus integrantes, em especial de Rob Halford, vocalista cujo timbre seria copiado por praticamente todas as bandas que surgiriam nas décadas seguintes. Além disso, tinha na base uma dupla de guitarristas competentes, que juntos mostravam ao público um misto de raça e virtuosismo: Gleen Tipton e K.K. Downing. Não bastassem tantos pontos positivos, estava bem amparada na época, com um contrato assinado com a poderosa CBS, parceria essa que rendeu obras de impacto astronômico no Heavy Metal durante os anos seguintes.
O disco com o encarte aberto. Um belo acabamento.
A partir deste ponto, o cenário desenhava-se para um desfecho óbvio, cujo resultado provou ser benéfico para ambos os lados - banda e gênero. Se o JUDAS PRIEST era uma grupo querido pelos fãs graças aos seus lançamentos anteriores e suas apresentações intensas, era nítido que, mesmo com o peso característico do heavy metal em suas composições, faltava algo que os fizessem dizer, com todas as letras: “somos uma banda de metal”. O momento veio logo após o BLACK SABBATH recusar o título de líder, alegando sequer ser uma banda de metal, colocando o Priest na reta, mesmo que involuntariamente. A conclusão do caso deu-se em 10 de Fevereiro de 1978, quando foi lançado o álbum STAINED CLASS.
Gravado no Chipping Norton Studios, em Londres, nos meses de Outubro e Novembro de 1977, o trabalho foi produzido por Dennis Mackay em parceria com a própria banda. A finalização do trabalho, contudo, passou por mais três estúdios, o Advision, o Trident e o Utopia Studios, todos londrinos. A mixagem foi realizada nos estúdios Trident e Advision, pelos engenheiros de som Neil Ross (Trident), Ken Thomas e Paul Northfield (Advision), e apresentaram ao mundo um trabalho dotado de peso e originalidade, que sem dúvidas tratou de fincar o nome do Priest no topo da música pesada.
O segundo álbum da banda lançado pela gravadora CBS causou impacto logo de cara, com a faixa EXCITER que, se não deu origem ao gênero speed metal no mundo inteiro, serviu como base para renomear a banda canadense precursora do estilo, que assim o fez, e tratou de espalhar pelo globo a velocidade incessante dentro do Heavy Metal. O baterista recém-recrutado Les Binks trata de mostrar logo no início sua competência, com uma disposição absurda que distribuía nas baquetas, além de uma peculiaridade bastante convincente para compor temas. É de sua autoria as bases de guitarra da faixa BEYOND THE REALMS OF DEATH, que acompanhada pela letra escrita por Halford desenha um panorama maravilhoso junto ao solo espetacular de Gleen Tipton, profundo e inspirado. Indiscutivelmente uma de suas melhores performances em estúdio.
Apesar da composição do álbum estar bem diversificada, entre temas que vão da introspecção (SAINTS IN HELL, WHITE HEAT, RED HOT, HEROES END), passando pelo agressivo (SAVAGE) e indo de encontro ao surreal (INVADER fala de invasões alienígenas), vale um destaque para duas faixas: a que dá nome ao álbum, cuja execução transborda energia do início ao fim, típico trabalho que marca uma geração, e um cover (cópia de uma canção já existente e gravada previamente por outro grupo) registrado após as seções do álbum comum e produzido por James Guthrie, que ficaria famoso por co-produzir o majestoso THE WALL do PINK FLOYD. A faixa em questão, a terceira do álbum regular, BETTER BY YOU, BETTER THAN ME foi usada como single para promover o material já gravado. O single foi lançado com a faixa INVADER no lado B em janeiro de 1978 e, embora seu potencial já houvesse sido testado nove anos antes pela banda que a criou e lançou em seu segundo álbum de estúdio, o SPOOKY TOOTH, seus resultados só revelaram-se doze anos depois para o JUDAS PRIEST, num desfecho quase trágico para a banda.
Se o Priest não demostrava muito interesse em gravar um cover para a divulgação do álbum, confiante no material que já possuía, a CBS os fez mudar de ideia e partirem para o registro da faixa, a qual levou a banda para os tribunais em 1990. O motivo: uma suposta inclusão de mensagens implícitas na canção que havia levado dois jovens de Reno (cidade localizada no estado norte americano de Nevada) a cometerem suicídio, logo após uma seção de audição do álbum seguida por consumo de drogas, em Dezembro de 1985.
Embora a acusação promovida pelos familiares dos garotos tenha se baseado neste argumento, tal circunstância foi concluída como infundada, uma vez que a banda conseguiu provar que não havia nada de mais nas letras da faixa. Um fato curioso é que o SPOOKY TOOTH sequer foi citado durante todo o processo.
Como tudo isso ocorreu apenas no inicio dos anos noventa, nada do que foi abordado nesse caso implicou em algo negativo para a banda na época do lançamento do álbum, onde seus quase quarenta e cinco minutos cuidaram para redefinir os conceitos do Heavy Metal. Trata-se de um disco cujo peso está em evidencia, principalmente se comparado com demais lançamentos das outras bandas durante o mesmo período. O traço que o grupo adquiria a partir daquele ponto podia ser visto durante toda a década seguinte, nos seus álbuns posteriores e no de suas diversas influências. A divulgação do trabalho ocorreu da maneira mais ampla possível, e o JUDAS PRIEST provou ser o candidato certo para o posto de metal god, que alcançaria anos depois. O caminho do grupo estava garantido, uma vez que o mesmo erguia com méritos a bandeira do gênero mais pesado do rock e a mantinha adiante.

Em 2001 o álbum foi remasterizado e passou a contar com as faixas bônus FIRE BURNS BELOW (recordada em Dezembro de 1987 no PUK Studios, na Dinamarca, durante as sessões de gravação do álbum RAM IT DOWN) e uma versão ao vivo de BETTER BY YOU, BETTER THAN ME. Se hoje esta película é vista como a grande propulsora da heavy metal em sua fora mais ampla no fim dos anos setenta, é sabido que para um grupo com tanto talento e iniciativa isso é apenas o curso natural das coisas.


O polêmico disco pronto para tocar...

sábado, 5 de outubro de 2013

Forest Of Equilibrium - Cathedral

O disco apresentado com sua emblemática capa
“A maioria das coisas que escuto do heavy metal atual não me agrada. Parecem-me sem graça e pouquíssimo originais. As produções das novas bandas não me encantam nem um pouco.” (revista Road Crew – edição N° 149) Essas palavras, se proferidas por quem vos escreve, por exemplo, não causariam qualquer impacto, seja no cenário da música pesada ou no cotidiano de qualquer fã. Em se tratando de Lee Dorrain, ex-vocalista do lendário grupo de Grindcore NAPALM DEATH e fundador da banda Stoner/Doom Metal CATHEDRAL, as coisas mudam um pouco de foco. Por que tal afirmação vinda de um sujeito conhecido por poucos aventureiros do som pesado traria assim uma repercussão tão marcante nos dias atuais? Não seria só mais um desses depoimentos de sujeitos cuja fama está apagada e de alguma forma tenta trazer à tona qualquer audiência para si? Eis mais um capítulo da eterna jornada do som pesado, mais precisamente do sombrio Doom Metal.
O BLACK SABBATH, pioneiro não só do gênero em questão, mas de todo o Heavy Metal em si criou no início dos anos setenta uma fórmula que, ao proporcionar uma fonte de lucro e sucesso, também fez germinar nas décadas seguintes uma ligação profunda com o sombrio, o lúgubre, o perturbador. Ao passo que seus álbuns vendiam e de certa forma distanciavam o grupo dessa raiz mais obscura do Metal, diversas outras bandas, como o PENTAGRAM, o TROUBLE e o ATOMIC ROOSTER executavam suas performances nessa linha arrastada, abafada, quase agonizante do Doom Metal, sempre embaladas pela baixa afinação dos instrumentos e uma atmosfera que transcendia o limite do peso.
Na pré-história do gênero, o som estava mais voltado a uma prática que exaltava longas execuções, com direito a solos de guitarra que duravam de quinze a trinta minutos, enquanto o resto dos instrumentos permanecia inexpressivo, ou acompanhava a exibição das seis cordas em uma escala de notas mais baixa, não atravessando o som principal. Com o passar dos anos, a sonoridade das bandas passou a ficar mais dinâmica, contudo sem abrir mão da veia arrastada que faz parte da identidade do estilo, juntamente com a intensidade das canções. Embora adepta de poucos fãs, a sonoridade desses grupos agia como um bálsamo nas almas de seus apreciadores, sendo que tais características perduraram durante toda a década de setenta, dando a luz a uma nova leva de bandas no início dos anos oitenta calcada nessa atmosfera envolvente e cheia de mistérios. Aos passos agonizantes, em meio a um nevoeiro denso e pesado, grupos como ANGEL WITCH, PAGAN ALTAR e WITCHFINDER GENERAL perpetuavam a obcecada paixão pelo som primitivo na saudosa NWOBHM, sempre carregado por uma esfera de magia e fascínio, mesmo que isso não trouxesse fama e sucesso absolutos. Assim o culto ao antigo estava garantido.
Mas a época das densas canções estava ameaçada. Juntamente com o estouro que causou o surgimento do METALLICA e toda a cena da Bay Area por volta de 1983, deu-se então origem ao Thrash Metal, juntamente com a junção entre o Punkrock e o Heavy Metal, dando origem a um movimento que ultrapassou os limites da velocidade no som pesado e proporcionando uma reviravolta nos contornos musicais da época. O então belo e imutável Doom Metal dava espaço para as primeiras empreitadas da musica moderna, sendo que toda a geração sombria e soturna, mesmo apontada como grande mentora de tudo aquilo, estava novamente renegada à escuridão do underground. Já não se ouviam as vozes que ecoavam no espaço criado pela penumbra da noite, nem mesmo as manifestações mais cativantes e envolventes possuíam espaço neste novo universo (CANDLEMASS foi o que mais sofreu, sem dúvida).
Com a expansão das demais vertentes do rock (o Gothic Rock, o Hair Metal e o surgimento das primeiras bandas Grunge) o fim dos anos oitenta trouxe consigo uma manifestação musical ainda mais caótica, o sujo e repulsivo Death Metal, como era considerado na época. O famigerado gênero, que abordava temas nada convencionais e perturbadores em um ambiente de total paranoia musical, não respeitava regra alguma, construindo sua reputação sobre camadas e camadas de riffs e solos desconcertantes. Tal fórmula foi tão bem aceita no submundo da musica pesada que o pouco espaço que o Doom Metal havia reservado para si foi seriamente ameaçado.
Quando os fãs remanescentes já não tinham mais esperança alguma de uma grande revelação tomar as rédeas em meio a todo aquele inferno sonoro, surge o Grindecore para enterrar de vez toda e qualquer esperança de um dia o primeiro dos gêneros do Metal rever a luz dos shows intensos. De uma forma tão rápida quanto sua execução, o Grindcore arrebatou o espaço deixado pelo Death Metal, não restando nada para o já empoeirado e esquecido Doom Metal, que na pôde fazer a não ser levar novamente sua carcaça para uma sepultura afastada qualquer e enfim encontrar seu destino final. O que ninguém imaginava, contudo, era o quão raso era essa sepultura.
Final de 1989. O choque causado pela saída de Lee Dorrain do NAPALM DEATH, logo após a gravação do segundo álbum da banda, FROM ENSLAVEMENT TO OBLITERATION em 1988 pegou a todos de surpresa. Mais surpreendente ainda foi sua nova empreitada que, além de ir à contramão de tudo que fizera até então, estava calcada na sonoridade esquecida do primitivo Doom Metal.
Apoiado pelo amigo e baixista Mark Griffths, com quem compartilhava um gosto bastante peculiar pelas bandas Doom citadas durante essas linhas, foi durante os meses de Julho e Agosto de 1991 que o quinteto, completado pelos guitarristas Gaz Jennings e Adam Leham e pelo baterista convidado Mike Smail (o baterista anterior, Ben Mockrie havia deixado o grupo pouco antes) trataram de mostrar ao mundo um Doom Metal nunca antes visto, muitíssimo mais lento e arrastado que qualquer outro já feito.
Uma visão com o encarte aberto, apresentando os integrantes na época
Gravado no Workshop Studios, localizado em Redditch (noroeste da Inglaterra) e lançado em 6 de Dezembro de 1991 sob produção de e mixagem de PBL, em parceria com Lee Dorrian e Gary Jennings, o primeiro álbum da banda, FOREST OF EQUILIBRIUM, levava o ouvinte de volta a atmosfera mística criada pela obscuridade dos grupos setentistas logo de cara, através da obra do ilustrador Dave Patchett  e nas primeiras notas de afinação baixa das guitarras. O transe, contudo, era parcialmente quebrado pela linha vocal de Lee, que mesmo dotado de personalidade não escondia o ar pesado herdado pelos anos ao lado das bandas de Grindcore. As evidências também repousavam nas mãos dos demais integrantes, pois ambos os guitarristas tinham acabado de dissolver o agressivo ACID REIGN (legado do quase inexistente Thrash Metal britânico), ao passo que Mike era membro fundador do mórbido DREAM DEATH. Logo, todos tinham uma estreita relação com o som extremo.
Tal fato não impediu que clássicos absolutos do gênero partissem da película, como as faixas absurdamente pesadas SERPENT EVE e PICTURE OF BEAUTY & INNOCENCE (INTRO)/ COMMISERATING THE CELEBRATION, onde a sonoridade é tão brutal quanto lenta. A faixa seguinte, EBONY TEARS, soa como um lamento, algo como as últimas palavras sob o leito de morte, dotadas de uma dor causada por algo simplesmente indescritível. É extremamente perigosa de se ouvir em dias depressivos.
A FUNERAL REQUEST evidencia ao longo de seus mais de nove minutos o lado mais voltado ao mistério sustentado pelos grupos dos anos setenta, apoiada pela faixa EQUILIBRIUM e pela última do disco, a bela REACHING HAPPINESS, TOUCHING PAIN. Não que todas as faixas não contenham aquela atmosfera hipnótica dos grupos pioneiros, mas fica aqui um destaque para a faixa SOUL SACRIFICE, onde as características de tudo que forma a banda se mensuram, mostrando uma canção de pegada arrebatadora e extremamente certeira (é a mais curta e direta do disco, com apenas dois minutos e cinquenta e cinco segundos). Passam-se assim os mais de cinquenta minutos da bolacha, que desenterram com prestígio o Doom e o recolocam em seu devido lugar, servindo de base para muito do que é visto hoje em dia dentro do próprio gênero.
Os conceitos do álbum classificam-no como Doom Metal, contudo as facetas demonstradas pelas canções são tão difusas que muitos julgam a obra como Death Metal, ou Stoner Metal, sendo que este último adjetivo tornou a banda uma referência durante os trabalhos seguintes, fazendo dessa obra um marco na música pesada, inovando o até então imutável gênero criador, a pedra fundamental do Heavy Metal.

Sob este ângulo, torna-se aceitável a declaração de Lee no início deste texto, onde hoje em dia pouco se tem de originalidade e inovação. É nesse espaço, inclusive, que muitos grupos se perdem em conceitos falidos e pouco abrangentes. Talvez eles precisem provar uma dose da “pedra fundamental” para reavaliarem suas opiniões...


O disco proto para tocar