O primeiro disco da essencial banda de Thrash Metal da Bay Area. |
Não há como negar: quando se fala de Thrash Metal, é
impossível desvincular o termo ao grande titã do gênero, o multiplatinado METALLICA. O grupo, liderado pelo
irreverente baterista Lars Ulrich e o
hoje modesto guitarrista e vocalista James
Hetfield possui fama mundial, arrasta multidões em apresentações em grandes
arenas e indiscutivelmente assumem o posto de megabanda, quando o assunto é som
pesado. Pergunte para qualquer leigo qual sua banda favorita de ‘Rock Pesado’ e
as chances do sujeito dizer METALLICA
são tão grandes quanto a sua certeza quanto a essa afirmação.
A história conta que o quarteto, completado na época pelo
baixista Ron McGovney e o inflamado Dave Mustaine, veio de Los Angeles fazendo
um som rápido e agressivo, mas muito distante do Thrash Metal conhecido na
metade dos anos oitenta em diante, sendo que após a integração do saudoso
baixista Cliff Burton o grupo passou
a residir em São Francisco onde, em 1983, ocorreria o lançamento de seu
aclamado debut, KILL ‘EM ALL. O registro, considerado o marco zero do Thrash Metal
em todo o mundo, municiou os rapazes dentro do círculo que se formava na cidade
costeira americana, tornando os jovens cabeludos em celebridades locais. Os
álbuns seguintes, RIDE THE LIGHTINING
e MASTER OF PUPPETS só vieram a
confirmar esse fato, num momento mágico em que a musica pesada passava. A metade
dos anos oitenta via nascer um novo gigante do Heavy Metal, e junto com ele um
novo movimento, que trazia bandas carregadas com o sentimento dos medalhões
tradicionais britânicos (BLACK SABBATH,
JUDAS PRIEST e MOTÖRHEAD) e uma dose extra de vontade e determinação. Surgia a tão
famosa cena Thrash Metal da Bay Area, apresentando ao mundo uma maneira
completamente diferente de executar e produzir Heavy Metal.
Contudo, o que muita gente acaba ignorando é que um
movimento, como assim explica o que ocorreu em São Francisco na primeira metade
dos anos oitenta, pode até acontecer da noite para o dia, mas não com apenas
uma única banda. Do local onde James
e Lars conceberam seus grandes
clássicos, uma ninhada de grupos ferozes rangiam os dentes em busca do mesmo
propósito, apresentando matéria-prima que serviria de combustível para essa
grande revolução sonora. Em casas de shows completamente abarrotadas e em
modestos pubs locais, as primeiras notas de bandas como FORBIDDEN, DEATH ANGEL, VIO-LENCE, LAGACY (que mais tarde passaria a se chamar TESTAMENT), DEFIANCE e HEATHEN cantavam a letra da vez,
embalando toda uma geração que buscava algo além do que vinha do Velho
Continente, ou o que a recém-criada MTV descarregava em sua programação diária,
saturada de figuras moldadas a base de laquê, cinta-liga e purpurina. Mesmo
outras bandas vindas de cidades vizinhas como a própria Los Angeles ainda
ofereciam material nessa linha, caso do satânico SLAYER e do competente DARK
ANGEL, ou mesmo os nova-iorquinos do ANTHRAX
e OVERKILL, com suas bases
fortemente influenciadas pelos grupos punk do final dos anos setenta.
Ditada as regras do universo Thrash Metal, o rei METALLICA distanciava-se passo a passo
do público que o elegera, conforme sua música foi ficando cada vez mais
conceitual e reflexiva, dando claros sinais que o epicentro Thrash estava
ficando pequeno demais para seu crescente sucesso. O que se viu foram as demais
bandas crescendo e despontando, cada uma para um lado, espalhando a força do
Thrash Metal mundo a fora, enquanto evoluíam cada vez mais dentro de suas
próprias perspectivas. Algumas superaram todas as expectativas, tornando-se
marcas mundialmente famosas do gênero, como foi o caso do contestado MEGADETH de Dave Mustaine, que formou a banda após sua dispensa do METALLICA - o que o deixou obcecado por
vingança - além do SLAYER dos
guitarristas Kerry King e Jeff Hanneman e o ANTHRAX, dos caretas Charlie
Benante e Scott Ian que, juntas
ao METALLICA, formariam anos mais
tarde o tão famoso Big Four, ou como alguns radicais gostam de mencionar, a
panelinha do Thrash Metal americano.
Essa é a história conhecida nos dias de hoje, com todo o
avanço provocado pelo gênero em todo o planta, que continua a contar a mesma
história, ano após ano. Talvez não seja de conhecimento geral (embora devesse
ser), mas ainda no longínquo início dos anos oitenta, enquanto Lars e companhia
pretendiam conquistar o mundo, outra banda, também da Bay Area, possuía o mesmo
carisma e capacidade dos jovens de Los Angeles, com o diferencial de não
temerem em fazer o som que achasse mais conveniente. Não seriam, anos mais
tarde, tachados de traidores da revolução; muito pelo contrário, ainda
contariam com uma base sólida de fãs que se prenderiam a sua conduta tão
vorazmente como as correntes que seguram os portões do inferno. Que banda seria
esta, que rivalizava com o tão aclamado METALLICA
em termos de revolução e popularidade, até mesmo chagando a superá-los em
alguns aspectos?
Essa banda era o EXODUS!
Uma das primeiras bandas a surgir
nessa nova cena, formado em 1982 pelo baterista Tom Hunting, o EXODUS
era um filho autêntico de São Francisco, coisa que o METALLICA não era. Além disso, contava com um segundo fundador, jovem
promissor de bastante talento, um tal de Kirk
Hammett, que abusava de palhetadas precisas e abafadas que serviram de base
para dar vida aos propósitos da banda. Não tardou para que o próprio METALLICA se desse conta disso, e o que
veio em seguida todos já sabem (embora Kirk
tenha optado em ir para o grupo de Lars
e James, sem dúvida Dave Mustaine foi o que mais sentiu o
golpe). A inclusão do guitarrista na banda de Los Angeles ajudou o grupo a
atingir o status que possui hoje, mas engana-se quem pensou que isso decretaria
o final prematuro do gigante da Bay Area, os “senhores do pedaço”, como podem
ser perfeitamente classificados. Havia mais de uma carta na manga do grupo. Na
verdade, havia cinco!
Durante a permanência de Kirk
no conjunto, foi lançada ainda em 1982 uma fita demo, intitulada apenas de EXODUS 1982 DEMO, que contava com três
faixas: WHIPPING QUEEN, DEATH AND DOMINATION e WARLORDS. Estas músicas foram criadas
no final dos anos setenta, numa época em que os rapazes tocavam em escolas e
garagens e em praticamente nada se comparam com o que a Bay Area ofereceria
três anos depois. Nesta época a influência das bandas britânicas ainda era
muito grande, e a sonoridade das canções possuía pouca personalidade, o que
acabou não afetando o conjunto durante o desenvolvimento de sua carreira. Após
a saída do guitarrista, o posto foi assumido por Rick Hunolt, que passou a dividir as seis cordas com o jovem Gary Holt, conhecido pela destreza e
facilidade que manejava o instrumento. A dupla entrou para a história do Thrash
Metal, influenciando milhares de bandas em todo o planeta. Completavam o time o
baixista Rob Mckillop e o irreverente
vocalista Paul Baloff.
Aqui vale muito a pena abrir um pequeno espaço para
‘dissecar’ esta criatura que foi o frontman
da banda em seus primeiros anos. Forte, carrancudo, destemido, ousado e vil, Paul Baloff era uma figura que fugia de
qualquer regra criada para um vocalista de uma banda de Heavy Metal. Conhecido
pelos seus longos cabelos negros e engrenhados e tido como o mais agressivo e
insano entre os integrantes da banda, muitas histórias são contadas sobre suas
proezas apontando-o diversas vezes como o herói do grupo, principalmente quando
incitava a plateia a repudiar os posers
ou os fãs de Hair Metal (o Hardrock californiano geralmente era o alvo
principal) durante aquelas apresentações em que sua voz, mais próxima de um
lamento de dor e ódio que qualquer outra coisa, serviam como palavras de ordem
diante de um exército que era a plateia. Curiosamente, este foi o único disco
de estúdio da banda a contar com Paul nos vocais, já que desentendimentos dele
com os demais integrantes por consequência do abuso de álcool levaram a sua
demissão. Ele ainda retornaria para gravar o disco ao vivo ANOTHER LESSON IN VIOLENCE no ano de 1997, inclusive planejando um
novo álbum de estúdio, mas o destino fez uma curva durante o processo e Paul
veio a falecer em 2 de fevereiro de 2002 após passar alguns dias em estado
vegetativo gerado por um forte AVC.
O cenário estava montado. O primeiro ato havia se iniciado
e, como nas boas peças de teatro o enredo tinha que cativar o público logo de
cara, do contrário não seria acompanhado até o fim. Felizmente, apesar da fama
de malvados, carisma nunca foi problema para os jovens cabeludos. O grupo era
reverenciado pelo underground, tanto que gozava de um prestígio que até mesmo
nomes de certo peso não faziam frente diante de sua popularidade. Para se ter
uma noção da importância da banda em seu cenário, durante o fim de janeiro do
anos de 1984 o SLAYER, já contando
com o álbum SHOW NO MERCY na
bagagem, abria as apresentações do EXODUS,
sendo que este sequer possuía um disco completo lançado no mercado. Com o
passar dos anos o respeito só aumentava, e rumores de que o primeiro disco da
banda seria lançado em breve fazia as mãos dos metalheads suarem de satisfação.
O lançamento do primeiro disco do METALLICA, KILL ‘EM ALL,
em 13 de Julho de 1983 proporcionou uma enorme vantagem para os acólitos de Brian Slagel, que encontrou nos jovens
espinhentos uma mina de ouro. Num mundo em que a regra vale para todos, sair na
frente é sinal de vantagem, e o EXODUS
sabia que não podia perder mais tempo nem espaço. Sendo assim, em julho de 1984
o quinteto rumou para o Prairie Sun Studios (localizado em Cotati, na
Califórnia) em companhia do produtor Mark
Whitaker após assinar contrato com o modesto selo Torrid Records para dar o
pontapé no que seria o seu primeiro full
lenght no universo do som pesado.
Concluindo as gravações ainda no verão daquele ano, um
imbróglio financeiro impediu o disco de ser lançado logo após sua gravação, o
que deixou a banda bastante irritada com o selo. Além disso, havia o problema
com a criação da capa do álbum, que segundo os envolvidos com o projeto deveria
seguir os padrões do título do disco.
O disco apresentando a arte gráfica de fundo e o encarte aberto. |
Originalmente o vinil se chamaria A LESSON IN VIOLENCE, contudo não havia uma ideia apropriada sobre
a capa para acompanhar o título, levando-o a ser descartado. Uma versão demo
com este título circulou nas mãos dos tape-traders
(termo usado para os fãs que trocavam fitas cassete das bandas mundo a fora nos
anos oitenta) no final do verão de 1984, antes do lançamento oficial do disco,
o que ajudou a alavancar a expectativa no underground quanto ao vinil, que só
seria lançado no ano seguinte, mais precisamente em 25 de abril de 1985.
Acompanhando a ideia do novo título, BONDED BY BLOOD, a capa
procurou da maneira mais fiel possível retratar a situação do sentimento do
disco. O desenho feito por Richard A.
Ferraro mostra dois irmãos siameses, ligados pelas costas, sendo o da
direita o lado bom e o da esquerda o lado mau. Com o clássico desenho em mãos o
LP pôde enfim ser distribuído para as lojas, e o que se viu a partir dele foi
algo que superou as expectativas de qualquer fã. Ainda é comum se ouvir por ai
que se o álbum tivesse sido lançado logo após sua gravação a história de todo o
Thrash Metal poderia ter sido outra.
Com comentários que iam do “bombástico” ao “sensacional”, a
película com duração de pouco mais de quarenta minutos é unanimidade entre os
apreciadores da música pesada, atingindo a todos como um míssil mortífero
atirado de um jato que quebra a barreira do som. Abrindo a apresentação o
ouvinte é jogado para a cabine de um avião em processo de queda iminente, para
depois literalmente esborrachar-se de encontro a parede sonora que a dupla de
guitarras Holt/ Hunolt proporciona, a
faixa título é um daqueles casos em que o sujeito é levado a bater cabeça sem
se dar conta. Pode parecer exagero, mas é incrível a força que esta canção
possui, com andamento frenético, instrumental firme e potente servindo de cama
para o vocal visceral de Paul Baloff,
que não desafina um instante sequer! O riff
principal juntamente com o refrão é altamente virulento, gruda de forma
pegajosa, não dando chance aos ouvidos desavisados. Indispensável para qualquer
headbanger.
A sequência com EXODUS,
AND THEN THERE WERE NONE e A LESSON IN VIOLENCE gira em torno de
treze minutos, mas o compasso é tão frenético que dá a impressão de serem menos
de cinco. A primeira, com letras que encarnam uma matança, mostra que
destruição e competência podem sim andar lado a lado, em constante simbiose. O
solo dobrado no meio da faixa, ao melhor estilo JUDAS PRIEST, não deixa a peteca cair um instante sequer, enquanto Tom Hunting mantém tudo brilhantemente
amarrado ao lado de Rob Mckillop. A
segunda, com tema apocalítico, apresenta um mundo infestado pelo caos, onde a
estrela de Tom brilha intensamente. Os vocais de Paul parecem ficar cada vez mais graves com o andamento das faixas,
enquanto o refrão da faixa apresenta um mundo entregue ao demônio, da forma que
ele sempre desejou. A terceira faixa é o típico caso onde é possível ver que
clássicos saem do acaso e não é possível manter uma fórmula para cria-los.
Durante toda a letra é possível sentir o sentimento da banda, que deixava bem
claro que em seu repertório não havia espaço para faixas mais leves ou
brilhantemente arranjadas. Era apenas guitarra, baixo, bateria e vocal, com
poder de alcance inimaginável e vontade desenfreada. Sem dúvida um dos grandes
momentos do disco.
A próxima faixa, METAL
COMMAND, mostra como apesar das diferenças e da disputa por espaço a cena
da Bay Area era unida, onde o refrão destaca o empenho que havia entre os metalheads de manter esse sentimento
sempre vivo. Eles lutavam e viviam pelo que acreditavam, e em matéria de
unificação nada ainda provou-se mais efetivo.
O riff certeiro da
sexta faixa, PIRANHA, leva o ouvinte
para um transe, uma espécie de armadilha de onde ele não consegue escapar.
Enquanto as notas disparadas de instrumentos que mais parecem metralhadoras
fulminam qualquer traço de tédio, o refrão mais uma vez brilhantemente
interpretado por Paul fazia a todos
chacoalharem as cabeleiras e balançar os membros, como marionetes sob o efeito
de poderes místicos.
NO LOVE começa
com uma passagem acústica, que levemente engana o ouvinte, que logo volta à
realidade com as insanas notas cuspidas por Gary
e companhia. O pouco que sobrar de qualquer um que ficar estático diante de
tamanha competência musical logo é reduzido a nada pelas faixas DELIVER US TO EVIL e STRIKE OF THE BEAST, que encerra o material
de forma digna. São poucos os discos que conseguem reunir uma quantidade tão
significativa de clássicos, sendo que este álbum destaca pelo menos seis
músicas de impacto irrepreensível para a comunidade headbanger. Ainda hoje essas canções agitam multidões pelo mundo
inteiro, e não é raro ouvir de diversos entusiastas e celebridades do som
pesado que este disco encaixa-se como uma joia rara do meio Thrash Metal, a
nata da Bay Area. Se tal trabalho possui este respaldo nos dias atuais, apenas
tente imaginar como ele foi recebido em sua época, em seu meio.
Como aconteceu com o METALLICA,
o EXODUS sempre se mostrou um fã
incondicional da NWOBHM, sempre citando o movimento musical britânico como uma
forte influência em suas composições e sonoridade. Gary Holt vai além e diz que bandas com ANGEL WITCH, VENOM e MERCYFUL FATE também serviram como
inspiração indispensável, além de algumas bandas Punk/ hardcore, especialmente
o DISCHARGE. Está ai o segredo da
grande roda da fortuna do Thrash Metal.
Os meses que seguiram o lançamento do disco mostravam uma
banda preparada para encarar o que vinha pela frente, usando e abusando de uma
parede sonora de indestrutível vigor. Ninguém duvidava que estivesse diante de
um grupo revolucionário, um verdadeiro divisor de águas. O sucesso dos onze
meses que se mantiveram em turnê para promover o disco renderam excelentes
resultados, como ficou registrado após o lançamento do vídeo COMBAT TOUR LIVE em abril de 1985, que
mostrava a banda ao lado do igualmente brutal SLAYER e do ícone do som sujo e inconsequente, o VENOM. Proeza para poucos em se
tratando de um início de carreira.
No lançamento em CD do disco, houve mais uma mudança na
capa, a qual passou a contar com a foto de uma multidão pintada com as cores
vermelho e preto com o logo da banda ao meio, na cor amarela. Tal lançamento
conta com duas faixas bônus, AND THEN
THERE WERE NONE e A LESSON IN
VIOLENCE, que foram registradas ao vivo em Londres, no dia 8 de março de
1989. Na ocasião, o ainda contestado Steve
“Zetro” Souza estava nos vocais. Em 1999 o disco foi novamente relançado em
CD, porém desta vez passou a contar com a capa original e as faixas bônus foram
mantidas.
Se alguém ai ainda tem dúvida de que o EXODUS foi importante para o surgimento, desenvolvimento e consolidação
do Thrash Metal em todo o globo, vale destacar que não só o indivíduo que
escreve esse linhas como uma parcela considerável de apreciadores da boa música
concorda com o fato de que sem o quinteto da Bay Area o Thrash não seria o que
é, muito menos atingiria a fama que atingiu. Méritos para esses jovens filhos
de São Francisco, que lutaram para tornar seus sonhos possíveis e mostrar que
sim, dá pra fazer sucesso longe das asas das grandes bandas do Thrash Metal.
O álbum pronto para tocar. |
Escrito em 27 de outubro de 2013, com início às 13hrs. e
30min.