domingo, 27 de outubro de 2013

Bonded By Blood - Exodus

O primeiro disco da essencial banda de Thrash Metal da Bay Area.
Não há como negar: quando se fala de Thrash Metal, é impossível desvincular o termo ao grande titã do gênero, o multiplatinado METALLICA. O grupo, liderado pelo irreverente baterista Lars Ulrich e o hoje modesto guitarrista e vocalista James Hetfield possui fama mundial, arrasta multidões em apresentações em grandes arenas e indiscutivelmente assumem o posto de megabanda, quando o assunto é som pesado. Pergunte para qualquer leigo qual sua banda favorita de ‘Rock Pesado’ e as chances do sujeito dizer METALLICA são tão grandes quanto a sua certeza quanto a essa afirmação.
A história conta que o quarteto, completado na época pelo baixista Ron McGovney e o inflamado Dave Mustaine, veio de Los Angeles fazendo um som rápido e agressivo, mas muito distante do Thrash Metal conhecido na metade dos anos oitenta em diante, sendo que após a integração do saudoso baixista Cliff Burton o grupo passou a residir em São Francisco onde, em 1983, ocorreria o lançamento de seu aclamado debut, KILL ‘EM ALL. O registro, considerado o marco zero do Thrash Metal em todo o mundo, municiou os rapazes dentro do círculo que se formava na cidade costeira americana, tornando os jovens cabeludos em celebridades locais. Os álbuns seguintes, RIDE THE LIGHTINING e MASTER OF PUPPETS só vieram a confirmar esse fato, num momento mágico em que a musica pesada passava. A metade dos anos oitenta via nascer um novo gigante do Heavy Metal, e junto com ele um novo movimento, que trazia bandas carregadas com o sentimento dos medalhões tradicionais britânicos (BLACK SABBATH, JUDAS PRIEST e MOTÖRHEAD) e uma dose extra de vontade e determinação. Surgia a tão famosa cena Thrash Metal da Bay Area, apresentando ao mundo uma maneira completamente diferente de executar e produzir Heavy Metal.
Contudo, o que muita gente acaba ignorando é que um movimento, como assim explica o que ocorreu em São Francisco na primeira metade dos anos oitenta, pode até acontecer da noite para o dia, mas não com apenas uma única banda. Do local onde James e Lars conceberam seus grandes clássicos, uma ninhada de grupos ferozes rangiam os dentes em busca do mesmo propósito, apresentando matéria-prima que serviria de combustível para essa grande revolução sonora. Em casas de shows completamente abarrotadas e em modestos pubs locais, as primeiras notas de bandas como FORBIDDEN, DEATH ANGEL, VIO-LENCE, LAGACY (que mais tarde passaria a se chamar TESTAMENT), DEFIANCE e HEATHEN cantavam a letra da vez, embalando toda uma geração que buscava algo além do que vinha do Velho Continente, ou o que a recém-criada MTV descarregava em sua programação diária, saturada de figuras moldadas a base de laquê, cinta-liga e purpurina. Mesmo outras bandas vindas de cidades vizinhas como a própria Los Angeles ainda ofereciam material nessa linha, caso do satânico SLAYER e do competente DARK ANGEL, ou mesmo os nova-iorquinos do ANTHRAX e OVERKILL, com suas bases fortemente influenciadas pelos grupos punk do final dos anos setenta.
Ditada as regras do universo Thrash Metal, o rei METALLICA distanciava-se passo a passo do público que o elegera, conforme sua música foi ficando cada vez mais conceitual e reflexiva, dando claros sinais que o epicentro Thrash estava ficando pequeno demais para seu crescente sucesso. O que se viu foram as demais bandas crescendo e despontando, cada uma para um lado, espalhando a força do Thrash Metal mundo a fora, enquanto evoluíam cada vez mais dentro de suas próprias perspectivas. Algumas superaram todas as expectativas, tornando-se marcas mundialmente famosas do gênero, como foi o caso do contestado MEGADETH de Dave Mustaine, que formou a banda após sua dispensa do METALLICA - o que o deixou obcecado por vingança - além do SLAYER dos guitarristas Kerry King e Jeff Hanneman e o ANTHRAX, dos caretas Charlie Benante e Scott Ian que, juntas ao METALLICA, formariam anos mais tarde o tão famoso Big Four, ou como alguns radicais gostam de mencionar, a panelinha do Thrash Metal americano.
Essa é a história conhecida nos dias de hoje, com todo o avanço provocado pelo gênero em todo o planta, que continua a contar a mesma história, ano após ano. Talvez não seja de conhecimento geral (embora devesse ser), mas ainda no longínquo início dos anos oitenta, enquanto Lars e companhia pretendiam conquistar o mundo, outra banda, também da Bay Area, possuía o mesmo carisma e capacidade dos jovens de Los Angeles, com o diferencial de não temerem em fazer o som que achasse mais conveniente. Não seriam, anos mais tarde, tachados de traidores da revolução; muito pelo contrário, ainda contariam com uma base sólida de fãs que se prenderiam a sua conduta tão vorazmente como as correntes que seguram os portões do inferno. Que banda seria esta, que rivalizava com o tão aclamado METALLICA em termos de revolução e popularidade, até mesmo chagando a superá-los em alguns aspectos?
Essa banda era o EXODUS!
Uma das primeiras bandas a            surgir nessa nova cena, formado em 1982 pelo baterista Tom Hunting, o EXODUS era um filho autêntico de São Francisco, coisa que o METALLICA não era. Além disso, contava com um segundo fundador, jovem promissor de bastante talento, um tal de Kirk Hammett, que abusava de palhetadas precisas e abafadas que serviram de base para dar vida aos propósitos da banda. Não tardou para que o próprio METALLICA se desse conta disso, e o que veio em seguida todos já sabem (embora Kirk tenha optado em ir para o grupo de Lars e James, sem dúvida Dave Mustaine foi o que mais sentiu o golpe). A inclusão do guitarrista na banda de Los Angeles ajudou o grupo a atingir o status que possui hoje, mas engana-se quem pensou que isso decretaria o final prematuro do gigante da Bay Area, os “senhores do pedaço”, como podem ser perfeitamente classificados. Havia mais de uma carta na manga do grupo. Na verdade, havia cinco!
Durante a permanência de Kirk no conjunto, foi lançada ainda em 1982 uma fita demo, intitulada apenas de EXODUS 1982 DEMO, que contava com três faixas: WHIPPING QUEEN, DEATH AND DOMINATION e WARLORDS. Estas músicas foram criadas no final dos anos setenta, numa época em que os rapazes tocavam em escolas e garagens e em praticamente nada se comparam com o que a Bay Area ofereceria três anos depois. Nesta época a influência das bandas britânicas ainda era muito grande, e a sonoridade das canções possuía pouca personalidade, o que acabou não afetando o conjunto durante o desenvolvimento de sua carreira. Após a saída do guitarrista, o posto foi assumido por Rick Hunolt, que passou a dividir as seis cordas com o jovem Gary Holt, conhecido pela destreza e facilidade que manejava o instrumento. A dupla entrou para a história do Thrash Metal, influenciando milhares de bandas em todo o planeta. Completavam o time o baixista Rob Mckillop e o irreverente vocalista Paul Baloff.
Aqui vale muito a pena abrir um pequeno espaço para ‘dissecar’ esta criatura que foi o frontman da banda em seus primeiros anos. Forte, carrancudo, destemido, ousado e vil, Paul Baloff era uma figura que fugia de qualquer regra criada para um vocalista de uma banda de Heavy Metal. Conhecido pelos seus longos cabelos negros e engrenhados e tido como o mais agressivo e insano entre os integrantes da banda, muitas histórias são contadas sobre suas proezas apontando-o diversas vezes como o herói do grupo, principalmente quando incitava a plateia a repudiar os posers ou os fãs de Hair Metal (o Hardrock californiano geralmente era o alvo principal) durante aquelas apresentações em que sua voz, mais próxima de um lamento de dor e ódio que qualquer outra coisa, serviam como palavras de ordem diante de um exército que era a plateia. Curiosamente, este foi o único disco de estúdio da banda a contar com Paul nos vocais, já que desentendimentos dele com os demais integrantes por consequência do abuso de álcool levaram a sua demissão. Ele ainda retornaria para gravar o disco ao vivo ANOTHER LESSON IN VIOLENCE no ano de 1997, inclusive planejando um novo álbum de estúdio, mas o destino fez uma curva durante o processo e Paul veio a falecer em 2 de fevereiro de 2002 após passar alguns dias em estado vegetativo gerado por um forte AVC.
O cenário estava montado. O primeiro ato havia se iniciado e, como nas boas peças de teatro o enredo tinha que cativar o público logo de cara, do contrário não seria acompanhado até o fim. Felizmente, apesar da fama de malvados, carisma nunca foi problema para os jovens cabeludos. O grupo era reverenciado pelo underground, tanto que gozava de um prestígio que até mesmo nomes de certo peso não faziam frente diante de sua popularidade. Para se ter uma noção da importância da banda em seu cenário, durante o fim de janeiro do anos de 1984 o SLAYER, já contando com o álbum SHOW NO MERCY na bagagem, abria as apresentações do EXODUS, sendo que este sequer possuía um disco completo lançado no mercado. Com o passar dos anos o respeito só aumentava, e rumores de que o primeiro disco da banda seria lançado em breve fazia as mãos dos metalheads suarem de satisfação.
O lançamento do primeiro disco do METALLICA, KILL ‘EM ALL, em 13 de Julho de 1983 proporcionou uma enorme vantagem para os acólitos de Brian Slagel, que encontrou nos jovens espinhentos uma mina de ouro. Num mundo em que a regra vale para todos, sair na frente é sinal de vantagem, e o EXODUS sabia que não podia perder mais tempo nem espaço. Sendo assim, em julho de 1984 o quinteto rumou para o Prairie Sun Studios (localizado em Cotati, na Califórnia) em companhia do produtor Mark Whitaker após assinar contrato com o modesto selo Torrid Records para dar o pontapé no que seria o seu primeiro full lenght no universo do som pesado.
Concluindo as gravações ainda no verão daquele ano, um imbróglio financeiro impediu o disco de ser lançado logo após sua gravação, o que deixou a banda bastante irritada com o selo. Além disso, havia o problema com a criação da capa do álbum, que segundo os envolvidos com o projeto deveria seguir os padrões do título do disco.
O disco apresentando a arte gráfica de fundo e o encarte aberto.
Originalmente o vinil se chamaria A LESSON IN VIOLENCE, contudo não havia uma ideia apropriada sobre a capa para acompanhar o título, levando-o a ser descartado. Uma versão demo com este título circulou nas mãos dos tape-traders (termo usado para os fãs que trocavam fitas cassete das bandas mundo a fora nos anos oitenta) no final do verão de 1984, antes do lançamento oficial do disco, o que ajudou a alavancar a expectativa no underground quanto ao vinil, que só seria lançado no ano seguinte, mais precisamente em 25 de abril de 1985.
Acompanhando a ideia do novo título, BONDED BY BLOOD, a capa procurou da maneira mais fiel possível retratar a situação do sentimento do disco. O desenho feito por Richard A. Ferraro mostra dois irmãos siameses, ligados pelas costas, sendo o da direita o lado bom e o da esquerda o lado mau. Com o clássico desenho em mãos o LP pôde enfim ser distribuído para as lojas, e o que se viu a partir dele foi algo que superou as expectativas de qualquer fã. Ainda é comum se ouvir por ai que se o álbum tivesse sido lançado logo após sua gravação a história de todo o Thrash Metal poderia ter sido outra.
Com comentários que iam do “bombástico” ao “sensacional”, a película com duração de pouco mais de quarenta minutos é unanimidade entre os apreciadores da música pesada, atingindo a todos como um míssil mortífero atirado de um jato que quebra a barreira do som. Abrindo a apresentação o ouvinte é jogado para a cabine de um avião em processo de queda iminente, para depois literalmente esborrachar-se de encontro a parede sonora que a dupla de guitarras Holt/ Hunolt proporciona, a faixa título é um daqueles casos em que o sujeito é levado a bater cabeça sem se dar conta. Pode parecer exagero, mas é incrível a força que esta canção possui, com andamento frenético, instrumental firme e potente servindo de cama para o vocal visceral de Paul Baloff, que não desafina um instante sequer! O riff principal juntamente com o refrão é altamente virulento, gruda de forma pegajosa, não dando chance aos ouvidos desavisados. Indispensável para qualquer headbanger.
A sequência com EXODUS, AND THEN THERE WERE NONE e A LESSON IN VIOLENCE gira em torno de treze minutos, mas o compasso é tão frenético que dá a impressão de serem menos de cinco. A primeira, com letras que encarnam uma matança, mostra que destruição e competência podem sim andar lado a lado, em constante simbiose. O solo dobrado no meio da faixa, ao melhor estilo JUDAS PRIEST, não deixa a peteca cair um instante sequer, enquanto Tom Hunting mantém tudo brilhantemente amarrado ao lado de Rob Mckillop. A segunda, com tema apocalítico, apresenta um mundo infestado pelo caos, onde a estrela de Tom brilha intensamente. Os vocais de Paul parecem ficar cada vez mais graves com o andamento das faixas, enquanto o refrão da faixa apresenta um mundo entregue ao demônio, da forma que ele sempre desejou. A terceira faixa é o típico caso onde é possível ver que clássicos saem do acaso e não é possível manter uma fórmula para cria-los. Durante toda a letra é possível sentir o sentimento da banda, que deixava bem claro que em seu repertório não havia espaço para faixas mais leves ou brilhantemente arranjadas. Era apenas guitarra, baixo, bateria e vocal, com poder de alcance inimaginável e vontade desenfreada. Sem dúvida um dos grandes momentos do disco.
A próxima faixa, METAL COMMAND, mostra como apesar das diferenças e da disputa por espaço a cena da Bay Area era unida, onde o refrão destaca o empenho que havia entre os metalheads de manter esse sentimento sempre vivo. Eles lutavam e viviam pelo que acreditavam, e em matéria de unificação nada ainda provou-se mais efetivo.
O riff certeiro da sexta faixa, PIRANHA, leva o ouvinte para um transe, uma espécie de armadilha de onde ele não consegue escapar. Enquanto as notas disparadas de instrumentos que mais parecem metralhadoras fulminam qualquer traço de tédio, o refrão mais uma vez brilhantemente interpretado por Paul fazia a todos chacoalharem as cabeleiras e balançar os membros, como marionetes sob o efeito de poderes místicos.
NO LOVE começa com uma passagem acústica, que levemente engana o ouvinte, que logo volta à realidade com as insanas notas cuspidas por Gary e companhia. O pouco que sobrar de qualquer um que ficar estático diante de tamanha competência musical logo é reduzido a nada pelas faixas DELIVER US TO EVIL e STRIKE OF THE BEAST, que encerra o material de forma digna. São poucos os discos que conseguem reunir uma quantidade tão significativa de clássicos, sendo que este álbum destaca pelo menos seis músicas de impacto irrepreensível para a comunidade headbanger. Ainda hoje essas canções agitam multidões pelo mundo inteiro, e não é raro ouvir de diversos entusiastas e celebridades do som pesado que este disco encaixa-se como uma joia rara do meio Thrash Metal, a nata da Bay Area. Se tal trabalho possui este respaldo nos dias atuais, apenas tente imaginar como ele foi recebido em sua época, em seu meio.
Como aconteceu com o METALLICA, o EXODUS sempre se mostrou um fã incondicional da NWOBHM, sempre citando o movimento musical britânico como uma forte influência em suas composições e sonoridade. Gary Holt vai além e diz que bandas com ANGEL WITCH, VENOM e MERCYFUL FATE também serviram como inspiração indispensável, além de algumas bandas Punk/ hardcore, especialmente o DISCHARGE. Está ai o segredo da grande roda da fortuna do Thrash Metal.
Os meses que seguiram o lançamento do disco mostravam uma banda preparada para encarar o que vinha pela frente, usando e abusando de uma parede sonora de indestrutível vigor. Ninguém duvidava que estivesse diante de um grupo revolucionário, um verdadeiro divisor de águas. O sucesso dos onze meses que se mantiveram em turnê para promover o disco renderam excelentes resultados, como ficou registrado após o lançamento do vídeo COMBAT TOUR LIVE em abril de 1985, que mostrava a banda ao lado do igualmente brutal SLAYER e do ícone do som sujo e inconsequente, o VENOM. Proeza para poucos em se tratando de um início de carreira.
No lançamento em CD do disco, houve mais uma mudança na capa, a qual passou a contar com a foto de uma multidão pintada com as cores vermelho e preto com o logo da banda ao meio, na cor amarela. Tal lançamento conta com duas faixas bônus, AND THEN THERE WERE NONE e A LESSON IN VIOLENCE, que foram registradas ao vivo em Londres, no dia 8 de março de 1989. Na ocasião, o ainda contestado Steve “Zetro” Souza estava nos vocais. Em 1999 o disco foi novamente relançado em CD, porém desta vez passou a contar com a capa original e as faixas bônus foram mantidas.
Se alguém ai ainda tem dúvida de que o EXODUS foi importante para o surgimento, desenvolvimento e consolidação do Thrash Metal em todo o globo, vale destacar que não só o indivíduo que escreve esse linhas como uma parcela considerável de apreciadores da boa música concorda com o fato de que sem o quinteto da Bay Area o Thrash não seria o que é, muito menos atingiria a fama que atingiu. Méritos para esses jovens filhos de São Francisco, que lutaram para tornar seus sonhos possíveis e mostrar que sim, dá pra fazer sucesso longe das asas das grandes bandas do Thrash Metal.
O álbum pronto para tocar.
Escrito em 27 de outubro de 2013, com início às 13hrs. e 30min.

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