sábado, 5 de outubro de 2013

Forest Of Equilibrium - Cathedral

O disco apresentado com sua emblemática capa
“A maioria das coisas que escuto do heavy metal atual não me agrada. Parecem-me sem graça e pouquíssimo originais. As produções das novas bandas não me encantam nem um pouco.” (revista Road Crew – edição N° 149) Essas palavras, se proferidas por quem vos escreve, por exemplo, não causariam qualquer impacto, seja no cenário da música pesada ou no cotidiano de qualquer fã. Em se tratando de Lee Dorrain, ex-vocalista do lendário grupo de Grindcore NAPALM DEATH e fundador da banda Stoner/Doom Metal CATHEDRAL, as coisas mudam um pouco de foco. Por que tal afirmação vinda de um sujeito conhecido por poucos aventureiros do som pesado traria assim uma repercussão tão marcante nos dias atuais? Não seria só mais um desses depoimentos de sujeitos cuja fama está apagada e de alguma forma tenta trazer à tona qualquer audiência para si? Eis mais um capítulo da eterna jornada do som pesado, mais precisamente do sombrio Doom Metal.
O BLACK SABBATH, pioneiro não só do gênero em questão, mas de todo o Heavy Metal em si criou no início dos anos setenta uma fórmula que, ao proporcionar uma fonte de lucro e sucesso, também fez germinar nas décadas seguintes uma ligação profunda com o sombrio, o lúgubre, o perturbador. Ao passo que seus álbuns vendiam e de certa forma distanciavam o grupo dessa raiz mais obscura do Metal, diversas outras bandas, como o PENTAGRAM, o TROUBLE e o ATOMIC ROOSTER executavam suas performances nessa linha arrastada, abafada, quase agonizante do Doom Metal, sempre embaladas pela baixa afinação dos instrumentos e uma atmosfera que transcendia o limite do peso.
Na pré-história do gênero, o som estava mais voltado a uma prática que exaltava longas execuções, com direito a solos de guitarra que duravam de quinze a trinta minutos, enquanto o resto dos instrumentos permanecia inexpressivo, ou acompanhava a exibição das seis cordas em uma escala de notas mais baixa, não atravessando o som principal. Com o passar dos anos, a sonoridade das bandas passou a ficar mais dinâmica, contudo sem abrir mão da veia arrastada que faz parte da identidade do estilo, juntamente com a intensidade das canções. Embora adepta de poucos fãs, a sonoridade desses grupos agia como um bálsamo nas almas de seus apreciadores, sendo que tais características perduraram durante toda a década de setenta, dando a luz a uma nova leva de bandas no início dos anos oitenta calcada nessa atmosfera envolvente e cheia de mistérios. Aos passos agonizantes, em meio a um nevoeiro denso e pesado, grupos como ANGEL WITCH, PAGAN ALTAR e WITCHFINDER GENERAL perpetuavam a obcecada paixão pelo som primitivo na saudosa NWOBHM, sempre carregado por uma esfera de magia e fascínio, mesmo que isso não trouxesse fama e sucesso absolutos. Assim o culto ao antigo estava garantido.
Mas a época das densas canções estava ameaçada. Juntamente com o estouro que causou o surgimento do METALLICA e toda a cena da Bay Area por volta de 1983, deu-se então origem ao Thrash Metal, juntamente com a junção entre o Punkrock e o Heavy Metal, dando origem a um movimento que ultrapassou os limites da velocidade no som pesado e proporcionando uma reviravolta nos contornos musicais da época. O então belo e imutável Doom Metal dava espaço para as primeiras empreitadas da musica moderna, sendo que toda a geração sombria e soturna, mesmo apontada como grande mentora de tudo aquilo, estava novamente renegada à escuridão do underground. Já não se ouviam as vozes que ecoavam no espaço criado pela penumbra da noite, nem mesmo as manifestações mais cativantes e envolventes possuíam espaço neste novo universo (CANDLEMASS foi o que mais sofreu, sem dúvida).
Com a expansão das demais vertentes do rock (o Gothic Rock, o Hair Metal e o surgimento das primeiras bandas Grunge) o fim dos anos oitenta trouxe consigo uma manifestação musical ainda mais caótica, o sujo e repulsivo Death Metal, como era considerado na época. O famigerado gênero, que abordava temas nada convencionais e perturbadores em um ambiente de total paranoia musical, não respeitava regra alguma, construindo sua reputação sobre camadas e camadas de riffs e solos desconcertantes. Tal fórmula foi tão bem aceita no submundo da musica pesada que o pouco espaço que o Doom Metal havia reservado para si foi seriamente ameaçado.
Quando os fãs remanescentes já não tinham mais esperança alguma de uma grande revelação tomar as rédeas em meio a todo aquele inferno sonoro, surge o Grindecore para enterrar de vez toda e qualquer esperança de um dia o primeiro dos gêneros do Metal rever a luz dos shows intensos. De uma forma tão rápida quanto sua execução, o Grindcore arrebatou o espaço deixado pelo Death Metal, não restando nada para o já empoeirado e esquecido Doom Metal, que na pôde fazer a não ser levar novamente sua carcaça para uma sepultura afastada qualquer e enfim encontrar seu destino final. O que ninguém imaginava, contudo, era o quão raso era essa sepultura.
Final de 1989. O choque causado pela saída de Lee Dorrain do NAPALM DEATH, logo após a gravação do segundo álbum da banda, FROM ENSLAVEMENT TO OBLITERATION em 1988 pegou a todos de surpresa. Mais surpreendente ainda foi sua nova empreitada que, além de ir à contramão de tudo que fizera até então, estava calcada na sonoridade esquecida do primitivo Doom Metal.
Apoiado pelo amigo e baixista Mark Griffths, com quem compartilhava um gosto bastante peculiar pelas bandas Doom citadas durante essas linhas, foi durante os meses de Julho e Agosto de 1991 que o quinteto, completado pelos guitarristas Gaz Jennings e Adam Leham e pelo baterista convidado Mike Smail (o baterista anterior, Ben Mockrie havia deixado o grupo pouco antes) trataram de mostrar ao mundo um Doom Metal nunca antes visto, muitíssimo mais lento e arrastado que qualquer outro já feito.
Uma visão com o encarte aberto, apresentando os integrantes na época
Gravado no Workshop Studios, localizado em Redditch (noroeste da Inglaterra) e lançado em 6 de Dezembro de 1991 sob produção de e mixagem de PBL, em parceria com Lee Dorrian e Gary Jennings, o primeiro álbum da banda, FOREST OF EQUILIBRIUM, levava o ouvinte de volta a atmosfera mística criada pela obscuridade dos grupos setentistas logo de cara, através da obra do ilustrador Dave Patchett  e nas primeiras notas de afinação baixa das guitarras. O transe, contudo, era parcialmente quebrado pela linha vocal de Lee, que mesmo dotado de personalidade não escondia o ar pesado herdado pelos anos ao lado das bandas de Grindcore. As evidências também repousavam nas mãos dos demais integrantes, pois ambos os guitarristas tinham acabado de dissolver o agressivo ACID REIGN (legado do quase inexistente Thrash Metal britânico), ao passo que Mike era membro fundador do mórbido DREAM DEATH. Logo, todos tinham uma estreita relação com o som extremo.
Tal fato não impediu que clássicos absolutos do gênero partissem da película, como as faixas absurdamente pesadas SERPENT EVE e PICTURE OF BEAUTY & INNOCENCE (INTRO)/ COMMISERATING THE CELEBRATION, onde a sonoridade é tão brutal quanto lenta. A faixa seguinte, EBONY TEARS, soa como um lamento, algo como as últimas palavras sob o leito de morte, dotadas de uma dor causada por algo simplesmente indescritível. É extremamente perigosa de se ouvir em dias depressivos.
A FUNERAL REQUEST evidencia ao longo de seus mais de nove minutos o lado mais voltado ao mistério sustentado pelos grupos dos anos setenta, apoiada pela faixa EQUILIBRIUM e pela última do disco, a bela REACHING HAPPINESS, TOUCHING PAIN. Não que todas as faixas não contenham aquela atmosfera hipnótica dos grupos pioneiros, mas fica aqui um destaque para a faixa SOUL SACRIFICE, onde as características de tudo que forma a banda se mensuram, mostrando uma canção de pegada arrebatadora e extremamente certeira (é a mais curta e direta do disco, com apenas dois minutos e cinquenta e cinco segundos). Passam-se assim os mais de cinquenta minutos da bolacha, que desenterram com prestígio o Doom e o recolocam em seu devido lugar, servindo de base para muito do que é visto hoje em dia dentro do próprio gênero.
Os conceitos do álbum classificam-no como Doom Metal, contudo as facetas demonstradas pelas canções são tão difusas que muitos julgam a obra como Death Metal, ou Stoner Metal, sendo que este último adjetivo tornou a banda uma referência durante os trabalhos seguintes, fazendo dessa obra um marco na música pesada, inovando o até então imutável gênero criador, a pedra fundamental do Heavy Metal.

Sob este ângulo, torna-se aceitável a declaração de Lee no início deste texto, onde hoje em dia pouco se tem de originalidade e inovação. É nesse espaço, inclusive, que muitos grupos se perdem em conceitos falidos e pouco abrangentes. Talvez eles precisem provar uma dose da “pedra fundamental” para reavaliarem suas opiniões...


O disco proto para tocar

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