O disco apresentado com sua emblemática capa |
“A maioria das coisas
que escuto do heavy metal atual não me agrada. Parecem-me sem graça e
pouquíssimo originais. As produções das novas bandas não me encantam nem um
pouco.” (revista Road Crew – edição N° 149) Essas palavras, se proferidas por quem
vos escreve, por exemplo, não causariam qualquer impacto, seja no cenário da
música pesada ou no cotidiano de qualquer fã. Em se tratando de Lee Dorrain, ex-vocalista do lendário
grupo de Grindcore NAPALM DEATH e
fundador da banda Stoner/Doom Metal CATHEDRAL,
as coisas mudam um pouco de foco. Por que tal afirmação vinda de um sujeito
conhecido por poucos aventureiros do som pesado traria assim uma repercussão
tão marcante nos dias atuais? Não seria só mais um desses depoimentos de
sujeitos cuja fama está apagada e de alguma forma tenta trazer à tona qualquer
audiência para si? Eis mais um capítulo da eterna jornada do som pesado, mais
precisamente do sombrio Doom Metal.
O BLACK SABBATH,
pioneiro não só do gênero em questão, mas de todo o Heavy Metal em si criou no
início dos anos setenta uma fórmula que, ao proporcionar uma fonte de lucro e
sucesso, também fez germinar nas décadas seguintes uma ligação profunda com o
sombrio, o lúgubre, o perturbador. Ao passo que seus álbuns vendiam e de certa
forma distanciavam o grupo dessa raiz mais obscura do Metal, diversas outras
bandas, como o PENTAGRAM, o TROUBLE e o ATOMIC ROOSTER executavam suas performances nessa linha arrastada,
abafada, quase agonizante do Doom Metal, sempre embaladas pela baixa afinação
dos instrumentos e uma atmosfera que transcendia o limite do peso.
Na pré-história do gênero, o som estava mais voltado a uma
prática que exaltava longas execuções, com direito a solos de guitarra que
duravam de quinze a trinta minutos, enquanto o resto dos instrumentos
permanecia inexpressivo, ou acompanhava a exibição das seis cordas em uma
escala de notas mais baixa, não atravessando o som principal. Com o passar dos
anos, a sonoridade das bandas passou a ficar mais dinâmica, contudo sem abrir
mão da veia arrastada que faz parte da identidade do estilo, juntamente com a
intensidade das canções. Embora adepta de poucos fãs, a sonoridade desses
grupos agia como um bálsamo nas almas de seus apreciadores, sendo que tais
características perduraram durante toda a década de setenta, dando a luz a uma
nova leva de bandas no início dos anos oitenta calcada nessa atmosfera
envolvente e cheia de mistérios. Aos passos agonizantes, em meio a um nevoeiro
denso e pesado, grupos como ANGEL WITCH,
PAGAN ALTAR e WITCHFINDER GENERAL perpetuavam a obcecada paixão pelo som
primitivo na saudosa NWOBHM, sempre carregado por uma esfera de magia e
fascínio, mesmo que isso não trouxesse fama e sucesso absolutos. Assim o culto
ao antigo estava garantido.
Mas a época das densas canções estava ameaçada. Juntamente
com o estouro que causou o surgimento do METALLICA
e toda a cena da Bay Area por volta de 1983, deu-se então origem ao Thrash
Metal, juntamente com a junção entre o Punkrock e o Heavy Metal, dando origem a
um movimento que ultrapassou os limites da velocidade no som pesado e proporcionando
uma reviravolta nos contornos musicais da época. O então belo e imutável Doom Metal
dava espaço para as primeiras empreitadas da musica moderna, sendo que toda a geração
sombria e soturna, mesmo apontada como grande mentora de tudo aquilo, estava
novamente renegada à escuridão do underground. Já não se ouviam as vozes que
ecoavam no espaço criado pela penumbra da noite, nem mesmo as manifestações
mais cativantes e envolventes possuíam espaço neste novo universo (CANDLEMASS foi o que mais sofreu, sem
dúvida).
Com a expansão das demais vertentes do rock (o Gothic Rock,
o Hair Metal e o surgimento das primeiras bandas Grunge) o fim dos anos oitenta
trouxe consigo uma manifestação musical ainda mais caótica, o sujo e repulsivo Death
Metal, como era considerado na época. O famigerado gênero, que abordava temas nada
convencionais e perturbadores em um ambiente de total paranoia musical, não
respeitava regra alguma, construindo sua reputação sobre camadas e camadas de riffs e solos desconcertantes. Tal
fórmula foi tão bem aceita no submundo da musica pesada que o pouco espaço que
o Doom Metal havia reservado para si foi seriamente ameaçado.
Quando os fãs remanescentes já não tinham mais esperança
alguma de uma grande revelação tomar as rédeas em meio a todo aquele inferno
sonoro, surge o Grindecore para enterrar de vez toda e qualquer esperança de um
dia o primeiro dos gêneros do Metal rever
a luz dos shows intensos. De uma forma tão rápida quanto sua execução, o Grindcore
arrebatou o espaço deixado pelo Death Metal, não restando nada para o já
empoeirado e esquecido Doom Metal, que na pôde fazer a não ser levar novamente
sua carcaça para uma sepultura afastada qualquer e enfim encontrar seu destino
final. O que ninguém imaginava, contudo, era o quão raso era essa sepultura.
Final de 1989. O choque causado pela saída de Lee Dorrain do NAPALM DEATH, logo após a gravação do segundo álbum da banda, FROM ENSLAVEMENT TO OBLITERATION em
1988 pegou a todos de surpresa. Mais surpreendente ainda foi sua nova
empreitada que, além de ir à contramão de tudo que fizera até então, estava
calcada na sonoridade esquecida do primitivo Doom Metal.
Apoiado pelo amigo e baixista Mark Griffths, com quem compartilhava um gosto bastante peculiar pelas
bandas Doom citadas durante essas linhas, foi durante os meses de Julho e
Agosto de 1991 que o quinteto, completado pelos guitarristas Gaz Jennings e Adam Leham e pelo baterista convidado Mike Smail (o baterista anterior, Ben Mockrie havia deixado o grupo pouco antes) trataram de mostrar
ao mundo um Doom Metal nunca antes visto, muitíssimo mais lento e arrastado que
qualquer outro já feito.
Uma visão com o encarte aberto, apresentando os integrantes na época |
Gravado no Workshop Studios, localizado em Redditch
(noroeste da Inglaterra) e lançado em 6 de Dezembro de 1991 sob produção de e
mixagem de PBL, em parceria com Lee
Dorrian e Gary Jennings, o
primeiro álbum da banda, FOREST OF
EQUILIBRIUM, levava o ouvinte de volta a atmosfera mística criada pela
obscuridade dos grupos setentistas logo de cara, através da obra do ilustrador Dave Patchett e nas primeiras notas de afinação baixa das
guitarras. O transe, contudo, era parcialmente quebrado pela linha vocal de Lee, que mesmo dotado de personalidade
não escondia o ar pesado herdado pelos anos ao lado das bandas de Grindcore. As
evidências também repousavam nas mãos dos demais integrantes, pois ambos os
guitarristas tinham acabado de dissolver o agressivo ACID REIGN (legado do quase inexistente Thrash Metal britânico), ao
passo que Mike era membro fundador do
mórbido DREAM DEATH. Logo, todos
tinham uma estreita relação com o som extremo.
Tal fato não impediu que clássicos absolutos do gênero
partissem da película, como as faixas absurdamente pesadas SERPENT EVE e PICTURE OF
BEAUTY & INNOCENCE (INTRO)/ COMMISERATING THE CELEBRATION, onde a
sonoridade é tão brutal quanto lenta. A faixa seguinte, EBONY TEARS, soa como um lamento, algo como as últimas palavras sob
o leito de morte, dotadas de uma dor causada por algo simplesmente
indescritível. É extremamente perigosa de se ouvir em dias depressivos.
A FUNERAL REQUEST
evidencia ao longo de seus mais de nove minutos o lado mais voltado ao mistério
sustentado pelos grupos dos anos setenta, apoiada pela faixa EQUILIBRIUM e pela última do disco, a
bela REACHING HAPPINESS, TOUCHING PAIN.
Não que todas as faixas não contenham aquela atmosfera hipnótica dos grupos
pioneiros, mas fica aqui um destaque para a faixa SOUL SACRIFICE, onde as características de tudo que forma a banda
se mensuram, mostrando uma canção de pegada arrebatadora e extremamente
certeira (é a mais curta e direta do disco, com apenas dois minutos e cinquenta
e cinco segundos). Passam-se assim os mais de cinquenta minutos da bolacha, que
desenterram com prestígio o Doom e o recolocam em seu devido lugar, servindo de
base para muito do que é visto hoje em dia dentro do próprio gênero.
Os conceitos do álbum classificam-no como Doom Metal,
contudo as facetas demonstradas pelas canções são tão difusas que muitos julgam
a obra como Death Metal, ou Stoner Metal,
sendo que este último adjetivo tornou a banda uma referência durante os
trabalhos seguintes, fazendo dessa obra um marco na música pesada, inovando o
até então imutável gênero criador, a pedra fundamental do Heavy Metal.
Sob este ângulo, torna-se aceitável a declaração de Lee no início deste texto, onde hoje em
dia pouco se tem de originalidade e inovação. É nesse espaço, inclusive, que
muitos grupos se perdem em conceitos falidos e pouco abrangentes. Talvez eles
precisem provar uma dose da “pedra fundamental” para reavaliarem suas opiniões...
O disco proto para tocar |
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