domingo, 13 de outubro de 2013

Stained Class - Judas Priest

O álbum em sua versão remasterizada de 2001
Final dos anos setenta. Os possíveis índices de instabilidade que atingiam os países europeus pareciam desenhar um panorama cujo aspecto poderia gerar consequências tão graves quanto a guerra que acabara com boa parte do continente, há aproximadamente trinta anos. No campo social, eram diversos os problemas enfrentados pela população, desde os planos para a reestruturação econômica dos países que provinham do orçamento custeado pelas massas até mesmo a falta de assistência que os governos supostamente implantariam para atingirem seus objetivos “majoritários”. A proposta e implantação de uma única moeda, idealizada pela CEE (comunidade econômica europeia) a partir de 1970 gerou certa estabilidade entre os estados-membros, uma vez que esta espécie de câmbio acabou por proporcionar uma limitação entre a flutuação das moedas de cada país, em 1972. Os reflexos surgiriam em 1973, ano em que novos países passaram a fazer parte deste bloco; a Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido juntavam-se aos já integrantes Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos. Tudo isso propiciou um impulso no setor econômico do eixo, porém não sanou a carência de investimentos dentro de cada país, cada qual regido pela própria conduta política. Tal consequência perdurou durante toda a década, e seus resultados chegaram até as camadas culturais, proporcionando uma maré revolucionária em seu âmago e, consequentemente, gerando respaldo. Sem dúvida esta foi uma década de grandes transformações.
Na música, o cenário estava em ampla profusão. O Punk e a Disco Music, atingindo níveis cada vez mais altos de audiência e simpatia, começavam uma disputa pelo domínio musical da época. Grupos de diversos países surgiam com o propósito de expandir os horizontes do som, numa constante viagem de influências e características que situavam-se muito além das propostas visuais e ideológicas.
Para o Heavy Metal o fim dos anos setenta mostrou um BLACK SABBATH cansado, exaurido de sua criatividade cativante do início da mesma década e totalmente devastado pelas drogas. O vocalista Ozzy Osbourne já não mostrava mais o carisma que encantou plateias mundo afora nos primeiros anos da banda e, seguido pelos companheiros abatidos pela apatia via o cenário norte americano despontar como a grande promessa para assumir o posto que uma vez foi dos britânicos. O trono da música pesada estava à mercê de qualquer um que empunhasse uma guitarra, gritasse para a multidão e enchesse sua apresentação de energia e dedicação ao gênero.
Embora muitas outras bandas estivessem despontando naquele possível naufrágio do metal, como todo o movimento da NWOBHM, nenhuma delas estava pronta para dar o passo seguinte. Todas esperavam a ordem a ser seguida; o caminho a ser trilhado. Mesmo após uma apresentação frenética do VAN HALEN durante a abertura que promovia o álbum NEVER SAY DIE do Sabbath em solo americano, no ano de 1979 - que deixara os veteranos literalmente perdidos no tempo - ainda era notório que o posto maior do Heavy Metal necessitava de alguém que o acompanhava desde sua criação, que o visse crescer e agora, diante de um obstáculo, estava carente de ânimo, como um pai que incentiva o filho nos momentos difíceis.
A resposta, por mais irônica que pareça, estava na própria Europa, mais precisamente em Birmingham, na Inglaterra. O JUDAS PRIEST, grupo que, assim como o Sabbath, tinha iniciado a carreira bem no início de todo o movimento, assumiu a responsabilidade de lidar com o grande desafio de recolocar o som pesado em destaque no cenário musical, indo na contramão de tudo que a mídia expunha para o ouvinte e espectador da época.
Como um grande líder, possuía na bagagem álbuns já consagrados entre os metalheads, além de turnês pelo solo americano em companhia de grupos seminais, como o LED ZEPPELIN. Contava com o talento e carisma de seus integrantes, em especial de Rob Halford, vocalista cujo timbre seria copiado por praticamente todas as bandas que surgiriam nas décadas seguintes. Além disso, tinha na base uma dupla de guitarristas competentes, que juntos mostravam ao público um misto de raça e virtuosismo: Gleen Tipton e K.K. Downing. Não bastassem tantos pontos positivos, estava bem amparada na época, com um contrato assinado com a poderosa CBS, parceria essa que rendeu obras de impacto astronômico no Heavy Metal durante os anos seguintes.
O disco com o encarte aberto. Um belo acabamento.
A partir deste ponto, o cenário desenhava-se para um desfecho óbvio, cujo resultado provou ser benéfico para ambos os lados - banda e gênero. Se o JUDAS PRIEST era uma grupo querido pelos fãs graças aos seus lançamentos anteriores e suas apresentações intensas, era nítido que, mesmo com o peso característico do heavy metal em suas composições, faltava algo que os fizessem dizer, com todas as letras: “somos uma banda de metal”. O momento veio logo após o BLACK SABBATH recusar o título de líder, alegando sequer ser uma banda de metal, colocando o Priest na reta, mesmo que involuntariamente. A conclusão do caso deu-se em 10 de Fevereiro de 1978, quando foi lançado o álbum STAINED CLASS.
Gravado no Chipping Norton Studios, em Londres, nos meses de Outubro e Novembro de 1977, o trabalho foi produzido por Dennis Mackay em parceria com a própria banda. A finalização do trabalho, contudo, passou por mais três estúdios, o Advision, o Trident e o Utopia Studios, todos londrinos. A mixagem foi realizada nos estúdios Trident e Advision, pelos engenheiros de som Neil Ross (Trident), Ken Thomas e Paul Northfield (Advision), e apresentaram ao mundo um trabalho dotado de peso e originalidade, que sem dúvidas tratou de fincar o nome do Priest no topo da música pesada.
O segundo álbum da banda lançado pela gravadora CBS causou impacto logo de cara, com a faixa EXCITER que, se não deu origem ao gênero speed metal no mundo inteiro, serviu como base para renomear a banda canadense precursora do estilo, que assim o fez, e tratou de espalhar pelo globo a velocidade incessante dentro do Heavy Metal. O baterista recém-recrutado Les Binks trata de mostrar logo no início sua competência, com uma disposição absurda que distribuía nas baquetas, além de uma peculiaridade bastante convincente para compor temas. É de sua autoria as bases de guitarra da faixa BEYOND THE REALMS OF DEATH, que acompanhada pela letra escrita por Halford desenha um panorama maravilhoso junto ao solo espetacular de Gleen Tipton, profundo e inspirado. Indiscutivelmente uma de suas melhores performances em estúdio.
Apesar da composição do álbum estar bem diversificada, entre temas que vão da introspecção (SAINTS IN HELL, WHITE HEAT, RED HOT, HEROES END), passando pelo agressivo (SAVAGE) e indo de encontro ao surreal (INVADER fala de invasões alienígenas), vale um destaque para duas faixas: a que dá nome ao álbum, cuja execução transborda energia do início ao fim, típico trabalho que marca uma geração, e um cover (cópia de uma canção já existente e gravada previamente por outro grupo) registrado após as seções do álbum comum e produzido por James Guthrie, que ficaria famoso por co-produzir o majestoso THE WALL do PINK FLOYD. A faixa em questão, a terceira do álbum regular, BETTER BY YOU, BETTER THAN ME foi usada como single para promover o material já gravado. O single foi lançado com a faixa INVADER no lado B em janeiro de 1978 e, embora seu potencial já houvesse sido testado nove anos antes pela banda que a criou e lançou em seu segundo álbum de estúdio, o SPOOKY TOOTH, seus resultados só revelaram-se doze anos depois para o JUDAS PRIEST, num desfecho quase trágico para a banda.
Se o Priest não demostrava muito interesse em gravar um cover para a divulgação do álbum, confiante no material que já possuía, a CBS os fez mudar de ideia e partirem para o registro da faixa, a qual levou a banda para os tribunais em 1990. O motivo: uma suposta inclusão de mensagens implícitas na canção que havia levado dois jovens de Reno (cidade localizada no estado norte americano de Nevada) a cometerem suicídio, logo após uma seção de audição do álbum seguida por consumo de drogas, em Dezembro de 1985.
Embora a acusação promovida pelos familiares dos garotos tenha se baseado neste argumento, tal circunstância foi concluída como infundada, uma vez que a banda conseguiu provar que não havia nada de mais nas letras da faixa. Um fato curioso é que o SPOOKY TOOTH sequer foi citado durante todo o processo.
Como tudo isso ocorreu apenas no inicio dos anos noventa, nada do que foi abordado nesse caso implicou em algo negativo para a banda na época do lançamento do álbum, onde seus quase quarenta e cinco minutos cuidaram para redefinir os conceitos do Heavy Metal. Trata-se de um disco cujo peso está em evidencia, principalmente se comparado com demais lançamentos das outras bandas durante o mesmo período. O traço que o grupo adquiria a partir daquele ponto podia ser visto durante toda a década seguinte, nos seus álbuns posteriores e no de suas diversas influências. A divulgação do trabalho ocorreu da maneira mais ampla possível, e o JUDAS PRIEST provou ser o candidato certo para o posto de metal god, que alcançaria anos depois. O caminho do grupo estava garantido, uma vez que o mesmo erguia com méritos a bandeira do gênero mais pesado do rock e a mantinha adiante.

Em 2001 o álbum foi remasterizado e passou a contar com as faixas bônus FIRE BURNS BELOW (recordada em Dezembro de 1987 no PUK Studios, na Dinamarca, durante as sessões de gravação do álbum RAM IT DOWN) e uma versão ao vivo de BETTER BY YOU, BETTER THAN ME. Se hoje esta película é vista como a grande propulsora da heavy metal em sua fora mais ampla no fim dos anos setenta, é sabido que para um grupo com tanto talento e iniciativa isso é apenas o curso natural das coisas.


O polêmico disco pronto para tocar...

Nenhum comentário:

Postar um comentário