O segundo disco da influente banda inglesa Angel Witch (versão de 2004 lançada pelo selo Archaic Temple Productions) |
Há em todos nós, frequentemente, um sentimento de mudança
repentina, que nos faz, muitas vezes, querer largar tudo e partir para novos
desafios, novas perspectivas. Distante de ser uma paranoia, nos dias de hoje torna-se
cada vez mais difícil tentar estabelecer esta conduta, visto que nosso
cotidiano nos sobrecarrega de responsabilidades as quais não podemos fugir
(família, trabalho, amigos, etc.) e que acabam por impor uma barreira que nos
limita seguir muitos de nossos sonhos ou reais objetivos. Não se pode ignorar o
fato que a vida de cada um é estabelecida pelas diversas coisas que se faz
nesse cotidiano, e é inegável que a nossa própria rotina nos força a tomarmos
certas atitudes que podem tanto deixar as coisas como estão como também podem
alterar totalmente as nossas vidas. O centro da questão é: chegando ao ponto
onde se torna necessária uma decisão sobre como agir ou como proceder diante de
alguma situação, estamos preparados para assumir todos os riscos? Afinal, vale
apena agir diante de uma circunstância ou é mais sábio apenas ignorá-la e
seguir o fluxo das coisas?
O calendário marcava o ano de 1985 quando o persistente Kevin Heybourne dava o segundo passo de
sua intrincada carreira musical, ainda cercado de dúvidas. Se o início da
década d oitenta o apresentou para o mundo do Heavy Metal através de um disco
aclamado pelos fãs (o clássico debut
autointitulado), os anos seguintes não foram suficientes para firmar sua banda
no competitivo cenário que se desenhava naquela época, há trinta anos. Sob essa
ótica, o improvável havia acontecido, e algo bastante curioso cercou o futuro
da banda, que mesmo contando com uma obra prima do gênero em sua bagagem não
foi capaz de acompanhar o progresso do som pesado, e amargou longos quatro anos
até conseguir lançar o seu próximo disco. Como nos dias atuais, quarenta e oito
meses representam um tempo considerável e muita coisa pode muda nesse espaço de
tempo. Tanta coisa que, como já dito nessas linhas, um só trabalho divulgado
alguns anos antes, mesmo que impactante, parecia distante de tudo, apagado,
antiquado. Não demorou muito para que Kevin
incorporasse novos elementos na sua criação e o ANGEL WITCH passasse por mudanças consideráveis em sua forma de
agir e falar, deixando de lado algumas de suas características ao passo que
incorporava algumas novas, mais atuais se comparadas com as do início de sua
carreira.
Para tanto, Kevin
tratou de mudar a estrutura interna da banda, fazendo alterações que influenciariam
tanto na dinâmica como na personalidade do grupo. De todas essas alterações, a
que causou mais impacto sem dúvida foi a extinção do formato power trio para a adoção do quarteto
(isso mesmo, naquela época quarteto era sinônimo de dinâmica), mas engana-se
quem pensou que Kevin daria a
oportunidade de um outro guitarrista
competir com ele pelo posto das seis cordas. Com a saída de Kevin ‘Skids’ Riddles, o baixo foi
assumido por Peter Goldelier que não
comprometeu na sua função, enquanto entendia-se com o baterista Dave Hogg, amado pelos fãs da banda.
Sendo assim, restou apenas uma poção óbvia de qual posto sofreria alteração
drástica. Kevin decidiu se dedicar
apenas a tocar guitarra, cedendo o posto de vocalista para o desconhecido Dave Tattum, que para muitos possuía um
timbre vocal similar ao de Kevin, portanto, não causaria tanta estranheza por
parte do público.
Naquele ponto da história, a adição de um vocalista fixo
pareceu ser uma escolha acertada, visto que Kevin
passou a adicionar mais melodia as suas composições, trazendo algo mais próximo
de grupos mais diversificados, como THIN
LIZZY e JUDAS PRIEST, mesmo
mantendo-se como o único guitarrista da banda. A forma de compor as canções
também sofreram modificações drásticas, sendo que as influências “sabáticas” haviam cedido lugar para
algo mais próximo do acessível, se é que no Heavy Metal algo é realmente
acessível. As constantes investidas ao lado do oculto cediam lugar a melodias
mais suaves, contudo ainda bastantes pesadas, enquanto as letras ainda causavam
certo impacto, contudo privadas de certo fascínio, algo que o disco anterior
executou com maestria. Dave mostrava
em alguns momentos que substituir Kevin
não seria uma tarefa muito complicada, sabendo que cantar em notas altas era
seu forte, e muitas das faixas do ANGEL
WITCH necessitavam desta linha de alcance. Kevin, por outro lado, soltou-se mais a partir de então, mostrando
facetas que antes não se enquadrariam no contexto da banda, além de contribuir
com os vocais de suporte, fundamentais em várias canções do novo disco.
Criava-se então a segunda encarnação do prodígio time da
NWOBHM, que agora passava a contar com o auxílio da gravadora Killerwatt
Records, responsável por administrar bandas de Thrash/ Speed Metal como os
americanos do DEATH MASK e os suecos
do MANINNYA BLADE. A nova formação
do ANGEL WITCH procurou administrar
o bom momento vivido a partir daquele ponto, sabendo que a banda estava
passando por situações difíceis desde a sua formação, no fim dos anos setenta. Para
tanto, em Abril de 1985 um álbum de inéditas já estava sendo gravado no estúdio
AVM, localizado na Inglaterra, e seria lançado cinco meses após.
O disco com o encarte aberto (faltou as letras das musicas...) |
Produzido por Les Hunt,
o segundo disco do ANGEL WITCH saiu oficialmente em 28 de Setembro daquele ano
e apresentava os elementos discutidos nessas linhas, deixando, a princípio, uma
impressão de que a nova fase seria duradoura, estável. O álbum, intitulado SCERAMIN’ N’ BLEEDIN’, mostrava claras
facetas de um estilo mais rítmico, realmente mais próximo dos grandes medalhões
do Heavy Metal. A faixa de abertura, WHOSE
TO BLAME, possui uma base interessante, mostrando a força que Hogg possuía ao atirar sobre seu kit
constantes batidas, enquanto Dave
logo de cara mostrava para que veio, com boas doses de técnica vocal. Entre uma
ou outra faixa, EVIL GAMES mostra-se
bastante eficiente (com direito a um coral de crianças de Alton ao fundo),
sobretudo nos improvisos das seis cordas, onde Kevin dá uma deixa de que era um guitarrista subestimado,
principalmente nas bases. A faixa título emprega bem o lado mais melódico da
película, e de forma bastante agressiva deleita o ouvinte com um solo
avassalador de Kevin que,
inegavelmente, possui para si mais atenção que os demais integrantes,
principalmente no momento em que divide os vocais com Dave. Pete até que tenta
mostrar mais desenvoltura em sua forma de tocar, mas o barulho dos demais
instrumentos impede um desempenho mais frenético. Abordando o lado mais
reformulado do grupo, a incursão de Dave
e o fato de Kevin estar mais livre
para tocar contribuiu para o desenvolvimento de baladas (isso mesmo que você
leu, baladas) mais aprazíveis aos ouvidos do público. As canções REAWAKENING e GOODBYE mostram que este tipo de canção contribuiu bastante para
deixar o disco mais homogeneizado, alterando bem o lado mais cru e o mais
melódico das faixas. AFRAID OF THE DARK
também deixa clara esta intenção de mesclar o lado mais rude com o mais
pacífico, acenando com as duas mãos para facetas mais trabalhadas. A guitarra,
como sempre, ganha força nesses casos, e isso foi perfeito para Kevin, que encontrou espaço para
improvisar mais.
O disco em geral é competente, com boas canções. Contudo,
como já era de se esperar, nem tudo são flores no caminho de Kevin e companhia. Para a banda, trazer
novos elementos e decidir por procurar novas formas de tocar e se apresentar
mostrou um lado mais ousado dos integrantes, mas em momento algum mudança é
sinal ou garantia de prosperidade. Em muitos casos, seguir novos caminhos pode
levar a rumos estranhos, principalmente quando os passos seguem uma linha mais
pretenciosa. Em se tratando de uma banda, a mudança de rumo pode significar
tanto o sucesso absoluto como um fim precoce. O disco em questão apontava para
um final trágico do grupo, mas não naquele momento, não naquela ocasião.
O fato do ANGEL WITCH
ter acertado tão bem a mão no primeiro disco, fazendo com que ele chegasse ao
patamar de referência de um movimento contribuiu para deixar os ânimos dos
rapazes excitados, ponto de procurarem
por novos caminhos de conduzir sua musica. Ainda em 1982 a banda se dissolveu
após muita pressão, deixando Kevin em
situação delicada. Em 1984 ele optou por reformar o grupo como um quarteto,
aproveitando a permanência de Hogg e
usando a saída de ‘Skids’ para
alterar a sonoridade do baixo com a inclusão de Pete e incluir Dave para
assumir os vocais, o que garantiu a banda o novo direcionamento. Na teoria,
isso equilibraria os quatro anos de diferença entre o primeiro e o segundo
disco, dando uma nova vitalidade para o conjunto, porém alguns percalços acabaram
por limitar as ambições de Kevin. A
começar pela gravação, que distorceu demais os instrumentos, os antigos fãs não
digeriram bem a nova forma de tocar do grupo que, ao se aproximar da veia mais
melódica das bandas maiores, distanciou-se do lado mais introspectivo das
bandas mais primitivas, perdendo muito de sua essência nesse processo.
O fato de Kevin
procurar deixar seu trabalho mais atual mostrou que ao longo dos anos o
guitarrista passava a desenvolver o seu lado mais autoritário, sendo frequentes
as ocasiões nas quais decidia com mãos de ferro o futuro do grupo. Juntando
esses fatores, o que saiu deste trabalho provou que mesmo diante de novas
atitudes, a escolha ainda é o fator que mais influencia no resultado final de
qualquer ação.
Como dito neste texto, o disco em questão ainda não seria
responsável pelo ponto final desta fase da banda. Com a ótima safra de discos
na metade dos anos oitenta, o álbum acabou sendo pouco expressivo e não
emplacou como deveria, ficando apenas como uma obra obscura do grupo.
O disco foi relançado em 2004 pelo selo Archaic Temple com
uma nova arte de capa (o LP original apresentava uma harpia sob uma sepultura,
segurando um machado com a mão direita e uma jovem seminua presa pelos cabelos
na mão esquerda, enquanto a nova versão passou a contar com um rosto
ensanguentado sob um fundo preto) e algumas faixas bônus, retiradas de um show
ao vivo executado Ridderkerk, na Holanda, em 1986. As faixas são: FRONTAL ASSAULT, SCREAMIN’ N’ BLEEDIN’ e STRAIGHT FROM HELL. Nesse show, Kevin Heybourne assumiu tanto a guitarra como os vocais, sendo que
a primeira e a terceira faixa estão disponíveis na versão de estúdio do
terceiro disco da banda, FRONTAL ASSAULT,
de 1986 (falarei a respeito deste disco na próxima vez). Curiosamente, as
versões em estúdio dessas musicas anda contavam com Dave Tattum nos vocais, num período que ficou marcado pelo fim do
ciclo desta banda nos anos dourados do Heavy Metal.
Não seria justo este disco marcar o final da carreira desta
promissora banda, que ainda mostraria uma outra faceta, um pouco mais elaborada
no álbum seguinte, FRONTAL ASSAULT. Mas as escolhas de Kevin que levaram para
este vinil vão ficar para outra história...
O álbum pronto para tocar. |
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