domingo, 20 de outubro de 2013

Screamin' N' Bleedin' - Angel Witch

O segundo disco da influente banda inglesa Angel Witch (versão de 2004 lançada pelo selo Archaic Temple Productions)
Há em todos nós, frequentemente, um sentimento de mudança repentina, que nos faz, muitas vezes, querer largar tudo e partir para novos desafios, novas perspectivas. Distante de ser uma paranoia, nos dias de hoje torna-se cada vez mais difícil tentar estabelecer esta conduta, visto que nosso cotidiano nos sobrecarrega de responsabilidades as quais não podemos fugir (família, trabalho, amigos, etc.) e que acabam por impor uma barreira que nos limita seguir muitos de nossos sonhos ou reais objetivos. Não se pode ignorar o fato que a vida de cada um é estabelecida pelas diversas coisas que se faz nesse cotidiano, e é inegável que a nossa própria rotina nos força a tomarmos certas atitudes que podem tanto deixar as coisas como estão como também podem alterar totalmente as nossas vidas. O centro da questão é: chegando ao ponto onde se torna necessária uma decisão sobre como agir ou como proceder diante de alguma situação, estamos preparados para assumir todos os riscos? Afinal, vale apena agir diante de uma circunstância ou é mais sábio apenas ignorá-la e seguir o fluxo das coisas?
O calendário marcava o ano de 1985 quando o persistente Kevin Heybourne dava o segundo passo de sua intrincada carreira musical, ainda cercado de dúvidas. Se o início da década d oitenta o apresentou para o mundo do Heavy Metal através de um disco aclamado pelos fãs (o clássico debut autointitulado), os anos seguintes não foram suficientes para firmar sua banda no competitivo cenário que se desenhava naquela época, há trinta anos. Sob essa ótica, o improvável havia acontecido, e algo bastante curioso cercou o futuro da banda, que mesmo contando com uma obra prima do gênero em sua bagagem não foi capaz de acompanhar o progresso do som pesado, e amargou longos quatro anos até conseguir lançar o seu próximo disco. Como nos dias atuais, quarenta e oito meses representam um tempo considerável e muita coisa pode muda nesse espaço de tempo. Tanta coisa que, como já dito nessas linhas, um só trabalho divulgado alguns anos antes, mesmo que impactante, parecia distante de tudo, apagado, antiquado. Não demorou muito para que Kevin incorporasse novos elementos na sua criação e o ANGEL WITCH passasse por mudanças consideráveis em sua forma de agir e falar, deixando de lado algumas de suas características ao passo que incorporava algumas novas, mais atuais se comparadas com as do início de sua carreira.
Para tanto, Kevin tratou de mudar a estrutura interna da banda, fazendo alterações que influenciariam tanto na dinâmica como na personalidade do grupo. De todas essas alterações, a que causou mais impacto sem dúvida foi a extinção do formato power trio para a adoção do quarteto (isso mesmo, naquela época quarteto era sinônimo de dinâmica), mas engana-se quem pensou que Kevin daria a oportunidade de um outro  guitarrista competir com ele pelo posto das seis cordas. Com a saída de Kevin ‘Skids’ Riddles, o baixo foi assumido por Peter Goldelier que não comprometeu na sua função, enquanto entendia-se com o baterista Dave Hogg, amado pelos fãs da banda. Sendo assim, restou apenas uma poção óbvia de qual posto sofreria alteração drástica. Kevin decidiu se dedicar apenas a tocar guitarra, cedendo o posto de vocalista para o desconhecido Dave Tattum, que para muitos possuía um timbre vocal similar ao de Kevin, portanto, não causaria tanta estranheza por parte do público.
Naquele ponto da história, a adição de um vocalista fixo pareceu ser uma escolha acertada, visto que Kevin passou a adicionar mais melodia as suas composições, trazendo algo mais próximo de grupos mais diversificados, como THIN LIZZY e JUDAS PRIEST, mesmo mantendo-se como o único guitarrista da banda. A forma de compor as canções também sofreram modificações drásticas, sendo que as influências “sabáticas” haviam cedido lugar para algo mais próximo do acessível, se é que no Heavy Metal algo é realmente acessível. As constantes investidas ao lado do oculto cediam lugar a melodias mais suaves, contudo ainda bastantes pesadas, enquanto as letras ainda causavam certo impacto, contudo privadas de certo fascínio, algo que o disco anterior executou com maestria. Dave mostrava em alguns momentos que substituir Kevin não seria uma tarefa muito complicada, sabendo que cantar em notas altas era seu forte, e muitas das faixas do ANGEL WITCH necessitavam desta linha de alcance. Kevin, por outro lado, soltou-se mais a partir de então, mostrando facetas que antes não se enquadrariam no contexto da banda, além de contribuir com os vocais de suporte, fundamentais em várias canções do novo disco.
Criava-se então a segunda encarnação do prodígio time da NWOBHM, que agora passava a contar com o auxílio da gravadora Killerwatt Records, responsável por administrar bandas de Thrash/ Speed Metal como os americanos do DEATH MASK e os suecos do MANINNYA BLADE. A nova formação do ANGEL WITCH procurou administrar o bom momento vivido a partir daquele ponto, sabendo que a banda estava passando por situações difíceis desde a sua formação, no fim dos anos setenta. Para tanto, em Abril de 1985 um álbum de inéditas já estava sendo gravado no estúdio AVM, localizado na Inglaterra, e seria lançado cinco meses após.
O disco com o encarte aberto (faltou as letras das musicas...)
Produzido por Les Hunt, o segundo disco do ANGEL WITCH saiu oficialmente em 28 de Setembro daquele ano e apresentava os elementos discutidos nessas linhas, deixando, a princípio, uma impressão de que a nova fase seria duradoura, estável. O álbum, intitulado SCERAMIN’ N’ BLEEDIN’, mostrava claras facetas de um estilo mais rítmico, realmente mais próximo dos grandes medalhões do Heavy Metal. A faixa de abertura, WHOSE TO BLAME, possui uma base interessante, mostrando a força que Hogg possuía ao atirar sobre seu kit constantes batidas, enquanto Dave logo de cara mostrava para que veio, com boas doses de técnica vocal. Entre uma ou outra faixa, EVIL GAMES mostra-se bastante eficiente (com direito a um coral de crianças de Alton ao fundo), sobretudo nos improvisos das seis cordas, onde Kevin dá uma deixa de que era um guitarrista subestimado, principalmente nas bases. A faixa título emprega bem o lado mais melódico da película, e de forma bastante agressiva deleita o ouvinte com um solo avassalador de Kevin que, inegavelmente, possui para si mais atenção que os demais integrantes, principalmente no momento em que divide os vocais com Dave. Pete até que tenta mostrar mais desenvoltura em sua forma de tocar, mas o barulho dos demais instrumentos impede um desempenho mais frenético. Abordando o lado mais reformulado do grupo, a incursão de Dave e o fato de Kevin estar mais livre para tocar contribuiu para o desenvolvimento de baladas (isso mesmo que você leu, baladas) mais aprazíveis aos ouvidos do público. As canções REAWAKENING e GOODBYE mostram que este tipo de canção contribuiu bastante para deixar o disco mais homogeneizado, alterando bem o lado mais cru e o mais melódico das faixas. AFRAID OF THE DARK também deixa clara esta intenção de mesclar o lado mais rude com o mais pacífico, acenando com as duas mãos para facetas mais trabalhadas. A guitarra, como sempre, ganha força nesses casos, e isso foi perfeito para Kevin, que encontrou espaço para improvisar mais.
O disco em geral é competente, com boas canções. Contudo, como já era de se esperar, nem tudo são flores no caminho de Kevin e companhia. Para a banda, trazer novos elementos e decidir por procurar novas formas de tocar e se apresentar mostrou um lado mais ousado dos integrantes, mas em momento algum mudança é sinal ou garantia de prosperidade. Em muitos casos, seguir novos caminhos pode levar a rumos estranhos, principalmente quando os passos seguem uma linha mais pretenciosa. Em se tratando de uma banda, a mudança de rumo pode significar tanto o sucesso absoluto como um fim precoce. O disco em questão apontava para um final trágico do grupo, mas não naquele momento, não naquela ocasião.
O fato do ANGEL WITCH ter acertado tão bem a mão no primeiro disco, fazendo com que ele chegasse ao patamar de referência de um movimento contribuiu para deixar os ânimos dos rapazes excitados,  ponto de procurarem por novos caminhos de conduzir sua musica. Ainda em 1982 a banda se dissolveu após muita pressão, deixando Kevin em situação delicada. Em 1984 ele optou por reformar o grupo como um quarteto, aproveitando a permanência de Hogg e usando a saída de ‘Skids’ para alterar a sonoridade do baixo com a inclusão de Pete e incluir Dave para assumir os vocais, o que garantiu a banda o novo direcionamento. Na teoria, isso equilibraria os quatro anos de diferença entre o primeiro e o segundo disco, dando uma nova vitalidade para o conjunto, porém alguns percalços acabaram por limitar as ambições de Kevin. A começar pela gravação, que distorceu demais os instrumentos, os antigos fãs não digeriram bem a nova forma de tocar do grupo que, ao se aproximar da veia mais melódica das bandas maiores, distanciou-se do lado mais introspectivo das bandas mais primitivas, perdendo muito de sua essência nesse processo.
O fato de Kevin procurar deixar seu trabalho mais atual mostrou que ao longo dos anos o guitarrista passava a desenvolver o seu lado mais autoritário, sendo frequentes as ocasiões nas quais decidia com mãos de ferro o futuro do grupo. Juntando esses fatores, o que saiu deste trabalho provou que mesmo diante de novas atitudes, a escolha ainda é o fator que mais influencia no resultado final de qualquer ação.
Como dito neste texto, o disco em questão ainda não seria responsável pelo ponto final desta fase da banda. Com a ótima safra de discos na metade dos anos oitenta, o álbum acabou sendo pouco expressivo e não emplacou como deveria, ficando apenas como uma obra obscura do grupo.
O disco foi relançado em 2004 pelo selo Archaic Temple com uma nova arte de capa (o LP original apresentava uma harpia sob uma sepultura, segurando um machado com a mão direita e uma jovem seminua presa pelos cabelos na mão esquerda, enquanto a nova versão passou a contar com um rosto ensanguentado sob um fundo preto) e algumas faixas bônus, retiradas de um show ao vivo executado Ridderkerk, na Holanda, em 1986. As faixas são: FRONTAL ASSAULT, SCREAMIN’ N’ BLEEDIN’ e STRAIGHT FROM HELL. Nesse show, Kevin Heybourne assumiu tanto a guitarra como os vocais, sendo que a primeira e a terceira faixa estão disponíveis na versão de estúdio do terceiro disco da banda, FRONTAL ASSAULT, de 1986 (falarei a respeito deste disco na próxima vez). Curiosamente, as versões em estúdio dessas musicas anda contavam com Dave Tattum nos vocais, num período que ficou marcado pelo fim do ciclo desta banda nos anos dourados do Heavy Metal.

Não seria justo este disco marcar o final da carreira desta promissora banda, que ainda mostraria uma outra faceta, um pouco mais elaborada no álbum seguinte, FRONTAL ASSAULT. Mas as escolhas de Kevin que levaram para este vinil vão ficar para outra história...


O álbum pronto para tocar.

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