domingo, 24 de novembro de 2013

Heavy Metal Breakdown - Grave Digger

O primeiro álbum da banda alemã de Heavy Metal Grave Digger.
Uma das coisas que mais me impressionam em meio á tanta tecnologia e modernidade é a simplicidade como algumas atitudes são tomadas, visando um resultado prático e funcional. Não é de hoje que estamos acostumados a ouvir que fazer o prático é o correto, e que nem sempre o meio mais complexo ou mais elaborado é o mais eficaz. Em muitos momentos, fazer o óbvio é o que determina um resultado mais eficiente, aquele que se encaixa na situação da maneira mais correta e singular.
Aposto com qualquer um que o vocalista Crhis Boltendahl nem pensava em mudar o mundo quando começou uma banda, na cidade de Gladbeck, localizada no estado de North Rhine-Westphalia, no oeste da Alemanha (o mesmo estado da banda BLIND GUARDIAN, que é oriunda a cidade de Krefeld e do ACCEPT, que pertence a cidade de Solingen). Nascido no município de Colonia, o jovem alemão via aos seus dezoito anos o sonho de montar uma banda virar realidade, ao unir-se com os jovens Peter Masson e Phillip Seibel e começar a tocar as primeiras notas de um futuro promissor. Acumulando as funções de vocalista e baixista, Boltendahl criava as bases musicais enquanto Masson garantia o ritmo na guitarra e Seibel comandava as ações na bateria, ao passo que lentamente a banda começava a atrair indivíduos que iam apreciar os seus trabalhos. Essas foram as ações que compuseram os primeiros passos do GRAVE DIGGER.
Em 1982 o grupo lançou no mercado uma demo que continha seis faixas, sendo os destaques as canções SHOOT HER DOWN, 2000 LIGHT YEARS FROM HOME e RIDE ON  que obtiveram boa repercussão no cenário da musica pesada alemã. No início dos anos oitenta diversas bandas despontavam no solo germânico, e Boltendahl estava lado a lado com dezenas de outros jovens talentosos e determinados, que assim como ele buscavam arduamente o sonho de seguir carreiras triunfantes dentro do Heavy Metal, como os ídolos britânicos do JUDAS PRIEST, IRON MAIDEN e MOTÖRHEAD ou mesmo os heróis nacionais, SCORPINOS e ACCEPT - o primeiro já muito conhecido por toda a Europa e o segundo uma promessa que despontava como um dos conjuntos mais interessantes dos últimos anos.
Correspondendo a expectativa de continuar no mundo do som pesado, no ano seguinte o grupo dedicou-se a apresentar um trabalho mais sólido, com composições mais trabalhadas e melhor produzidas. O resultado foi a segunda demo, BORN AGAIN, que contava como trunfos as faixas LEGIONS OF THE LOST, WE WANNA ROCK YOU e HEAVY METAL BREAKDOWN, canção esta que faria uma transformação na banda e passaria a acompanha-la em todos os palcos desde então. O estilo cru e direto das musicas seguia o mesmo padrão do lançamento anterior, com notas que iam do Heavy Metal tradicional para algo orientado ao Speed Metal, uma novidade na primeira metade da década e oitenta. A formação sofreu ajustes, com a inclusão do baixista Will Lackmann (falecido em 2013 por causas não divulgadas), que deixava Boltendahl livre para interpretar melhor as canções e do baterista Albert Eckardt, mais técnico que seu antecessor.
Nesta segunda tentativa o trabalho mostrou-se mais consistente, tanto que agradou os diretores da gravadora Noise Records, que convocou os rapazes para participarem de uma coletânea que unia canções de diversos novos grupos do Heavy Metal alemão. Ainda no ano de 1983 o selo lançaria o Split ROCK FROM HELL – GERMAN METAL ATTACK, que trazia num único disco músicas das bandas S.A.D.O., RUNNING WILD, RATED X, RAILWAY e claro, o GRAVE DIGGER, que em pouco mais de trinta e cinco minutos mostraram ao mundo a força do Heavy Metal alemão, infestando os lares de milhares de jovens por todo o mundo.
As faixas escolhidas pela banda para representar seu trabalho foram VIOLENCE e 2000 LIGHT YEARS FROM HOME, visto que este inusitado cover da banda britânica ROLLING STONES apresentava palhetadas furiosas sem igual, ideal para sacudir as cabeleiras emaranhadas dos metalheads.
Mais uma vez os esforços de Chris e sua banda obtiveram ótimos resultados e o grupo foi agraciado com um contrato bancado pela Noise, que garantia ao quarteto o lançamento de seu primeiro disco oficial. Enfim o sonho de Boltendahl estava muito próximo de virar realidade, e o primeiro passo para uma vida repleta de aventura e desafio estava a poucos meses de gravação no tradicional Music Lab Studio, localizado em Berlim.
O disco com o encarte aberto mostrando a capa do raro EP Shoot Her Down!
Produzido por Karl-Ulrich Walterback e a própria banda, o disco merecidamente intitulado de HEAVY METAL BREAKDOWN apresentava na capa o mesmo desenho da demo BORN AGAIN, criado por Bern Gansohr. Com traços simples, porém funcionais, a capa mostra o planeta terra visto do espaço, sendo que o lado esquerdo é representado por uma face de um crânio humano, enquanto o lado oposto possui uma enorme cruz de madeira sob fortes chamas em sua base. A única diferença está no acabamento mais detalhado, enquanto a capa da demo está precariamente estampada sob um papel vermelho.
Gravado e lançado no ano de 1984 (mais precisamente em 20 de outubro), o disco vinha embalado por uma verdadeira onda de Heavy Metal que se alastrava por toda a Alemanha, visto que nesta época ocorreu uma enorme transformação no cenário da música pesada local. Grupos como KREATOR, RUNNING WILD, IRON ANGEL e muitos outros estavam despontando, apresentando seus primeiros trabalhos e mostrando que possuíam competência no campo do som pesado, assim como Chris e companhia.
O trabalho abre de forma potente com Boltendahl encarnando um verdadeiro vociferador em meio a eficientes técnicas de guitarra, baixo e bateria. HEADBANGING MAN mostra um lado pesado, rápido e agressivo, unindo o vocal rasgado de Chris ao instrumental funcional de maneira prática e segura. Logo de cara percebe-se que houve um salto técnico da produção se comparada com as demos lançadas no início da década, contudo ainda são notórias algumas falhas durante o procedimento, como o instrumental abafado durante toda a audição do disco. Um fato pouco comentado é que Harris Johns trabalhou como engenheiro de som neste LP, sendo que alguns anos depois Harris ficaria famoso em toda a Europa como um renomado produtor de bandas de som pesado.
A faixa título é a seguinte, sendo que é a mesma apresentada no tracklist de BORN AGAIN, com melhorias consideráveis em sua execução. Nos dias de hoje, quando se fala de GRAVE DIGGER cria-se certa discussão entre os fãs, visto que no neste início de carreira o estilo do grupo consistia em canções mais simples e práticas, contando com poucos arranjos. Para os fãs mais recentes e apreciadores da fase mais épica do conjunto, com músicas mais elaboradas e arranjos sofisticados, essa fase é tida como datada e precária, o oposto da opinião dos fãs mais velhos, que veem na canção citada o pináculo da simplicidade e objetividade não só deste, mas de qualquer grupo que se proponha a fazer rock. O fato inegável é que HEAVY METAL BREAKDOWN ainda consta em qualquer show do grupo, sendo nesses mais de trinta anos o carro chefe da banda, apresentada por Chris e cantada em uníssono pelos fãs, sejam os mais jovens ou os veteranos.
BACK FROM THE WAR apresenta uma linha mito explorada pelas bandas alemãs: a guerra e suas consequências. Marcada por um andamento cadenciado, o destaque fica com as baquetas de Eckardt, que comanda a faixa com uma execução cativante, enquanto o refrão forte faz presença no meio e na parte final da canção.
Em meio à sonoridade crua e ríspida, há uma balada que se destaca principalmente pelo arranjo de piano e pelo vocal bem empregado de Chris. Trata-se da música YESTERDAY, que contou com o auxílio do tecladista Dietmar Dillhardt e foi regravada e lançada como single em 2006. A faixa foi gravada com base em um Blues escrito pela compositora Beate Marquardt sendo que, curiosamente, os dois álbuns seguintes do grupo, WITCH HUNTER (1985) e WAR GAMES (1986) apresentam a mesma fórmula, incluindo uma balada em meio às demais faixas agressivas e de som abafado.
Bem no meio do disco o vigor chega novamente com tudo, e a agressiva faixa WE WANNA ROCK YOU dá as caras. Uma das musicas mais legais da banda desde os tempos de BORN AGAIN, a canção foi responsável por eufóricas apresentações nas casas de show germânicas, onde a plateia explosiva gritava junto com Chris o brilhante refrão! Simples e prático como dito nas primeiras linhas deste texto.
O começo acústico de LEGION OF THE LOST remete ao ouvinte uma passagem mais calma e tranquila, contudo a faixa vai ganhando força conforme caminha, culminando em uma apresentação digna de aplausos. A faixa TYRANT segue as características de um Heavy Metal potente e feito com vontade, preparando o terreno para o cover que evidentemente não poderia faltar neste disco. 2000 LIGHT YEARS FROM HOME chega com a mesma força de quando saiu na primeira demo, há pouco mais de dois anos atrás. A faixa, que mostrava ousadia para a época, principalmente por não se tratar de algo mais pesado ou radical, empregava notas cruas e agressivas, casando perfeitamente com a proposta da banda para aquele primeiro trabalho. Se contassem dessa versão para Keith Richards e Mick Jagger, os Glimmer Twins, sem dúvida eles ficariam orgulhosos.
O final ficou por conta da acelerada HEART ATTACK, que soa como um míssil Speed Metal comandado pela batida frenética de Eckardt e a guitarra emaranhada de Masson. Os quase quarenta minutos de pura energia findam-se de forma objetiva, deixando para os fãs uma necessidade de ouvir o disco novamente apenas para apreciar a energia deste trabalho descompromissado com o sucesso ou o mainstream.
O disco foi responsável por colocar o GRAVE DIGGER no mapa, porém era apenas o começo da jornada para Chris e sua banda. Sendo o único membro fixo no grupo desde sua formação, Boltendahl passou por diversas transformações dentro do conjunto, como as fases mais Hard Rock e AOR, o que culminou com o encerramento temporário das atividades da banda, voltando para algo mais tradicional no início dos anos noventa e mudando novamente para uma roupagem mais épica, fase esta que durou até recentemente, quando enfim passou a contar com performances que ficam entre o Heavy Metal e o Power Metal. Para os fãs, este registro é um item obrigatório, mesmo que simplório, enquanto que para os apreciadores da musica pesada em geral fica a dica sobre como soar de forma descompromissada, prática e espontânea, sem tentar ser o parecer mais do que realmente é. Ponto para a simplicidade.
Assim como os álbuns do ACCEPT e do SCORPIONS eram referência para toda a cena de musica pesada que se formava na Alemanha no início dos anos oitenta, o disco de estreia do GRAVE DIGGER tornou-se um marco para as gerações seguintes, indo além da expectativa de Boltendahl e servido como base para várias outras bandas não só na Europa, mas em todo mundo. Países como o Japão e o Brasil despontam como os grandes centros de adoração ao grupo, sendo que São Paulo possui um dos maiores fãs clube de todo o planeta dedicado ao conjunto. A prova da importância deste clássico registro fica por conta de seus diversos relançamentos, que partem desde o LP produzido pelo selo Megaforce para o mercado norte americano até as versões mais recentes em CD, disponibilizadas há três anos. A versão em vinil prensada pela Megaforce Records ainda nos anos oitenta fez uma confusão com as faixas, omitindo o cover dos Stones ao mesmo tempo em que incluía uma faixa do EP SHOT HER DOWN! (no caso, a faixa STORMING THE BRAIN) e a versão mix da musica WE WANNA ROCK YOU, que substituiu a versão original. O resultado deixou a versão da Megaforce bem diferente em relação à versão da Noise. Há ainda Uma versão em CD exclusiva e muito rara produzida no Japão do ano de 1994, apresentando o título de HEAVY METAL BREAKDOWN/ RARE TRACKS, onde faixas do EP SHOT HER DOWN! (1984) e de diversos singles constam como bônus do pacote. Entre elas, destacam-se as canções VIOLENCE (tirada do Split de 1983 ROCK FROM HELL – GERMAN METAL ATTACK comentada acima), SHOOT HER DOWN e STORMING THE BRAIN (do EP SHOOT HER DOWN!), as faixas DON’T KILL THE CHILDREN e GIRLS OF ROCK’N’ROLL (da compilação THE BEST OF EIGHTIES lançada em fevereiro 1994) e as inusitadas STRONGER THAN NEVER e I DON’T NEED YOUR LOVE (tiradas do disco STRONGER THAN EVER, lançado em 1986 num período em que a banda atendia somente pelo nome DIGGER e praticava uma mescla de Hard Rock com AOR). O álbum contou com diversas versões durante os anos 90 e 2000 disponibilizadas por várias gravadoras licenciadas mundo afora (em 1994 pela Dark Wings/ Modern Music e em 2003, 2007 e 2010 pelo proprietário dos direitos do disco - segundo o site http://www.metal-archives.com o proprietário provavelmente é a Sanctuary Records), sendo interessante ressaltar que em nenhuma destas versões as faixas foram alteradas, tão pouco passaram a contar com os bônus da versão japonesa, o que manteve o conteúdo da forma mais fiel possível em relação ao lançamento original de 1984. Afinal, por que o mesmo deveria sofrer alguma alteração, já que a forma direta e crua com que foi gravada garantiu seu lugar no universo do Heavy Metal por todos esses anos? O que é simples deve permanecer simples, não só para o próprio bem, mas para o bem de toda a modernidade, esta dependente da simplicidade para existir e se justificar.

  
Um close entre a capa, o encarte e o disco.
 Escrito em 23 de novembro de 2013 às 20hrs e 30min.




domingo, 17 de novembro de 2013

Altars Of Madness - Morbid Angel

O disco em sua versão dualdisc remasterizado, de 2006.
A humanidade, na esperança de encontrar um refúgio para suas expectativas, procura sempre apoiarem-se nas mais diferentes vias. Desde os primórdios, nas épocas em que desenhávamos nas paredes figuras de animais com o intuito de, a partir de tal manifesto, realizar literalmente a captura da alma da criatura para então facilitar o processo da caça, passamos a sustentar nossas ideias nos atributos sobrenaturais, de qualidades existentes, porém nunca completamente comprovadas ou compreendidas. Atribuíamos às manifestações naturais qualidades que estavam além da nossa compreensão, visando justamente compreender seus efeitos, nascendo daí os paradigmas para o domínio de tais fatores. A manipulação do fogo e a construção de ferramentas para propagar o pensamento humano partiram deste princípio.
A humanidade foi evoluindo com o alvorecer das eras, trazendo mais conhecimento sobre estas manifestações e aprimorando o que já havia explorado. Os povos do oriente já praticavam atos religiosos para os mais diversos fins, seja para vida ou para a morte, condensando muitos conceitos pelos quais já havia experimentado uma ou outra sensação peculiar. Cultos surgiram para reverenciar os atributos da terra, enquanto outros procuravam exaltar sua adoração aos mares e aos céus, encerrando um ciclo que só prosperava, conforme a própria humanidade encontrava-se cada vez mais acolhida pelo senso de compreensão e domínio do fantástico e do sobrenatural.
Mestres em compreender os efeitos da natureza sobre os seres vivos, os egípcios tinham enraizada em sua cultura diversas formas de expressar essas manifestações. O ato religioso estava entrelaçado não só com sua vida, mas com sua existência em geral, passando pelo mais alto posto entre os indivíduos de seu povo, o faraó, até o mais reles camponês. Grupos religiosos procuravam dar uma razão para todo o universo sobrenatural, personificando tais manifestações no formato de deuses, adorados por toda uma raça, na saúde ou na doença, na vitória ou na derrota. Não foi diferente com os gregos, nem com os assírios, muito menos com os povos do leste e do sul do planeta. Até mesmo aqui, nas terras tropicais da América existiam povos que pregavam sua conduta religiosa baseada amplamente em sua própria forma de ver e encarar o mundo.
A questão moral de todo caso manifesta-se no ponto onde o indivíduo, munido de todo esse domínio sobre o ato religioso e seus potenciais benefícios procura, se não totalmente, com frequência o amparo da religião para combater suas aflições. Não seria errado encontrar um refúgio na fé, visto que a mesma encontra-se em cada um de nós, mas torna-se mesmo necessário o ato de ir de encontro à religião para resolver todos os problemas que surgem diante de nós? Seria a raça humana de hoje um produto da alienação, visto que desde nossa existência como seres racionais sempre atribuímos a religião o caráter de mediadora entre o compreensível e o incompreensível?
Foi partindo deste princípio que o então sonhador George Emmanoel III, nascido em Bellingham, cidade localizada no estado norte-americano de Washington, decidiu por início em sua empreitada rumo ao “desafogamento” do subconsciente humano. Dotado de uma capacidade que o permitia ver muito além dos dogmas existentes em cada religião, o jovem alto, magro e de cabelos negros engrenhados desfilava uma visão muito tenaz sobre o ato da fé comungada nas inúmeras formas de religião que existem no planeta. Não obstante, sua forma de empregar tal domínio das ideias dentro de um espaço de ampla discussão deu-se da maneira mais radical possível: no campo da música pesada. Guitarrista promissor, já reconhecido entre os familiares e amigos como um grande gênio das seis cordas, mudou-se para a cidade de Tampa, município com a maior população do condado de Hillsborough, na Flórida, iniciando uma carreira que lhe traria um sucesso talvez jamais imaginado. Adotando o pseudônimo de Trey Azagthoth, ao qual credita aos ‘Deuses Ocultos Antigos’ rumou para seu objetivo com uma criação que, nas suas palavras, exprimia o “puro caos”. Era 1984 quando, da mente de um ser obstinado pela própria conduta nascia o MORBID ANGEL.
Até que Trey juntasse forças com o vocalista e baixista Dallas Ward e o baterista e também vocalista Mike Browning, sua criação praticava apenas performances instrumentais. Tendo um time consigo, os trabalhos foram ganhando forma, atravessando os primeiros anos reagindo bem aos ideais propostos por seu líder. Contudo, foram necessárias algumas boas demos e splits no mercado para o grupo alinhar-se, passando por diversas reformulações até culminar em seu line-up definitivo, estabilizando-se com David Vincent no vocal e baixo, Richard Brunelle dividindo as guitarras com Trey e Pete Sandoval no comando das baquetas.
Sem desviar-se do foco principal e fazendo justiça aos seus ideais contra a doutrina religiosa como ferramenta de manipulação, a banda era adepta de conceitos satânicos e antirreligiosos em sua temática, trabalhado de forma bem acurada os princípios que a faziam tão única no cenário do som extremo. O fato de o death metal ter surgido com força na segunda metade da década de oitenta ajudou a alavancar o status da banda, apontada como uma das pioneiras do gênero, ao lado das igualmente velozes, pesadas e (pelo menos no início) blasfemas DEATH e POSSESSED. Comparações à parte, o fato é que com o MORBID ANGEL todo esse universo ganhava uma nova aura, com um status que ia além da mera abstração, buscando algo mais sólido, tangível. Era assombrosa a forma como Trey tocava nos shows, com direito a atos de automutilação para fins ritualísticos. Enquanto o sangue literalmente corria entre seus dedos, as milhares de notas despejadas com uma inacreditável precisão deixavam os espectadores boquiabertos, como que diante da sinfonia do juízo final. Fã declarado da lenda Jimi Hendrix, tinha como sua maior inspiração as composições clássicas do austríaco Mozart, enquanto sua referência máxima na guitarra era o líder do grupo de hard rock VAN HALEN, Eddie Van Halen. A destruição sonora seguia firme acompanhada pelas batidas insanas de Pete, que mostrava com extrema competência o que muitos achavam impossível de se executar, sendo que as apresentações eram completadas pela presença marcante de David com seu vocal semi urrado, trazendo à tona notas marretadas de baixo e a guitarra notável de Richard, segurando as pontas deixadas entre os solos desconcertantes e a cacofonia sonora projetada pela banda, das paredes de amplificadores direto para os ouvidos desprotegidos da plateia. Covardia.
Amparada por toda a bagagem que possuía durante os anos em que esteve literalmente inserido no underground musical, o grupo gravou em 1986 o álbum ABOMINATIONS OF DESOLATIONS, carregado com toda a distorção e primitivismo possível. Contudo, a obra não viu a luz do dia durante aquela década, sendo que o trabalho ficou engavetado por cinco anos, vindo a ser lançado apenas em 1991. Tal fato impediu que o disco se tornasse o primeiro full lenght da banda, abrindo espaço para a joia que debutou o conjunto para o estrelato.
O disco com o encarte aberto, mostrando as letras das musicas e algumas fotos raras do início da banda.
Gravado na Meca do som extremo, o Morrisound Studois, localizado na mesma cidade da banda e produzido por Dig Pearson em parceria com o grupo, foi no dia 12 de Maio de 1989 que o mundo presenciou a peça cujo tema principal trazia todos os elementos dos quais Trey tanto estava obcecado em disseminar. ALTARS OF MADNESS veio ao mundo embalado por uma capa concebida pelo ilustrador Dan, do ‘Orrible Artwork que traduz bem a temática do título e do álbum, onde um portal abre-se dos céus para trazer ao nosso plano criaturas de um espaço caótico e nefasto, reproduzindo bem os conceitos de irregularidade propagados pelo conjunto. A película abre com a faixa IMMORTAL RITES e logo de cara percebe-se que a banda nasceu para manter erguida a bandeira da vanguarda no universo do som extremo. Com um acompanhamento de teclado que intercala os momentos mais intensos da faixa, a levada incomum até mesmo para o Death Metal mostra muito mais que ousadia. O som traz à tona aquela sensação singular que se tem apenas quando o suspense atinge o clímax. Canção digna dos grandes filmes de terror.
A sequência traz a música SUFFOCATION que, embalada pelas mesmas notas ríspidas e abafadas, mantém ativa a mesma sensação. Durante a metade da faixa é possível acompanhar uma daquelas ‘paradinhas’ tão comuns às bandas de Thrash Metal, sendo que apenas o baixo de David dá o ar da graça. São menos de cinco segundos onde o instrumento brilha de forma única. No fim, um solo absurdo executado por Trey deixa a digital da originalidade. De arrebentar com os ossos do pescoço!
A faixa VISIONS OF THE DARK SIDE traz o resultado dos vários anos praticando uma mesma base sonora, mostrando um conjunto extremamente entrosado. As guitarras seguem em ritmo de desconstrução de escalas, onde aparentemente tudo vai sair do controle. Talvez isso até ocorresse, não fosse a pegada precisa de Pete, um visionário do bumbo duplo. Das mãos de Trey surge o riff que precede uma avalanche de notas destruidoras, engajada por uma gargalhada horripilante de David. MAZE OF TORMENT desenrola uma das canções mais emblemáticas da banda, onde as ilusões vividas pelas pessoas tomam forma e assume a realidade, tornando o indivíduo um escravo de seu próprio universo. O mesmo riff inicial reaparece logo após a execução da segunda parte da faixa, só que de maneira muito mais arrastada, tornando o clima do disco em algo terrivelmente hipnótico. Aos desavisados, essa faixa pode causar convulsões. CHAPEL OF GHOULS é provavelmente a canção mais famosa do disco, onde o teclado novamente acompanha os momentos mais inspirados da musica. O peso está em evidência, assim como os solos distorcidos e desconexos, mantidos em ordem com dificuldade pelos demais instrumentos. Todo esse conjunto instrumental foi feito de propósito, não deixando brecha alguma mesmo com toda a bagunça aparente. BLEED FOR THE DEVIL deixa clara as influências das bandas de Speed e Black Metal mais antigas, onde os bumbos do kit de Pete trabalham a mil por hora. Curiosamente a faixa encerra-se aos exatos 2min. e 22seg.
DAMNATION segue a mesma filosofia da faixa anterior, dando ênfase para a bateria e o sincronismo das guitarras. Fica claro nesta faixa que Trey era um partidário da revolução do instrumento dentro do som extremo, sendo que sua técnica acurada serviria de inspiração para toda uma geração de grupos. Os primeiros segundo de BLASPHEMY trazem um tiroteio frenético, embalado pelo vocal firme de David e pela velocidade absurda de todos os instrumentos. Enquanto o vocalista discorre temas profanos como um sacerdote demoníaco, a faixa alterna entre momentos de pura distorção e outros mais lúcidos, com direito a levadas cadenciadas, inclusive. O badalar de algumas barras encerra a canção com méritos. EVIL SPELLS é a música que põe créditos finais ao LP, sendo que os primeiros segundos da canção trazem o lado mais agressivo do conjunto, mas parece que aqui tudo se condensa como se fosse um resumo de todo o disco. Nota-se a distorção dos instrumentos, a cadência e a velocidade absurda da bateria, o compasso preciso dos integrantes da banda, enfim, toda a obra encaixada em uma única faixa. O final traz um lance inusitado entre os instrumentos, onde a progressão das notas leva a música para uma sequência aparentemente interminável, como um ciclo infinito. E lá se vão os quase quarenta minutos da bolacha.
Muito além do fato do MORBID ANGEL ter se tornado com o passar dos anos uma das mais influentes bandas de Death Metal de todos os tempos (os anos posteriores comprovariam este feio, sendo que a banda atingiu a marca de mais de um milhão de cópias vendidas somando todos os seus trabalhos), o grupo mostrou ao mundo indivíduos com talento ímpar para compor e executar canções dentro do universo do ocultismo. Embora todos os integrantes do conjunto tenham participado do processo de composição das faixas do álbum, nota-se que há um destaque para Trey Azagthoth e David Vincent, que aparecem creditados em oitos das nove faixas regulares do trabalho. Enfim Trey pôde mostrar ao mundo sua filosofia de vida, e o mesmo em retribuição passou a acompanhar sua jornada rumo à autossuficiência do intelectual humano.
O álbum em si simplesmente abalou as estruturas do underground, proporcionado uma reviravolta jamais vista no som extremo. Se for possível dar conceito para o gênero musical executado pelos rapazes, é perfeitamente aceitável que a banda ajudou a desenvolver a primeira, a segunda e até a terceira escola do Death e do Black Metal, sendo esta última a absorver os conceitos do grupo de uma forma mais emblemática. Logo após o lançamento o disco atingiu rapidamente o primeiro lugar das paradas musicais independentes da Europa, proporcionando ao conjunto a chance de encabeçar a notável Grindcrusher Tour, que passeou pelo velho continente movida ao som de CARCASS, BOLT THROWER e NAPALM DEATH. Se isso ainda não prova que no final dos anos oitenta o grupo estava no topo da montanha do som extremo, vale lembrar que é dela o privilégio de ter sido a primeira banda a assinar um contrato com um grande selo, o Giant Records, em associação com nada menos que a Warner Brothers Records. Um feito para poucos.
Ainda hoje, vinte e cinco anos após o lançamento do disco, esta pérola ainda gera impacto na comunidade headbanger. O advento do CD proporcionou ao relançamento do álbum a faixa LORD OF ALL FEVERS AND PLAGUE, que preencheu o meio do disco, apresentando a mesma pegada das   demais faixas. Em 2006, o CD foi lançado no formato dualdisc, sendo que um lado agrega a parte comum da gravação e a outra um DVD contendo uma das apresentações insanas do grupo, regadas a exibições irrepreensíveis de Trey e companhia.
Os portais do mundo terreno foram profanados, e a humanidade estava exposta a um novo conceito filosófico, que quase rompe com os padrões básicos da música pesada. Em suas composições, Trey Azagthoth enfatiza que o objetivo do conjunto é livrar o ser humano da condição de “cego” que se encontra em relação a si mesmo. Ele fundamenta sua opinião no fato de existirem indivíduos no mundo inteiro que fecharam seus olhos para as questões mais intimas existentes em cada um, preferindo escolher a comodidade de qualquer religião para resolver suas questões. Com o passar dos anos os conceitos satanistas deram espaço para outras experimentações, modificando levemente os padrões estéticos do conjunto, mas nunca tirando o foco deste revolucionário da música. Entender a relação que separa o homem da religião e o apresenta aos seus próprios dogmas existenciais, tornando-o um ser lúcido de suas ações é uma condição para poucos. Creio que os passos de Trey ainda continuam firmes em sua jornada.


O álbum no ponto para tocar.

Escrito em 23 de Junho de 2013 às 20hrs. e 15min.


domingo, 10 de novembro de 2013

Angel witch - Angel Witch

O tradicional disco da NWOBHM e a sua bela capa
É frequente nos dias de hoje as pessoas dizerem que nada mais é inventado, sabe? Quando algo novo surge, muitos são os que dizem: “ah, mas isso aí já existia, não tem nada a ver, inclusive um amigo meu me contou...” indo contra a outra parcela de indivíduos que completa o raciocínio enfatizando: “Nossa! Maluco! Que troço bem louco! Ah, mas peraí, esse bagulho já foi feito!”. Pois é, essa impressão que se tem à cerca de algo novo é muito mais natural do que se imagina, pois ao entrar em contato com algo que nunca vimos automaticamente nossas mentes procuram taxar esse algo com alguma outra coisa que já existe ou vimos por ai. É o senso comum que age na mente de cada indivíduo, contribuindo para a aceitação ou rejeição de algo.
A ideia que possuímos de já conhecer tudo está amplamente ligada à forma como vivemos hoje em dia. Não é novidade para ninguém que o planeta Terra é um espaço globalizado, onde pessoas de todos os lugares com seus hábitos, costumes, crenças, enfim, com toda sua cultura transitam por aí, disseminando uma novidade para os olhares atentos de quem nunca os viu. Isso é fato, comprovado inclusive todos os dias por quem vos escreve. Outra ferramenta que contribui para tal ideia, mais presente ainda em nossas vidas do que o indivíduo estranho aos nossos olhos é a internet. Existente em nosso mundo há pelo menos trinta anos, quem nos dias atuais vive sem? Seria possível para eu hoje passar esse recado até vocês sem essa ferramenta? Difícil.
Ao passo que a internet evoluiu e tornou-se cada vez mais acessível para todos os indivíduos, uma barreira já antiga tornou-se cada vez mais enfraquecida, e cada um de nós, sentado em seu sofá pode ver o que está acontecendo no mundo inteiro, sem sequer precisar levantar e abrir a janela para ver se algo realmente acontece. Neste ponto, entra outra importante questão: será que tudo que vemos e ouvimos por ai realmente não é novo? Quero dizer, a frequência com a qual coexistimos com toda essa tecnologia do meio globalizado não está fechando nossos olhos e ouvidos para as coisas novas?
Na segunda metade dos anos setenta, no subúrbio de Beckenham, localizado no sul de Londres, um sujeito franzino, de cabelos loiros na altura das costas e expressões tímidas estava prestes a tomar uma decisão que mudaria sua vida. Recém-saído da inusitada banda funk-rock DEADLINE, o jovem guitarrista de voz abafada Kevin Heybourne juntou-se ao também guitarrista Rob Downing e formou o famigerado LUCIFER em 1976. O nome em questão durou pouco, pois já existia outro grupo que se utilizava da mesma alcunha, forçando os rapazes a procurar outro titulo.
Muitas mudanças ocorreram até a chegada do baixista Kevin ‘Skids’ Riddles que, ao lado do baterista Dave Hogg juntou-se aos guitarristas, compondo assim um time de quatro integrantes. Pouco depois Rob preferiu sair, estabilizando a formação como um power-trio. Para resolver a situação de como se chamaria a banda, os rapazes optaram por adotar o nome de uma das faixas que executavam em seus shows, tornando evidente a escolha do nome ANGEL WITCH, em 1978.
Os primeiros anos do grupo foram marcados por apresentações intensas no efervescente cenário do metal britânico do fim dos anos setenta. Era a explosão da NWOBHM, hoje cultuada pelos metalheads, mas que na época assobiava nos ouvidos do publico como a mais nova empreitada do som pesado. Uma novidade comparada apenas com a primeira leva de bandas de metal inglesas, o som daqueles novos grupos fortalecia a ideia de que os conjuntos mais antigos nunca se tornariam obsoletos no cenário musical, servindo como inspiração para as gerações seguintes.
Os shows na famosa casa de apresentações inglesa, o Ruskin Arms em East Ham, renderam uma reputação irrefutável para o grupo, caindo nas graças dos headbangers, muito embora a mídia especializada tivesse suas dúvidas. Enquanto uns defendiam a ideia do ANGEL WITCH ser a coisa mais criativa já feita no metal desde o lançamento do álbum PARANOID, dos mestres BLACK SABBATH, a outra parte apontava o dedo indicador com autoridade, deixando claro que a banda não passava de uma cópia sem graça dos pais do gênero. Grandes veículos de divulgação da época detonavam o conjunto em suas resenhas de shows, afirmando que daquele turbilhão de riffs e solos infernais apenas a figura de Heybourne se salvava, e isso apenas enquanto palhetava seu instrumento, já que ninguém ousava elogiar seus dotes vocais. Não é mentira que o trio sempre procurou exaltar o amor que sentiam por Ozzy e companhia, alegando que sem tal influência a banda sequer existiria, mas o barulho causado por suas apresentações evidentemente arrancava arrepios de satisfação dos seguidores mais fiéis, isso sem sequer ter lançado um disco. Não podemos esquecer que tal fato ocorreu há mais de trinta anos, a tal da globalização estava engatinhando e a internet como conhecemos hoje era um sonho ainda muito distante da realidade.
Enquanto adquiriam pontos entre os fãs de som pesado com demonstrações cada vez mais convincentes e elaboradas, os rapazes foram agraciados com um convite para participarem da histórica compilação METAL FOR MUTHAS, onde contribuíram com a faixa BAPHOMET. A exposição que ganharam em tal trabalho foi enorme, com presença maciça nos veículos especializados, o que garantiu ao grupo uma chance de ouro: a oportunidade de participar da fundamental Metal Crusade Tour, ao lado de outros grandes nomes da NWOBHM: SAXON, PRAYING MANTIS, SLEDGEHAMMER e um tal de IRON MAIDEN, que tinha fama e talento tão notórios quanto a do trio. O convite foi feito pelo DJ Neal Kay, sujeito de grande influência no cenário musical londrino, comandante de diversos eventos voltados para o Heavy Metal.
Prosseguindo com sua jornada rumo ao sucesso, em 1980 o ANGEL WITCH participou de muitos outros festivais, dividindo os palcos com os grupos já citados, além dos conterrâneos DEF LEPPARD, TYGERS OF PAN TANG, SAMSON e WHITE SPIRIT, com destaque para o saudoso Reading Festival, que durante três dias seguidos voltados exclusivamente para as bandas da NWOBHM fizeram a cabeça de milhares de jovens. Em seguida, numa bem sucedida turnê de noventa dias tocara ao lado do MOTÖRHEAD na Heavy Metal Barn Dance, ocorrida no Bingley Hall em Stafford com um time composto por SAXON, GIRLSCHOOL, VARDIS e MYTHRA. Estava mais do que claro que o próximo passo seria a gravação e o lançamento do primeiro álbum.
Com tanta bagagem em mãos, faltava apenas fechar um contrato com algum selo, e então o tão sonhado momento de Kevin Heybourne e companhia viraria realidade. Contudo, foi justamente neste ponto que o destino tão benevolente com o trio mostrou-se ingrato. O poderoso selo musical EMI, visando ficar com uma fatia do sucesso demonstrado pela NWOBHM promoveu uma audição para recrutar bandas e inclui-las em seu cast. O ANGEL WITCH entrou na briga com o compacto SWEET DANGER, apresentando aquela qualidade obtida através das turnês e festivais, porém viu o IRON MAIDEN de Steve Harris melar o dedo e assinar com a gravadora (o compacto dos rapazes atingiu a setuagésima quinta colocação nas paradas musicais inglesas, fato que a gravadora considerou como fundamental para não fechar o contrato). Aquilo foi um balde de agua fria nas cabeleiras emaranhadas do trio, que via o sonho de ter seu primeiro full length adiado para outra ocasião, ainda que o mesmo estivesse na ponta de seus dedos.
Talvez a temática ocultista embasada nas letras do grupo tenha afastado o interesse do selo, ou quem sabe o apelo inexistente contido nas figuras pouco carismáticas do conjunto tenha sido o calcanhar de Aquiles para o naufrágio precoce de seus objetivos (Heybourne era um sujeito raquítico, ao passo que Riddles era o famoso gordinho da turma, enquanto Hogg mais parecia um hippie que um headbanger, imagine só), o fato é que tal acontecimento fez com que a banda se empenhasse ainda mais para concretizar seu desejo. Após conseguirem um contrato com o selo Bronze Records e enfim estarem munidos de condições para a gravação do álbum, não tardou para o mundo ver o lançamento da bolacha que mostraria um dos mais criativos expoentes da NWOBHM.
O disco com o seu encarte. Contém diversas informações sobre o álbum
Lançado em Novembro de 1980, o disco autointitulado foi produzido por Martin Smith e logo de cara toma os ouvidos de assalto ao mostrar um som bem trabalhado, onde não só a guitarra de Heybourne possui destaque, mas também a cozinha, com um timbre excelente do baixo de Riddles e a bateria marcante e precisa de Hogg.  A faixa título, além de abrir o trabalho, é uma daquelas que onze entre cada dez headbangers reconhecem logo na primeira palhetada, tão instantânea quanto suco de pacotinho em contato com a água. Os solos, avassaladores, deixam a impressão de haver mais de uma guitarra ali, mas não se deixem enganar, é só o talento do jovem Heybourne entrando em ação. A segunda faixa, ATLANTIS, traz um começo de baixo cavalar, de estourar os pescoços durante o banging, enquanto as notas vocais encaixam-se em perfeita sincronia com o poder das cordas de ambos os instrumentos, principalmente no refrão. A terceira faixa, WHITE WITCH, traz um trabalho magnífico do conjunto, onde fica evidente o porquê desse grupo ser tão cultuado durante os shows, vide a qualidade do trio ao transitar entre o poder ofensivo e a parte acústica. São poucos os álbuns que possuem tamanha qualidade em uma trinca num só ato.
A sirene, a toda, anuncia a chegada de CONFUSED, evidenciando aquele trabalho de baixo já citado, sendo seguida pela sabática SORCERERS, uma das melhores do disco, com direito a acompanhamento de teclado durante o solo (cortesia de Sev Lewkowicz). Em seguida, já emendado o vocal após uma passagem ensandecida de guitarra, Kevin Heybourne cita, ironicamente: “Can you hear the voice, of a thousand years ago, the laugher of the gorgon” trazendo à luz a faixa GORGON, de letra estupenda e passagem instrumental absurda! Em minha opinião a melhor, sem dúvida. SWEET DANGER mostra a injustiça que a EMI cometeu em não assinar com o grupo, vide a qualidade do trabalho demonstrada tanto aqui como no compacto citado anteriormente. Enquanto FREE MAN traz um lado mais acústico, embalado por um sentimento mais melancólico muito empregado pela donzela de ferro nos antigos trabalhos, a faixa ANGEL OF DEATH nos agracia com um trabalho digno de um precursor, que em nada deve aos seus heróis do som pesado. O álbum regular encerra-se com a fenomenal DEVIL’S TOWER, uma peça instrumental de pouco mais de dois minutos que cria uma atmosfera sombria e oculta, típica de grupos de Doom Metal, que a partir de tal influência passaram a reverenciar o conjunto, principalmente nos dias atuais. Não foi bem como os rapazes queriam, mas enfim o mundo pôde acompanhar o surgimento de uma lenda do metal britânico, naquela que sem dúvida foi sua melhor fase. Registrado num disco de temática forte para a época e com personalidade, O LP trazia na capa uma obra do renomado pintor do século XIX John Martin, intitulada The fallen angels entering Pandemonium, disponível na Tate Gallery, em Londres. As obras do inglês procuravam representar a ação sob uma perspectiva geral, onde o céu exercia grande influencia em toda a cena, assim com o chão, tornando as personagens do quadro em criaturas minúsculas, bem como as cores usadas para o trabalho, o preto e o vermelho em predominância.
O fato de estar sob influência constante do seminal BLACK SABBATH, junto com a inevitável comparação de sua sonoridade estar muito próxima a dos demais grupos de metal de sua época não impediu o ANGEL WITCH de criar sua própria perspectiva dentro de seu nicho, proporcionando algo novo mesmo quando todos já sabiam de onde vinham suas origens, imaginando a partir daí algo previsível vindo do trio. Confesso que esta também foi minha impressão quando obtive minha versão do álbum, pois na época era fã obcecado do IRON MAIDEN e não imaginava que qualquer outra banda pudesse soar tão bem (ou melhor) do que eles naquele universo. O disco tornou-se tão influente entre os grupos de som pesado que foi relançado diversas vezes durante esses mais de trinta anos, sendo a versão mais recente a de 2010, que para comemorar o aniversário de trinta anos do lançamento original vem em versão dupla contendo o EP SWEET DANGER comentado aqui nesse espaço, além de gravações demo de praticamente todas as faixas da bolacha. O CD que possuo é o da comemoração de vinte e cinco anos, que traz todos os singles da banda antes do lançamento do debut, além de algumas faixas gravadas durante a apresentação no BBC Friday Rock Show, ocorrido em 14 de março de 1980. O álbum já fazia bodas de prata quando o comprei, ou seja, não era novidade nenhuma, mas assim como no inicio da década de oitenta, o que é novo pode vir de diversas formas... Cabe apenas a nós mesmos enxergarmos com outros olhos essa novidade.

O encarte aberto, demonstrando os detalhes do disco.

Escrito em 09 de Junho de 2013, com início às 13hrs. e 09seg.


domingo, 3 de novembro de 2013

Fistful Of Metal - Anthrax

O clássico disco e sua, digamos, polêmica capa.
Vou começar o texto dessa semana com um ditado batido, mas bem batido mesmo: nunca, JAMAIS julgue um livro pela capa. Isso ocorre com muita frequência no dia-a-dia, desde o momento em que acordamos e uma vez mais examinamos tudo que nos cerca durante o dia até o momento em que fechamos os olhos antes de cair no sono. Não por menos, a forma como vemos e encaramos tudo ao nosso redor nada mais é do que a nossa parcela de contribuição para fazer a grande roda da convivência social girar. Tenho certeza que mesmo você, enquanto lê essas linhas, já se utilizou desse tipo de critério para avaliar algo em sua vida. Muitas vezes, em diversas ocasiões, agimos ou avaliamos alguma situação com base no que ela nos aparentemente apresenta, como um caminho a seguir. O que não contamos, contudo, é que nem sempre essa escolha pode representar uma atitude exatamente acertada, principalmente em se tratando de convivência social. Quantas vezes fui testemunha de casos em que um sujeito é excluído dessa tal convivência simplesmente por ser diferente (nem falo de mim, pois ainda me acho um tanto sociável), como em uma entrevista que conduzi alguns meses atrás com um colega sobre a sua vida. Direto e objetivo, meu camarada contou sem rodeios que durante sua infância simplesmente era subestimado pelos outros porque era diferente. Logo, aos olhos da maioria, não ser exatamente igual aos demais gera imediatamente um uma forma de preconceito que, alimentada por outros fatores determinantes (suspeitas, medo, hipóteses diversas) pode simplesmente concluir prematuramente uma ideia, que por sua vez altera toda a realidade.
Imaginando o campo da arte, tão sutil quanto à convivência social, o batido ditado talvez trabalhe de forma mais evidente. Olhando um quadro pintado pelo italiano Da Vinci no século XVI, fica claro para todos que suas obras eram dotadas de uma beleza e delicadeza inquestionáveis, onde até o mais leigo dos indivíduos não vai discordar que aquilo se trata de arte. Percorrendo os séculos, vamos parar no início da década de 10, onde o renomado artista francês Marcel Duchamp nos apresenta um mictório (!) ordinário com uma pequena assinatura no lado inferior direito, acoplada a uma data de mil novecentos e dezessete, enquanto críticos da área, dotados de toda a autoridade julgadora, afirmam que aquilo é a mais genuína arte. Logicamente que, aos olhares da grande massa da população tal escultura não vai passar de um mero utensílio sanitário, desprovido de qualquer proporção artística, porém mais uma vez vale lembrar que as aparências nunca encerram toda a verdade sobre o demonstrado. Poucos são os que enxergam através da imagem tangível e atingem o verdadeiro objetivo da peça, que procura uma forma de revolucionar toda a cena cultural vivida na época, trazendo um novo contexto a ser analisado e discutido. A ‘capa’, neste caso, esconde uma história que conta de forma magnifica uma relação que existe entre o ser humano e sua própria origem: a capacidade de questionar a objetividade do que se vê.
Na música, onde tudo é mais subjetivo, muitas vezes a arte presente na capa de um álbum procura manifestar a essência do trabalho, trazendo à tona elementos que ajudem a transpor a barreira da dúvida. Torna-se bastante prazeroso encontrar em certas obras detalhes gráficos que encerram uma verdade, tornando bastante clara a intenção que está contida no produto musical. Mas e quando esta arte está tão próxima do conceito do álbum que acaba não atendendo a expectativa geral, criando certa discussão sobre o que é visto e o que realmente quer se mostrar? Cria-se uma falha entre a arte e o conteúdo?
Era Julho de 1981 quando, compartilhando o mesmo gosto musical os jovens Scott Ian e Danny Lilker propuseram-se iniciar uma banda que tinha como objetivo seguir de perto as tendências que rondavam suas vidas. Cidadãos de Yonkers, município localizado em Nova Iorque (EUA), os garotos estavam constantemente cercados pelas rajadas fulminantes do Punkrock, embalado pelas poderosas bandas BLACK FLAG, X, GERMS e, claro, RAMONES. O som cru, rápido e letal destes grupos agia como uma droga na cabeça dos adolescentes, enchendo suas mentes de ideias que partiam do princípio básico de contestar a realidade praticada pela sociedade, um verdadeiro turbilhão revolucionário. Não tardou para que os dois levassem a proposta de criar uma banda adiante, idealizando uma formação que, ao mesmo tempo mantinha acesa a chama da revolução social e também adicionava elementos de outros grupos musicais com os quais simpatizavam.
No início dos anos oitenta o Heavy Metal já tinha completado uma década de existência e já havia presenciado diversas mudanças em sua formação e execução, deixando muitas ideias de lado e agregando novos conceitos. O extremismo visual e ideológico dos primeiros grupos de Punkrock, com suas roupas desajustadas e moicanos gigantescos, aliados a segunda leva dessa geração, o Crustpunk, de distorções comportamentais e velocidade atemporais faziam desses malvados indivíduos que viviam escondidos nos porões e garagens mundo a fora verdadeiros militantes da música underground, enquanto o Heavy Metal absorvia tudo isso e incluía tais manifestações em seu sempre evolutivo processo de crescimento. Ainda que inimigos no campo da ideologia, os dois estilos estavam começando a perceber que juntos poderiam chegar mais longe, contribuindo com ideias que seriam seguidas de perto pelas gerações seguintes, como uma árvore que, ao deixar seus frutos caírem sob o solo, faz germinar todo um novo pomar.
A partir de tal receita, que juntava a fúria do Punkrock (em menores proporções, pois o surgimento do Crossover não estava destinado ao grupo) com o virtuosismo do Heavy Metal, os dois rapazes já tinham uma base definida do que iriam tocar, faltando uma alcunha que caísse bem com o contexto proposto pela dupla. Foi então que a biologia deu o toque de genialidade, pois foi a partir de um livro sobre a matéria em questão que foi possível ler um artigo sobre uma substância bastante agressiva ao sistema nervoso dos seres vivos, além de soar um tanto maligna. Talvez o ANTHRAX nunca tivesse sido tão revolucionário desde sua descoberta.
Munidos do conceito musical, e agora amparados por um nome forte e prático, faltava a parte mais complicada: arrumar a casa isto é, ir a procura de integrantes para compor o promissor time de jovens sonhadores. Entre o ano de surgimento da banda e o lançamento do primeiro álbum do grupo, passando por algumas demos e singles, o entra e sai de integrantes foi intenso sendo que, para trocar em miúdos, pode-se resumir esta primeira etapa em dois pontos cruciais: a adição do guitarrista Dan Spitz (que foi brevemente um integrante do grupo também nova-iorquino OVERKILL) que ajudou substancialmente para o crescimento do lado rítmico da banda, enquanto dividia a sincronia do instrumento com Scott Ian; e a troca do atual baterista Greg D’ Angelo pelo novato e promissor Charlie Benante, que tocava de forma absurdamente intensa, abusando do bumbo duplo em seu instrumento, como pode ser conferido no single SOLDIERS OF METAL, que apresenta na faixa-título a capacidade do jovem baterista. O lançamento do material, que foi disponibilizado em Novembro de 1983 ainda traz a faixa HOWLING FURIES no lado B do disco, faixa esta que contava ainda com D’ Angelo nas baquetas. Vale lembrar que nesses primeiros anos da década de oitenta era raríssima alguma banda se valer de um baterista com bumbo duplo (nem mesmo as bandas mais experientes ousavam incluir um individuo que dispusesse a tocar um kit com tal aparato).
Como o grupo já contava com o baixista Dan Lilker e o grandalhão Neil Turbin nos vocais, o passo seguinte seria arrumar um contrato com algum selo e soltar no mercado o primeiro disco, há muito esperado pela banda e pelos fãs. Sim, fãs, pois o conjunto já se apresentava em algumas ocasiões promovendo shows calorosos e o Thrash Metal dava seus primeiros passos rumo aos áureos anos dourados, aqueles que consagraram uma legião de bandas extremamente ligadas ao som agressivo e contagiante do gênero. As sementes do Punckrock e da primeira geração do Heavy Metal haviam germinado depressa.
Com um faro aguçado e acreditando firmemente no sucesso dessa nova vertente musical, o empresário Jon Zazula tratou de incluir o quinteto em seu cast de jovens bandas, a Metalblade, que já contava com alguns bons grupos de Metal, como o rápido power-trio EXCITER, do Canadá, que usava e abusava do couro e das tachinhas para formar um visual que ficava entre as bandas Punk e os britânicos do JUDAS PRIEST; os conterrâneos do MANOWAR com suas indumentárias medievais a lá Conan, o bárbaro e histórias embaladas pelo sentimento do ‘true banger’; e uma banda formada por jovens rapazes vindos de São Francisco, com atitude e qualidades que os faria crescer de forma absurda no cenário underground e comandar o sistema da música pesada desde então: o METALLICA.
O disco em destaque com o encarte aberto. Na foto, o ex-vocalista da banda, Neil Turbin.
O ímpeto de Zazula fez com que os jovens fossem de encontro ao empresário e, uma vez tendo fechado o contrato, a banda seguiu para o Piramid Studios, localizado em Nova Iorque mesmo, para a gravação de seu primeiro full lenght. Tal fato ocorreu no final de 1983 e em Fevereiro do ano seguinte o debut da banda já estava pronto e foi direto para as distribuidoras, chegando às mãos dos metalheads em seguida. O que vemos em FISTFUL OF METAL é uma enxurrada de riffs e solos rápidos e extremamente agressivos, que tiram o fôlego até mesmo do mais fanático dos fãs de Heavy Metal. Por ser o primeiro passo profissional do quinteto, é visível que algumas partes da execução estão amplamente inflamadas pelo sentimento de euforia que incendiava o grupo, sendo que certas passagens ainda demonstravam certa imaturidade, principalmente em questão das letras, totalmente voltadas ao universo adolescente. Tal fato nem de longe podia ser encarado como um problema, pois ainda hoje esta película nos apresenta temas que só o furor da juventude pode nos proporcionar, como as fulminantes DEATHRIDER e METAL THRASHING MAD, onde encontramos excitação pura, com direito a um andamento frenético dos instrumentos, principalmente da bateria de Charlie. A execução inicial da segunda faixa é para poucos, com direito a um alcance vocal que faz Turbin bater de frente com o famoso tenor italiano Pavarotti.
Ao passo que as performances ensandecidas dos guitarristas Scott e Dan juntamente com o baixo pujante de Dan Lilker mantêm aquele ar de destruição iminente durante os mais de trinta e cinco minutos do disco, como bem se pode notar nas faixas SUBJUGATOR, SOLDIERS OF METAL, DEATH FROM ABOVE e na faixa ANTHRAX, os momentos mais emblemáticos ficam por conta das canções PANIC, que traz uma dose de virtuosismo bem evidente nos trabalhos posteriores com uma suntuosa dobradinha de guitarras, bem como na faixa que encerra o LP, HOWLING FURIES, e no cover I’M A EIGHTEEN, gravada originalmente por Alice Cooper na década de setenta, casando perfeitamente com a proposta do conjunto de explorar esse lado da juventude, colocando-o a favor da revolução propagada pelo Thrash Metal. Ainda sobrou espaço para incluir uma faixa instrumental, ACROSS THE RIVER, que faz uma ponte entre a antepenúltima e última canção da bolacha, onde os jovens músicos mostram que teriam um futuro promissor, independente se ele viria daquela banda ou não.
Sob o contexto do batido ditado, o que mais choca neste inicio de carreira do ANTHRAX não é a frenética execução das músicas, nem o fato desse ser o único registro com essa formação (por divergências, Dan Lilker abandonou a banda após a divulgação do trabalho, sendo seguido pelo vocalista Neil Turbin logo depois), que mostram tanto as influencias agressivas das bandas Punks nova-iorquinas como as rupturas de formações que assolavam as mesmas, mas o fato da capa trazer uma péssima reputação para o álbum. Pois é, justo a capa, que embala o material e o apresenta para o público quase crucificou a banda, muito em virtude da ideia central da obra não ter sido bem assimilada pelo artista Kent Josphe, que ao desenhar o punho de Neil calçado pela luva de metal que fielmente o acompanhava durante as apresentações literalmente aparecer atravessando a boca de um sujeito cabeludo, faz dessa uma das piores artes de capa já vistas. O assunto ficou tão sério que desde então Charlie passou a inspecionar os trabalhos posteriores, chegando inclusive a contribuir diretamente para a concepção de algumas capas da banda. Pelo menos o logo característico do conjunto, também concebido por Kent se salvou...

Se julgarmos a obra apenas pela capa, assim como muitas circunstâncias que se apresentam em nossas vidas, estamos fadados a ignorar muitos conceitos que podem demostrar-se fundamentais para nossa formação no futuro. O álbum em questão é tido com um propulsor do Thrash Metal em todo o mundo, tendo sido relançado diversas vezes nesses últimos vinte e nove anos, provando sua extensa influência no som pesado, além de ter introduzido indivíduos notáveis na cena (após a saída do ANTHRAX, Neil Turbin fundou e lidera até hoje a banda DEATH RIDERS, enquanto Dan Lilker integra a banda de Thrash Metal/ Crossover NUCLEAR ASSALUT, a qual fundou ainda em 1984, além de ter mantido diversos outros projetos), ocupando, portanto, um importante posto dentro do universo Heavy Metal. Vale lembrar que, às vezes um velho livro de capa desbotada guarda maravilhas que só um leitor dedicado consegue explorar. Quem sabe a partir de um dia as pessoas passem a acompanhar com mais atenção o conteúdo de certos livros, e não se mantenham presas apenas a suas capas, pois fica claro que antes de uma boa impressão o conteúdo é o que realmente importa.


O disco só aguardando o momento certo para tocar.