O primeiro álbum da banda alemã de Heavy Metal Grave Digger. |
Uma das coisas que mais me impressionam em meio á tanta
tecnologia e modernidade é a simplicidade como algumas atitudes são tomadas,
visando um resultado prático e funcional. Não é de hoje que estamos acostumados
a ouvir que fazer o prático é o correto, e que nem sempre o meio mais complexo
ou mais elaborado é o mais eficaz. Em muitos momentos, fazer o óbvio é o que
determina um resultado mais eficiente, aquele que se encaixa na situação da
maneira mais correta e singular.
Aposto com qualquer um que o vocalista Crhis Boltendahl nem pensava em mudar o mundo quando começou uma
banda, na cidade de Gladbeck, localizada no estado de North Rhine-Westphalia,
no oeste da Alemanha (o mesmo estado da banda BLIND GUARDIAN, que é oriunda a cidade de Krefeld e do ACCEPT, que pertence a cidade de
Solingen). Nascido no município de Colonia, o jovem alemão via aos seus dezoito
anos o sonho de montar uma banda virar realidade, ao unir-se com os jovens Peter Masson e Phillip Seibel e começar a tocar as primeiras notas de um futuro
promissor. Acumulando as funções de vocalista e baixista, Boltendahl criava as bases musicais enquanto Masson garantia o ritmo na guitarra e Seibel comandava as ações na bateria, ao passo que lentamente a
banda começava a atrair indivíduos que iam apreciar os seus trabalhos. Essas
foram as ações que compuseram os primeiros passos do GRAVE DIGGER.
Em 1982 o grupo lançou no mercado uma demo que continha seis faixas, sendo os destaques as canções SHOOT HER DOWN, 2000 LIGHT YEARS FROM HOME e RIDE
ON que obtiveram boa repercussão no
cenário da musica pesada alemã. No início dos anos oitenta diversas bandas
despontavam no solo germânico, e Boltendahl
estava lado a lado com dezenas de outros jovens talentosos e determinados, que
assim como ele buscavam arduamente o sonho de seguir carreiras triunfantes
dentro do Heavy Metal, como os ídolos britânicos do JUDAS PRIEST, IRON MAIDEN
e MOTÖRHEAD ou mesmo os heróis
nacionais, SCORPINOS e ACCEPT - o primeiro já muito conhecido
por toda a Europa e o segundo uma promessa que despontava como um dos conjuntos
mais interessantes dos últimos anos.
Correspondendo a expectativa de continuar no mundo do som
pesado, no ano seguinte o grupo dedicou-se a apresentar um trabalho mais
sólido, com composições mais trabalhadas e melhor produzidas. O resultado foi a
segunda demo, BORN AGAIN, que contava como trunfos as faixas LEGIONS OF THE LOST, WE
WANNA ROCK YOU e HEAVY METAL
BREAKDOWN, canção esta que faria uma transformação na banda e passaria a
acompanha-la em todos os palcos desde então. O estilo cru e direto das musicas
seguia o mesmo padrão do lançamento anterior, com notas que iam do Heavy Metal
tradicional para algo orientado ao Speed Metal, uma novidade na primeira metade
da década e oitenta. A formação sofreu ajustes, com a inclusão do baixista Will Lackmann (falecido em 2013 por
causas não divulgadas), que deixava Boltendahl
livre para interpretar melhor as canções e do baterista Albert Eckardt, mais técnico que seu antecessor.
Nesta segunda tentativa o trabalho mostrou-se mais
consistente, tanto que agradou os diretores da gravadora Noise Records, que
convocou os rapazes para participarem de uma coletânea que unia canções de
diversos novos grupos do Heavy Metal alemão. Ainda no ano de 1983 o selo
lançaria o Split ROCK FROM HELL – GERMAN
METAL ATTACK, que trazia num único disco músicas das bandas S.A.D.O., RUNNING WILD, RATED X, RAILWAY e claro, o GRAVE DIGGER, que em pouco mais de trinta e cinco minutos mostraram
ao mundo a força do Heavy Metal alemão, infestando os lares de milhares de
jovens por todo o mundo.
As faixas escolhidas pela banda para representar seu
trabalho foram VIOLENCE e 2000 LIGHT YEARS FROM HOME, visto que
este inusitado cover da banda britânica ROLLING
STONES apresentava palhetadas furiosas sem igual, ideal para sacudir as
cabeleiras emaranhadas dos metalheads.
Mais uma vez os esforços de Chris e sua banda obtiveram ótimos resultados e o grupo foi
agraciado com um contrato bancado pela Noise, que garantia ao quarteto o
lançamento de seu primeiro disco oficial. Enfim o sonho de Boltendahl estava muito próximo de virar realidade, e o primeiro
passo para uma vida repleta de aventura e desafio estava a poucos meses de gravação
no tradicional Music Lab Studio, localizado em Berlim.
O disco com o encarte aberto mostrando a capa do raro EP Shoot Her Down! |
Produzido por Karl-Ulrich
Walterback e a própria banda, o disco merecidamente intitulado de HEAVY METAL BREAKDOWN apresentava na
capa o mesmo desenho da demo BORN AGAIN, criado por Bern Gansohr. Com traços simples, porém
funcionais, a capa mostra o planeta terra visto do espaço, sendo que o lado
esquerdo é representado por uma face de um crânio humano, enquanto o lado
oposto possui uma enorme cruz de madeira sob fortes chamas em sua base. A única
diferença está no acabamento mais detalhado, enquanto a capa da demo está precariamente estampada sob um
papel vermelho.
Gravado e lançado no ano de 1984 (mais precisamente em 20 de
outubro), o disco vinha embalado por uma verdadeira onda de Heavy Metal que se
alastrava por toda a Alemanha, visto que nesta época ocorreu uma enorme
transformação no cenário da música pesada local. Grupos como KREATOR, RUNNING WILD, IRON ANGEL
e muitos outros estavam despontando, apresentando seus primeiros trabalhos e
mostrando que possuíam competência no campo do som pesado, assim como Chris e companhia.
O trabalho abre de forma potente com Boltendahl encarnando um verdadeiro vociferador em meio a
eficientes técnicas de guitarra, baixo e bateria. HEADBANGING MAN mostra um lado pesado, rápido e agressivo, unindo o
vocal rasgado de Chris ao
instrumental funcional de maneira prática e segura. Logo de cara percebe-se que
houve um salto técnico da produção se comparada com as demos lançadas no início
da década, contudo ainda são notórias algumas falhas durante o procedimento,
como o instrumental abafado durante toda a audição do disco. Um fato pouco
comentado é que Harris Johns
trabalhou como engenheiro de som neste LP, sendo que alguns anos depois Harris ficaria famoso em toda a Europa
como um renomado produtor de bandas de som pesado.
A faixa título é a seguinte, sendo que é a mesma apresentada
no tracklist de BORN AGAIN, com
melhorias consideráveis em sua execução. Nos dias de hoje, quando se fala de GRAVE DIGGER cria-se certa discussão
entre os fãs, visto que no neste início de carreira o estilo do grupo consistia
em canções mais simples e práticas, contando com poucos arranjos. Para os fãs
mais recentes e apreciadores da fase mais épica do conjunto, com músicas mais
elaboradas e arranjos sofisticados, essa fase é tida como datada e precária, o
oposto da opinião dos fãs mais velhos, que veem na canção citada o pináculo da
simplicidade e objetividade não só deste, mas de qualquer grupo que se proponha
a fazer rock. O fato inegável é que HEAVY
METAL BREAKDOWN ainda consta em qualquer show do grupo, sendo nesses mais
de trinta anos o carro chefe da banda, apresentada por Chris e cantada em uníssono pelos fãs, sejam os mais jovens ou os
veteranos.
BACK FROM THE WAR
apresenta uma linha mito explorada pelas bandas alemãs: a guerra e suas
consequências. Marcada por um andamento cadenciado, o destaque fica com as
baquetas de Eckardt, que comanda a
faixa com uma execução cativante, enquanto o refrão forte faz presença no meio
e na parte final da canção.
Em meio à sonoridade crua e ríspida, há uma balada que se
destaca principalmente pelo arranjo de piano e pelo vocal bem empregado de Chris. Trata-se da música YESTERDAY, que contou com o auxílio do
tecladista Dietmar Dillhardt e foi
regravada e lançada como single em 2006. A faixa foi gravada com base em um
Blues escrito pela compositora Beate
Marquardt sendo que, curiosamente, os dois álbuns seguintes do grupo, WITCH HUNTER (1985) e WAR GAMES (1986) apresentam a mesma
fórmula, incluindo uma balada em meio às demais faixas agressivas e de som
abafado.
Bem no meio do disco o vigor chega novamente com tudo, e a
agressiva faixa WE WANNA ROCK YOU dá
as caras. Uma das musicas mais legais da banda desde os tempos de BORN AGAIN, a canção foi responsável
por eufóricas apresentações nas casas de show germânicas, onde a plateia
explosiva gritava junto com Chris o
brilhante refrão! Simples e prático como dito nas primeiras linhas deste texto.
O começo acústico de LEGION
OF THE LOST remete ao ouvinte uma passagem mais calma e tranquila, contudo
a faixa vai ganhando força conforme caminha, culminando em uma apresentação
digna de aplausos. A faixa TYRANT
segue as características de um Heavy Metal potente e feito com vontade,
preparando o terreno para o cover que evidentemente não poderia faltar neste
disco. 2000 LIGHT YEARS FROM HOME
chega com a mesma força de quando saiu na primeira demo, há pouco mais de dois anos atrás. A faixa, que mostrava
ousadia para a época, principalmente por não se tratar de algo mais pesado ou
radical, empregava notas cruas e agressivas, casando perfeitamente com a
proposta da banda para aquele primeiro trabalho. Se contassem dessa versão para
Keith Richards e Mick Jagger, os Glimmer Twins,
sem dúvida eles ficariam orgulhosos.
O final ficou por conta da acelerada HEART ATTACK, que soa como um míssil Speed Metal comandado pela
batida frenética de Eckardt e a
guitarra emaranhada de Masson. Os
quase quarenta minutos de pura energia findam-se de forma objetiva, deixando
para os fãs uma necessidade de ouvir o disco novamente apenas para apreciar a
energia deste trabalho descompromissado com o sucesso ou o mainstream.
O disco foi responsável por colocar o GRAVE DIGGER no mapa, porém era apenas o começo da jornada para Chris e sua banda. Sendo o único membro
fixo no grupo desde sua formação, Boltendahl
passou por diversas transformações dentro do conjunto, como as fases mais Hard
Rock e AOR, o que culminou com o encerramento temporário das atividades da
banda, voltando para algo mais tradicional no início dos anos noventa e mudando
novamente para uma roupagem mais épica, fase esta que durou até recentemente,
quando enfim passou a contar com performances que ficam entre o Heavy Metal e o
Power Metal. Para os fãs, este registro é um item obrigatório, mesmo que
simplório, enquanto que para os apreciadores da musica pesada em geral fica a
dica sobre como soar de forma descompromissada, prática e espontânea, sem
tentar ser o parecer mais do que realmente é. Ponto para a simplicidade.
Assim como os álbuns do ACCEPT
e do SCORPIONS eram referência para
toda a cena de musica pesada que se formava na Alemanha no início dos anos
oitenta, o disco de estreia do GRAVE
DIGGER tornou-se um marco para as gerações seguintes, indo além da expectativa
de Boltendahl e servido como base
para várias outras bandas não só na Europa, mas em todo mundo. Países como o
Japão e o Brasil despontam como os grandes centros de adoração ao grupo, sendo
que São Paulo possui um dos maiores fãs clube de todo o planeta dedicado ao
conjunto. A prova da importância deste clássico registro fica por conta de seus
diversos relançamentos, que partem desde o LP produzido pelo selo Megaforce
para o mercado norte americano até as versões mais recentes em CD,
disponibilizadas há três anos. A versão em vinil prensada pela Megaforce
Records ainda nos anos oitenta fez uma confusão com as faixas, omitindo o cover
dos Stones ao mesmo tempo em que incluía uma faixa do EP SHOT HER DOWN! (no caso, a faixa STORMING THE BRAIN) e a versão mix
da musica WE WANNA ROCK YOU, que
substituiu a versão original. O resultado deixou a versão da Megaforce bem
diferente em relação à versão da Noise. Há ainda Uma versão em CD exclusiva e
muito rara produzida no Japão do ano de 1994, apresentando o título de HEAVY METAL BREAKDOWN/ RARE TRACKS,
onde faixas do EP SHOT HER DOWN! (1984)
e de diversos singles constam como bônus do pacote. Entre elas, destacam-se as
canções VIOLENCE (tirada do Split de 1983 ROCK FROM HELL – GERMAN METAL ATTACK comentada acima), SHOOT HER DOWN e STORMING THE BRAIN (do EP SHOOT
HER DOWN!), as faixas DON’T KILL THE
CHILDREN e GIRLS OF ROCK’N’ROLL
(da compilação THE BEST OF EIGHTIES
lançada em fevereiro 1994) e as inusitadas STRONGER
THAN NEVER e I DON’T NEED YOUR LOVE
(tiradas do disco STRONGER THAN EVER,
lançado em 1986 num período em que a banda atendia somente pelo nome DIGGER e praticava uma mescla de Hard
Rock com AOR). O álbum contou com diversas versões durante os anos 90 e 2000 disponibilizadas
por várias gravadoras licenciadas mundo afora (em 1994 pela Dark Wings/ Modern
Music e em 2003, 2007 e 2010 pelo proprietário dos direitos do disco - segundo
o site http://www.metal-archives.com
o proprietário provavelmente é a Sanctuary Records), sendo interessante ressaltar
que em nenhuma destas versões as faixas foram alteradas, tão pouco passaram a
contar com os bônus da versão japonesa, o que manteve o conteúdo da forma mais
fiel possível em relação ao lançamento original de 1984. Afinal, por que o
mesmo deveria sofrer alguma alteração, já que a forma direta e crua com que foi
gravada garantiu seu lugar no universo do Heavy Metal por todos esses anos? O
que é simples deve permanecer simples, não só para o próprio bem, mas para o
bem de toda a modernidade, esta dependente da simplicidade para existir e se
justificar.
Um close entre a capa, o encarte e o disco. |