O tradicional disco da NWOBHM e a sua bela capa |
É frequente nos dias de hoje as pessoas dizerem que nada
mais é inventado, sabe? Quando algo novo surge, muitos são os que dizem: “ah,
mas isso aí já existia, não tem nada a ver, inclusive um amigo meu me
contou...” indo contra a outra parcela de indivíduos que completa o raciocínio
enfatizando: “Nossa! Maluco! Que troço bem louco! Ah, mas peraí, esse bagulho
já foi feito!”. Pois é, essa impressão que se tem à cerca de algo novo é muito
mais natural do que se imagina, pois ao entrar em contato com algo que nunca
vimos automaticamente nossas mentes procuram taxar esse algo com alguma outra
coisa que já existe ou vimos por ai. É o senso comum que age na mente de cada
indivíduo, contribuindo para a aceitação ou rejeição de algo.
A ideia que possuímos de já conhecer tudo está amplamente
ligada à forma como vivemos hoje em dia. Não é novidade para ninguém que o
planeta Terra é um espaço globalizado, onde pessoas de todos os lugares com seus
hábitos, costumes, crenças, enfim, com toda sua cultura transitam por aí,
disseminando uma novidade para os olhares atentos de quem nunca os viu. Isso é
fato, comprovado inclusive todos os dias por quem vos escreve. Outra ferramenta
que contribui para tal ideia, mais presente ainda em nossas vidas do que o
indivíduo estranho aos nossos olhos é a internet. Existente em nosso mundo há
pelo menos trinta anos, quem nos dias atuais vive sem? Seria possível para eu
hoje passar esse recado até vocês sem essa ferramenta? Difícil.
Ao passo que a internet evoluiu e tornou-se cada vez mais
acessível para todos os indivíduos, uma barreira já antiga tornou-se cada vez
mais enfraquecida, e cada um de nós, sentado em seu sofá pode ver o que está
acontecendo no mundo inteiro, sem sequer precisar levantar e abrir a janela
para ver se algo realmente acontece. Neste ponto, entra outra importante
questão: será que tudo que vemos e ouvimos por ai realmente não é novo? Quero
dizer, a frequência com a qual coexistimos com toda essa tecnologia do meio
globalizado não está fechando nossos olhos e ouvidos para as coisas novas?
Na segunda metade dos anos setenta, no subúrbio de Beckenham,
localizado no sul de Londres, um sujeito franzino, de cabelos loiros na altura
das costas e expressões tímidas estava prestes a tomar uma decisão que mudaria
sua vida. Recém-saído da inusitada banda funk-rock DEADLINE, o jovem guitarrista de voz abafada Kevin Heybourne juntou-se ao também guitarrista Rob Downing e formou o famigerado LUCIFER em 1976. O nome em questão
durou pouco, pois já existia outro grupo que se utilizava da mesma alcunha,
forçando os rapazes a procurar outro titulo.
Muitas mudanças ocorreram até a chegada do baixista Kevin ‘Skids’ Riddles que, ao lado do
baterista Dave Hogg juntou-se aos
guitarristas, compondo assim um time de quatro integrantes. Pouco depois Rob preferiu sair, estabilizando a
formação como um power-trio. Para
resolver a situação de como se chamaria a banda, os rapazes optaram por adotar
o nome de uma das faixas que executavam em seus shows, tornando evidente a
escolha do nome ANGEL WITCH, em
1978.
Os primeiros anos do grupo foram marcados por apresentações
intensas no efervescente cenário do metal britânico do fim dos anos setenta.
Era a explosão da NWOBHM, hoje cultuada pelos metalheads, mas que na época assobiava nos ouvidos do publico como
a mais nova empreitada do som pesado. Uma novidade comparada apenas com a primeira
leva de bandas de metal inglesas, o som daqueles novos grupos fortalecia a
ideia de que os conjuntos mais antigos nunca se tornariam obsoletos no cenário
musical, servindo como inspiração para as gerações seguintes.
Os shows na famosa casa de apresentações inglesa, o Ruskin
Arms em East Ham, renderam uma reputação irrefutável para o grupo, caindo nas
graças dos headbangers, muito embora
a mídia especializada tivesse suas dúvidas. Enquanto uns defendiam a ideia do ANGEL WITCH ser a coisa mais criativa
já feita no metal desde o lançamento do álbum PARANOID, dos mestres BLACK
SABBATH, a outra parte apontava o dedo indicador com autoridade, deixando
claro que a banda não passava de uma cópia sem graça dos pais do gênero. Grandes
veículos de divulgação da época detonavam o conjunto em suas resenhas de shows,
afirmando que daquele turbilhão de riffs
e solos infernais apenas a figura de Heybourne
se salvava, e isso apenas enquanto palhetava seu instrumento, já que ninguém
ousava elogiar seus dotes vocais. Não é mentira que o trio sempre procurou
exaltar o amor que sentiam por Ozzy e
companhia, alegando que sem tal influência a banda sequer existiria, mas o
barulho causado por suas apresentações evidentemente arrancava arrepios de
satisfação dos seguidores mais fiéis, isso sem sequer ter lançado um disco. Não
podemos esquecer que tal fato ocorreu há mais de trinta anos, a tal da
globalização estava engatinhando e a internet como conhecemos hoje era um sonho
ainda muito distante da realidade.
Enquanto adquiriam pontos entre os fãs de som pesado com
demonstrações cada vez mais convincentes e elaboradas, os rapazes foram
agraciados com um convite para participarem da histórica compilação METAL FOR MUTHAS, onde contribuíram com
a faixa BAPHOMET. A exposição que
ganharam em tal trabalho foi enorme, com presença maciça nos veículos
especializados, o que garantiu ao grupo uma chance de ouro: a oportunidade de
participar da fundamental Metal Crusade Tour, ao lado de outros grandes nomes
da NWOBHM: SAXON, PRAYING MANTIS, SLEDGEHAMMER e um tal de IRON
MAIDEN, que tinha fama e talento tão notórios quanto a do trio. O convite
foi feito pelo DJ Neal Kay, sujeito
de grande influência no cenário musical londrino, comandante de diversos
eventos voltados para o Heavy Metal.
Prosseguindo com sua jornada rumo ao sucesso, em 1980 o ANGEL WITCH participou de muitos outros
festivais, dividindo os palcos com os grupos já citados, além dos conterrâneos DEF LEPPARD, TYGERS OF PAN TANG, SAMSON
e WHITE SPIRIT, com destaque para o
saudoso Reading Festival, que durante três dias seguidos voltados
exclusivamente para as bandas da NWOBHM fizeram a cabeça de milhares de jovens.
Em seguida, numa bem sucedida turnê de noventa dias tocara ao lado do MOTÖRHEAD na Heavy Metal Barn Dance,
ocorrida no Bingley Hall em Stafford com um time composto por SAXON, GIRLSCHOOL, VARDIS e MYTHRA. Estava mais do que claro que o
próximo passo seria a gravação e o lançamento do primeiro álbum.
Com tanta bagagem em mãos, faltava apenas fechar um contrato
com algum selo, e então o tão sonhado momento de Kevin Heybourne e companhia viraria realidade. Contudo, foi
justamente neste ponto que o destino tão benevolente com o trio mostrou-se ingrato.
O poderoso selo musical EMI, visando ficar com uma fatia do sucesso demonstrado
pela NWOBHM promoveu uma audição para recrutar bandas e inclui-las em seu cast. O ANGEL WITCH entrou na briga com o compacto SWEET DANGER, apresentando aquela qualidade obtida através das
turnês e festivais, porém viu o IRON
MAIDEN de Steve Harris melar o
dedo e assinar com a gravadora (o compacto dos rapazes atingiu a setuagésima
quinta colocação nas paradas musicais inglesas, fato que a gravadora considerou
como fundamental para não fechar o contrato). Aquilo foi um balde de agua fria
nas cabeleiras emaranhadas do trio, que via o sonho de ter seu primeiro full length adiado para outra ocasião,
ainda que o mesmo estivesse na ponta de seus dedos.
Talvez a temática ocultista embasada nas letras do grupo
tenha afastado o interesse do selo, ou quem sabe o apelo inexistente contido nas
figuras pouco carismáticas do conjunto tenha sido o calcanhar de Aquiles para o
naufrágio precoce de seus objetivos (Heybourne
era um sujeito raquítico, ao passo que Riddles
era o famoso gordinho da turma, enquanto Hogg
mais parecia um hippie que um headbanger,
imagine só), o fato é que tal acontecimento fez com que a banda se empenhasse ainda
mais para concretizar seu desejo. Após conseguirem um contrato com o selo
Bronze Records e enfim estarem munidos de condições para a gravação do álbum,
não tardou para o mundo ver o lançamento da bolacha que mostraria um dos mais
criativos expoentes da NWOBHM.
O disco com o seu encarte. Contém diversas informações sobre o álbum |
Lançado em Novembro de 1980, o disco autointitulado foi
produzido por Martin Smith e logo de
cara toma os ouvidos de assalto ao mostrar um som bem trabalhado, onde não só a
guitarra de Heybourne possui
destaque, mas também a cozinha, com um timbre excelente do baixo de Riddles e a bateria marcante e precisa
de Hogg. A faixa título, além de abrir o trabalho, é
uma daquelas que onze entre cada dez headbangers
reconhecem logo na primeira palhetada, tão instantânea quanto suco de pacotinho
em contato com a água. Os solos, avassaladores, deixam a impressão de haver
mais de uma guitarra ali, mas não se deixem enganar, é só o talento do jovem Heybourne entrando em ação. A segunda
faixa, ATLANTIS, traz um começo de
baixo cavalar, de estourar os pescoços durante o banging, enquanto as notas vocais encaixam-se em perfeita sincronia
com o poder das cordas de ambos os instrumentos, principalmente no refrão. A
terceira faixa, WHITE WITCH, traz um
trabalho magnífico do conjunto, onde fica evidente o porquê desse grupo ser tão
cultuado durante os shows, vide a qualidade do trio ao transitar entre o poder
ofensivo e a parte acústica. São poucos os álbuns que possuem tamanha qualidade
em uma trinca num só ato.
A sirene, a toda, anuncia a chegada de CONFUSED, evidenciando aquele trabalho de baixo já citado, sendo
seguida pela sabática SORCERERS, uma
das melhores do disco, com direito a acompanhamento de teclado durante o solo
(cortesia de Sev Lewkowicz). Em
seguida, já emendado o vocal após uma passagem ensandecida de guitarra, Kevin Heybourne cita, ironicamente: “Can you hear the voice, of a thousand years
ago, the laugher of the gorgon” trazendo à luz a faixa GORGON, de letra estupenda e passagem instrumental absurda! Em
minha opinião a melhor, sem dúvida. SWEET
DANGER mostra a injustiça que a EMI cometeu em não assinar com o grupo,
vide a qualidade do trabalho demonstrada tanto aqui como no compacto citado
anteriormente. Enquanto FREE MAN
traz um lado mais acústico, embalado por um sentimento mais melancólico muito
empregado pela donzela de ferro nos antigos trabalhos, a faixa ANGEL OF DEATH nos agracia com um
trabalho digno de um precursor, que em nada deve aos seus heróis do som pesado.
O álbum regular encerra-se com a fenomenal DEVIL’S
TOWER, uma peça instrumental de pouco
mais de dois minutos que cria uma atmosfera sombria e oculta, típica de grupos
de Doom Metal, que a partir de tal
influência passaram a reverenciar o conjunto, principalmente nos dias atuais.
Não foi bem como os rapazes queriam, mas enfim o mundo pôde acompanhar o
surgimento de uma lenda do metal britânico, naquela que sem dúvida foi sua
melhor fase. Registrado num disco de temática forte para a época e com
personalidade, O LP trazia na capa uma obra do renomado pintor do século XIX John Martin, intitulada The fallen angels entering Pandemonium,
disponível na Tate Gallery, em Londres. As obras do inglês procuravam
representar a ação sob uma perspectiva geral, onde o céu exercia grande
influencia em toda a cena, assim com o chão, tornando as personagens do quadro em
criaturas minúsculas, bem como as cores usadas para o trabalho, o preto e o
vermelho em predominância.
O fato de estar sob influência constante do seminal BLACK SABBATH, junto com a inevitável
comparação de sua sonoridade estar muito próxima a dos demais grupos de metal
de sua época não impediu o ANGEL WITCH
de criar sua própria perspectiva dentro de seu nicho, proporcionando algo novo
mesmo quando todos já sabiam de onde vinham suas origens, imaginando a partir
daí algo previsível vindo do trio. Confesso que esta também foi minha impressão
quando obtive minha versão do álbum, pois na época era fã obcecado do IRON MAIDEN e não imaginava que
qualquer outra banda pudesse soar tão bem (ou melhor) do que eles naquele
universo. O disco tornou-se tão influente entre os grupos de som pesado que foi
relançado diversas vezes durante esses mais de trinta anos, sendo a versão mais
recente a de 2010, que para comemorar o aniversário de trinta anos do
lançamento original vem em versão dupla contendo o EP SWEET DANGER comentado aqui nesse espaço, além de gravações demo de praticamente todas as faixas da
bolacha. O CD que possuo é o da comemoração de vinte e cinco anos, que traz
todos os singles da banda antes do lançamento do debut, além de algumas faixas gravadas durante a apresentação no
BBC Friday Rock Show, ocorrido em 14 de março de 1980. O álbum já fazia bodas
de prata quando o comprei, ou seja, não era novidade nenhuma, mas assim como no
inicio da década de oitenta, o que é novo pode vir de diversas formas... Cabe
apenas a nós mesmos enxergarmos com outros olhos essa novidade.
O encarte aberto, demonstrando os detalhes do disco. |
Escrito em 09 de Junho de 2013, com início às 13hrs. e
09seg.
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