O primeiro disco da banda britânica de Heavy Metal, Iron maiden, foi lançado em 14 de abril de 1980, pela gravadora EMI. |
No final da década de setenta, o Reino Unido passava por uma
séria crise socioeconômica, que ameaçava espalhar seu rastro além das décadas.
A inflação atingia níveis alarmantes, e a taxa de desemprego assombrava as famílias
da classe trabalhadora, tal qual uma praga recém-chegada. Na verdade, todo esse
acontecimento era um reflexo dos anos pós-guerra enfrentados por toda a Europa,
formando um cenário de pessimismo e baixas perspectivas.
Para reverter o quadro, o governo inglês promoveu um forte
esquema político, que colocava
na linha de frente as principais potências partidárias de toda a nação. Foi o
estopim para a impactante carreira de uma mulher com forte senso de liderança,
além de um posicionamento firme e nervos de aço para encarar e assumir riscos
que incluíam desde o futuro da população britânica até a aristocracia real.
Aconteceu em 1979. Margaret
Thatcher torna-se a Primeira-Ministra do Reino Unido, sendo este um marco
histórico não só para o país, mas também para o seu partido (o Partido Conservador,
do qual foi a primeira líder mulher) e, por que não, para a humanidade. Afinal,
não era comum na época eleger mulheres para altos cargos políticos, mesmo na
terra de Elizabeth II, onde ainda
hoje a monarquia exerce influência soberana nas questões sociais. As cortinas
desse cenário se fecharam, e uma aposta no futuro foi lançada, com o objetivo único
de resgatar os traços de dignidade e prosperidade perdidos em alguma parte na linha
da história.
O início dos anos oitenta trouxeram desafios para Margareth, como o combate contra a
recessão econômica, a crise do desemprego (como nos dias atuais) e uma antiga
richa contra os nossos “hermanos” (sim, eles mesmos) pelas Ilhas Malvinas, onde
a Argentina dançou um tango daqueles... Sua conduta foi marcada por rigidez,
doutrina e principalmente repressão aos sindicatos e a política soviética,
sendo que entre rebeliões, tensões civis e até tentativa de assassinato, Margareth cravou seu nome na história
britânica, recebendo de críticas da população a elogios e honrarias de diversos
governos do mundo.
Logicamente que a história não se resume a isto. Voltando um
pouco no tempo, mais precisamente em 1975, vemos um jovem Steve Harris deixar sua
atual banda, o GYPSY’S KISS para
rumar em direção a algo novo, que fugisse da já manjada história de ter uma
banda-aprender a tocar-fazer umas jams-tocar covers em bares. Baixista rodado de outra banda, o SMILER, Steve era um entusiasta do
futebol e um fanático por história, principalmente a do seu país. Natural de
Londres, o jovem estava ávido por lançar-se em uma carreira própria, montando
seu próprio time, já que estava farto de tocar covers e ser criticado por
outros músicos amadores por insistir em material autoral. Sem ficar preso a
opiniões, bastou a chegada do Natal daquele ano para Steve materializar seu
objetivo: como que buscando inspiração no filme O Homem Da Máscara De Ferro (1938), longa-metragem baseado na obra
de Alexandre Dumas, Steve encontrou o
nome perfeito para batizar seu novo conjunto. Ao ver a grande máquina de tortura
medieval usada para sentenciar prisioneiros da Idade Média, não teve dúvidas em
usar seu nome para seus propósitos. Estava criada a lenda britânica IRON MAIDEN.
Desde o início Steve
sabia o que queria. Orgulhava-se de ser um headbanger,
e a todo custo faria de sua cria uma banda de Metal. Durante a segunda metade
dos anos setenta, o movimento Punk estourou, e aliado às condições sociais
impostas pelo governo britânico sua ideia de liberdade e igualdade alastrou-se
não só pela velha Inglaterra, mas pelos quatro cantos do mundo. A essa altura,
só o que se ouvia era o som das três notas, o rugido das batidas ensandecidas e
o berro que rasgava diretamente dos porões sujos e escaldantes dos guetos
ingleses, onde a palavra anarquia nunca havia feito tanto sentido quanto
naquele momento. Nesses primeiros anos de vida o IRON MAIDEN ouviu diversas propostas para largar o Metal e tornar-se
Punk, mas Steve era irredutível em
sua postura: Houvesse o que houvesse, sua banda seria de Heavy Metal, nada
diferente disso.
A banda foi fundada no Natal de 1975, pelo baixista Steve Harris. Desde então, tem acumulado fama e fortuna ao redor do planeta. |
Durante um espaço de quatro anos, as formações que
compuseram o elenco da ‘Donzela de Ferro’ foram inúmeras, visto que Steve não se contentava com as
qualidades dos integrantes que iam e vinham na sua banda. Em um dado momento,
Steve conseguiu recrutar um jovem guitarrista de cabelos loiros, Dave Murray, que rapidamente substituiu
a dupla das seis cordas que o IRON
MAIDEN possuía. Por algum momento, o conjunto se estabilizou com Ron Matthews na bateria e Dennis Wilcock nos vocais, o qual
desempenhava aparições com bastante pirotecnia e técnicas circenses no palco. Com
a adição de do guitarrista Bob Sawyer,
logo houve um desentendimento entre este e Dave,
que oprimido por Dennis, resolveu
largar o grupo na Primavera de 1977. Não demorou para Bob ser chutado da Donzela, após Steve comprovar que o mesmo usava artifícios falsos para
impressionar a plateia, o que o deixou irritado. Houve então a convocação do
guitarrista Terry Wapram, que foi o
único detentor das seis cordas da banda por algum tempo, até a saída de Ron, ainda em 1977. Para repor a vaga, Thunderstick foi adicionado, juntamente
com um tecladista (!), Tony Moore.
Alguns shows foram realizados com essa formação, até Steve perceber que os teclados
não se encaixavam na sonoridade do grupo, então Tony foi dispensado. Terry
o seguiu, o que deixou a vaga de guitarrista novamente aberta. Steve não pensou duas vezes em ir atrás
de Dave para propor-lhe um retorno, o
qual foi aceito prontamente. Nesse interim, Dennis
resolveu deixar o conjunto, levando consigo o baterista Thunderstick. Algum tempo depois Dennis formaria o grupo V1
com o Tony e Terry, enquanto Thunderstick
faria parte da banda SAMON, que
possui uma história muito íntima com o IRON
MAIDEN, como poderá ser visto futuramente.
Steve não se
rendeu. Antes do final de 1977, ele e Dave
recrutaram o baterista Doug Sampsom,
que segurou bem o ritmo das baquetas da Donzela. Steve ainda conseguiu convocar o vocalista Paul Di’Anno, um típico Punk desordeiro, produto de toda uma
revolução social de incontáveis distúrbios. Com a postura debochada e irreverente
de Paul nos vocais, aliada a forma de
tocar encorpada e altamente técnica de Steve,
uma fórmula mágica desenhou-se sob os olhos da banda, e no último dia do ano de
1978 o IRON MAIDEN gravou sua
primeira demo, THE SONDHOUSE TAPES. Calcada na NWOBHM, a gravação contava com
apenas três faixas e uma tiragem única de cinco mil cópias, disponíveis por
correio ou através dos shows da banda. O material esgotou-se em poucas
apresentações, e para desespero de muitos fãs nunca foi feita uma segunda
tiragem, embora o conteúdo desta demo
esteja presente no lançamento em vinil quádruplo de uma coletânea de 1996,
intitulada BEST OF THE BEAST (que
também existe na versão em CD duplo, mas sem a demo citada). Hoje em dia, em alguns sites de leilão na internet, uma
cópia desta primeira prensagem chega a velar alguns milhares de dólares.
Lançada apenas no dia 9 de novembro de 1979, a película não
viu o tempo passar, contudo o IRON
MAIDEN já era uma realidade: Após quatro anos, tocava com garra e
competência, possuindo ótima regularidade de shows e uma legião de fãs ávidos
pelas notas melódicas e ao mesmo tempo furiosas do conjunto, que durante o início
do ano ainda contou com duas guitarras, num posto altamente rotativo, até a
entrada definitiva de Dennis Stratton
que formou dupla com Dave Murray no
lançamento do primeiro disco oficial da carreira da Donzela de Ferro. Enquanto Steve mantinha a postura de metalhead em alta, a sociedade e principalmente
os sindicatos trabalhistas atacavam Margareth,
dando-lhe o mordaz apelido de ‘Dama de Ferro’.
A mídia especializada foi forçada a notá-los, principalmente
após as publicações da influente revista musical britânica Sounds apontar o grupo como um dos pioneiros da NWOBHM. Não tardou
para o poderoso selo EMI tentar arrancar uma fatia de todo esse prestígio, e em
dezembro daquele ano um contrato foi assinado entre a gravadora e Steve, que aquela altura já contava com
o auxílio empresarial de Rod Smallwood,
sujeito de vital importância para o sucesso do conjunto. Vale destacar que durante
esse processo a gravadora despachou os conterrâneos do ANGEL WITCH numa das histórias mais inusitadas do Metal, sendo que
o selo possui uma parceria com a trupe de Steve
até os dias de hoje.
Visando captar o momento único vivido pela banda, que fazia
apresentações viscerais nas mais famosas casas de show de Londres, como o Ruskin
Arms , o Markee Club e o Rainbow Theatre, a gravadora solicitou a gravação de
um single para rodar no mercado antes do lançamento oficial do primeiro disco.
Durante as gravações deste trabalho Doug
Sampson ficou doente, deixando o posto das baquetas vago para adição de Clive Burr, dono de uma técnica peculiar
desenvolvida de forma exclusiva e particular, sem auxílio de professores ou
coisa do tipo. Com a participação de dois bateristas a banda recordou as faixas
RUNNING FREE e BURNING AMBITION, que faziam parte do material lançado em 8 de
fevereiro de 1980. O compacto atingiu a quarta posição nos charts musicais britânicos, e pela primeira vez a mascote da banda,
Eddie, faz uma aparição oficial. Seu
rosto está encoberto por uma sombra, visto que o objetivo da banda era
disponibilizar sua imagem completa apenas durante o lançamento do full lenght.
Com a boa repercussão de RUNNING FREE a banda sabia que estava com o caminho parcialmente
pavimentado, enquanto a gravadora tinha a sensação de ter achado uma mina de
ouro. No entanto, foi preciso uma paciência de Jó por parte dos fãs para enfim
terem o primeiro trabalho completo da Donzela de Ferro em mãos. Steve não se satisfazia com os produtores
disponibilizados pela EMI para realizar a captação das músicas, que apesar de
terem saído no prazo nunca contentaram o líder do conjunto. Após tentar
diversos profissionais, ficou acertado que Will
Malone cuidaria da película, que já estava a mil no Kingsway Studios,
localizado em Londres.
Ao lado de Steve, Dave Murray é o único integrante da banda a marcar presença em todos os discos da Donzela de Ferro, como ficou mundialmente conhecida. |
Steve não perdoa a forma como o disco foi concebido. Ele
alega que o som ficou cru demais, muito próximo do Punk, muito por causa da forma
descompromissada de trabalhar de Malone.
O baixista afirma que praticamente tudo no disco foi feito na raça, com
conhecimento próprio e da equipe do estúdio, enquanto Will apenas reclamava e lia jornal. Contudo, seu nome acabou sendo
creditado na contracapa do material, que ganhou as ruas no dia 14 de abril de
1980.
O conteúdo do disco é de uma potência ímpar, usando e abusando
de passagens altamente técnicas e mudanças de andamento, do jeito que Steve gosta. As guitarras gêmeas tiradas
da lenda irlandesa THIN LIZZY
empregavam uma dose cavalar de adrenalina nas composições, enquanto a fúria
contida nos vocais raivosos de Paul
dava a tônica para um trabalho recheado de excelentes composições. Do riff melódico que abre a faixa PROWLER, a primeira do disco, passando
por RUNNING FREE, CHARLOTTE THE HARLOT e a faixa título,
o que se tem é uma das mais primorosas fatias do novo Metal britânico, que
ainda encontrava espaço para composições mais trabalhadas, como RENEMBER TOMORROW (cujo trabalho vocal
marca grande presença com o andamento crescente da faixa), PHANTOM OF THE OPERA (com desempenho magistral das guitarras, empregando
acompanhamento vocal de bom gosto), TRANSYLVANIA
(instrumental de mudanças dramáticas, indo do mais ríspido para o mais suave) e
STRANGE WORLD (uma das melhores do
disco, com sensibilidade e melodias inspiradíssimas, tudo de forma bem suave). A
canção SANCTUARY deveria ter feito
parte da película, mas como a faixa já estava cotada para o single de maio daquele
ano, Steve preferiu priorizar o
lançamento deste material. A capa deste trabalho deu o que falar, pois nela Eddie aparece apunhalando a Primeira
Ministra Margareth que, capitaneando
uma verdadeira caça a banda, conseguiu na justiça que a gravadora não usasse
sua imagem. Bastou uma tarja sob os olhos da figura na calçada e tudo estava
resolvido; contudo a prensagem sem a censura é uma peça raríssima, disputada a
socos pelos colecionadores. Pior para Margareth,
que a partir daí passou a ser alvo de perseguição de várias bandas do círculo
musical britânico, principalmente o Punk e o Crust que, abusando de força total
e uma popularidade absurda no underground, usava de letras ácidas para difamar
sua imagem e escancarar as portas de uma sociedade falida, afogada em dívidas e
pobreza. Em 1998, Steve, arrependido,
preferiu incluir a faixa no relançamento do disco. Ela passou a ocupar o número
2 no tracklist.
Embaladas por uma cortina de fumaça de gelo seco, efeitos de
luz bem sacados e uma performance quase teatral de tirar o fôlego, ficava difícil
não apontar o IRON MAIDEN como uma
nova sensação. O momento era tão favorável que a banda marcou presença em
diversos programas, dentre eles o tradicional Top Of The Pops da emissora
britânica BBC, no qual tocara ao vivo durante a divulgação do single RUNNING FREE, uma atitude ousada do
conjunto, visto que todos os grupos convidados apenas gravavam suas
apresentações. A última banda que tinha tocado ao vivo no local foi o THE WHO, em 1972.
E não parou por ai. Agendando uma turnê pelo solo britânico,
a banda abriu os shows do JUDAS PRIEST
em plena divulgação do disco BRITISH
STEEL de 7 de março a 27 do mesmo mês, o que rendeu uma voa discussão entre
a Donzela e os Metal Gods, tudo por causa de uma declaração polêmica de Paul Di’ Anno, bem ao seu estilo,
dizendo que ele e sua banda passariam por cima do Priest em sua própria turnê.
Foi o pontapé para uma das mais calorosas disputas do som pesado.
O conjunto é um dos precursores da NWOBHM, movimento musical britânico que fez ressurgir o Heavy Metal no Reino Unido. |
O poderio do IRON
MAIDEN estava começando a ficar grande demais para as fronteiras inglesas,
coisa que Rod e a gravadora já haviam
percebido. As casas de show já não suportavam a quantidade de fãs que seguiam o
conjunto para onde quer que ele fosse, e numa jogada de mestre, o empresário do
grupo conseguiu um contato com ninguém menos que Gene Simmons, e após uma boa conversa o demônio partira juntamente
com o colosso KISS para a primeira turnê
europeia da banda norte americana, contando com quem para abrir os shows? Pois
é! A Donzela mais uma vez aceitou prontamente a proposta, e a longa excursão
que passou por Bélgica, França, Alemanha, Dinamarca, Noruega, Suécia e Holanda
causou uma ótima impressão nas mais de 350.00 pessoas que tiveram a
oportunidade de acompanhar a perna da turnê do disco UNMASKED dos caras pintadas, e um sabido quinteto britânico navegou
de vento em popa, rumo a plateias cada vez maiores e mais ensandecidas... Na
volta para a terra natal, uma nova excursão já os aguardava, e em agosto
daquele ano o conjunto participou do imponente Reading Festival, que contou com
a presença de várias grandes bandas: SLADE
(ovacionado), DEF LEPPARD (vaiado),
e o UFO, que desfrutava de uma fama
nunca antes vista pela banda. O IRON
MAIDEN tocou em penúltimo, arrancando sonoros elogios da multidão.
Apesar de todo o sucesso que o conjunto estava colhendo, a
boa fase não duraria para sempre, pelo menos não para todos. O disco autointitulado
de Steve e companhia é o único a
contar com essa formação, visto que Dennis
foi dispensado da banda por Steve e Rod, alegando que o guitarrista não
estava se dedicando 100% ao trabalho da banda. Começou um debate acalorado entre
Dennis e Steve, e o que se escuta é que as influências musicais dos
instrumentistas falaram mais alto para esta decisão, já que Dennis nunca foi um fã aficionado de
Metal, enquanto Steve daria a vida
pelo gênero que ajudou a construir.
Hoje, mais de trinta anos após o lançamento deste clássico
do Heavy Metal, o que podemos concluir é que a Donzela estava fadada ao
sucesso. O trabalho duro aliado a competência e ao profissionalismo fez dessa
banda a maior do planeta, e dificilmente alguma outra irá lhe tirar este posto
num futuro próximo. Os passos dados por esse gigante da música passada deixaram
pegadas que foram seguidas à risca por uma infinidade de outros conjuntos que, assim
como o próprio IRON MAIDEN, vivem
para trilhar seus próprios caminhos.
Passou a primeira metade da década de oitenta e, em 1987,
após uma difícil reeleição e mesmo mantendo sua postura conservadora e
extremamente de direita, foi durante um plano de sustentação econômica que se
tornou um fiasco brutal que Margareth
Thatcher não viu outra escolha a não ser pedir para sair, ainda que
perseguida pela sociedade e pelas bandas que desciam a lenha na sua imagem sem
dó. Coube aos seus sucessores se desdobrarem para consertar o estrago e conter
as manifestações da massa social. Sem o mesmo sentimento de revolta, que
mantinha aquela chama incontrolável do início acesa, O Punk Rock de outrora já
havia metido os pés pelas mãos, pregando sua própria destruição. Coube ao Heavy
Metal manter seu curso, com vem fazendo até os dias de hoje.
Escrito em 26 de janeiro de 2014 com início às 20hrs. e
12min.