domingo, 5 de janeiro de 2014

Sin After Sin - Judas Priest

O clássico disco de Heavy Metal da banda britânica Judas Priest, lançado em 1977.
Muitas vezes, o que pode representar uma iniciativa ousada ou um passo adiante pode culminar em um desastre, uma falha de proporções inimagináveis. O ímpeto de tomar uma decisão, contudo, sempre forçou a humanidade a caminhar adiante, sejam por quais caminhos forem. Está em nossa genética desbravar o desconhecido, aventurar-se na imensidão do novo e angariar conquistas, sair do comodismo e do senso comum. Foi assim durante toda a nossa história, da criação ao cotidiano. Não seria diferente com a arte...
Em 1977 o grupo de Birmingham (Londres), JUDAS PRIEST, estreou pelo novo selo, a CBS (como era conhecida a empresa Columbia Records à época) justamente por discordar da metodologia de investimento propagada pelo seu antigo selo, a Gull Records (a banda afirmara que a empresa não divulgava seu material como deveria). Tal iniciativa gerou a responsabilidade de lidar com uma gravadora grande da época, onde a qualidade dos trabalhos poderia resultar em um contrato duradouro e consequentemente o sucesso absoluto. No entanto, dois fatores determinaram um desafio maior que o esperado para a banda: A saída da antiga gravadora custou-lhes o a posse sob o direito de todos os seus trabalhos anteriores (até então dois álbuns de estúdio, incluindo diversas demos) - o que foi um duro golpe, e o fato de possuírem na bagagem um trabalho de 1976 aclamado pela crítica e público, o atemporal SAD WINGS OF DESTINY (obra que, embora não tivesse a participação direta de Al Atkins, ex-vocalista do grupo, ainda contava com muitas de suas ideias).
Como lidar com tal situação, visto que, tanto os fãs como a mídia em geral estavam ansiosos pela nova empreitada do grupo, justamente com a sensação de que agora, com um selo de maior qualidade, poderiam consolidar de vez o nome da banda no cenário da música pesada? E ainda por cima, encarando a sombra do mais recente trabalho, uma verdadeira joia do Heavy Metal? O próximo passo não poderia ser mais difícil ou ousado.
A segunda metade dos anos setenta marcou o cenário da música pesada. Se por um lado os expoentes do Hard Rock continuavam a toda velocidade, enquanto o embrião Punk dava seus primeiros passos nos guetos nova-iorquinos, o lado mais pesado do Rock começava a dar sinais de fraqueza que o acompanhariam até o fim da década. O BLACK SABBATH, após o lançamento do seminal SABOTAGE em 1975 começaria um declínio criativo, onde os próximos discos (TECHNICAL ECSTASY de 1976 e NEVER SAY DIE de 1978) não alcançariam o mesmo status das primeiras obras, verdadeiros pilares para qualquer grupo de som pesado. A explosão da NWOBHM ainda não havia acontecido, e um perigo rondava as trincheiras do Rock de uma forma geral: a Disco Music, com seus traços que uniam diversos gêneros musicais numa salada dançante e aparentemente descompromissada. Foi diante desse cenário que o JUDAS PRIEST procurou lançar o sucessor de sua obra-prima que, se não atingiu o mesmo patamar do ‘anjo caído’ pelo menos serviu para mostrar ao público uma banda que sabia manter o nível de seus trabalhos e procurava inovar no quesito sonoridade e ritmo de suas composições.
Num ano em que o mundo perderia dois grandes gênios da arte popular (em 16 de Agosto Elvis Presley jamais balançaria as cadeiras novamente, enquanto em 25 de Dezembro Charles Chaplin fazia o cinema voltar a se calar para reverenciá-lo) o JUDAS PRIEST emplacou o trabalho intitulado SIN AFTER SIN. Gravado em janeiro de 1977 e lançado em 8 de abril do mesmo ano, a obra foi produzida pela própria banda em parceria com o então baixista do grupo DEEP PURPLE, Roger Glover, no Ramport Studios, em Battersea (ao sul de Londres). O local é famoso por ter sido de propriedade da banda britânica THE WHO que gravou nesse mesmo estúdio o álbum QUADROPHENIA em 1973, tida como a obra mais emblemática do conjunto.
O disco com o encarte aberto ao fundo, dando mostras de um acabamento digno do relançamento realizado pela Sony em 2001.
Algumas curiosidades cercaram a concepção do disco, como por exemplo, o fato de ser o único registro de estúdio da banda a não contar com um baterista fixo, sendo o instrumentista Simon Phillips recrutado apenas para esta função. O baterista anterior, Allan Moore, partiu subitamente do grupo após a turnê de SAD WINGS OF DESTINY. Os ensaios com Phillips ocorreram no Pinewood Studios (próximo a Londres), famoso local de gravação de filmes consagrados, como os de James Bond e Superman. O fato mais inusitado ocorreu durante as seções de gravação do trabalho. Enquanto não estavam em estúdio, os integrantes da banda ficaram acomodados em um convento (!) onde, além de terem cama e comida disponíveis, eram tratados como verdadeiras estrelas em virtude do nome da banda, a qual certamente as freiras confundiram e atribuíram ao grupo algum cunho religioso...
O título da obra não aborda nenhuma conotação conceitual, contudo a primeira faixa, SINNER, apresenta uma levada rítmica sensacional, com o desempenho das guitarras duplas que já marcavam a mente dos fãs como algo registrado pelo conjunto e uma letra totalmente voltada ao lado hostil do ser humano e ao pecado (não por menos o vocalista e baixista alemão Mat Sinner usaria o título desta música como alcunha para si mesmo e também como nome para sua banda, anos depois). DISSIDENT AGRESSOR viaja na mesma linha (inclusive esta faixa foi ‘coverizada’ pelo SLAYER), com fraseados de guitarra apoteóticos, demonstração de talento da dupla Tipton/ Downing. LAST ROSE OF THE SUMMER mostra uma balada tranquila, seguida de perto pela crescente HERE COMES THE TEARS, cujo refrão toma forma no final de maneira espetacular ao lado de um solo virtuosíssimo! Vale destacar a presença marcante do baixo de Ian Hill, cuja timbragem e captação caíram muito bem durante toda a execução do disco. A parte acelerada fica por conta de STARBREAKER (o baixo de Ian Hill detona novamente), enquanto LET US PRAY/ CALL FOR THE PRIEST apresenta velocidade acima do permitido para a época (estamos falando de meados da segunda metade de 1970, o Thrash Metal sequer era um embrião), onde até o contratado Phillips mostra uma disposição de um jovem iniciante. Uma falha durante a prensagem do disco fez com que as duas faixas fossem colocadas juntas, quando na verdade LETS US PREY é uma pequena introdução para CALL FOR THE PRIEST.
RAW DEAL é uma autêntica mostra de capacidade de um grupo consagrado, é uma faixa que determina quem vai longe ou não nesse negócio de música pesada! Um dos destaques do álbum, ainda é incrível perceber como muitas bandas atuais não conseguem reproduzir tal avalanche de notas em tão perfeita qualidade e com tanta garra. Os vocais de Rob Halford já davam mostras da grandiosidade que o mesmo atingiria anos depois, alcançando notas de dar inveja em trabalhos marcantes e cada vez mais viscerais. O ponto alto do vinil viria com um cover da cantora Folk norte-americana Joan Baez, o hit DIAMONDS AND RUST, que muitos acreditam até hoje se tratar de uma faixa autêntica da banda tamanha a grande identificação da música com o público. Alguns anos depois Baez foi ao encontro do grupo acompanhada de seu filho que, ainda garoto a época, afirmou que a versão do Priest era melhor (o que convenhamos, não está longe da verdade).
A mostra de que o conjunto estava amadurecendo rapidamente deixou muitos fãs de cabelos em pé, principalmente porque o JUDAS PRIEST já dava claros sinais de que comandaria a próxima leva de bandas de Heavy Metal da década seguinte. Não por menos, IRON MAIDEN, SAXON e muitos outros grupos traziam na sua linha de frente uma dupla de guitarristas amparadas por paredes de amplificadores Marshall e um furacão de notas executadas impetuosamente ao chacoalhar de cabelos em meio à pirotecnia e ao gelo seco. Tudo isso foi inspirado no que K.K. Downing, Gleen Tipton e companhia fizeram no final dos anos setenta.
Porém, sempre tem os pesares. São inevitáveis, pois se há um grande trabalho sendo executado, ele sempre terá que passar pelo severo olhar da crítica e esta é conhecida por não dar margem a qualquer demonstração de incapacidade ou incoerência. Mesmo com todo poderio demonstrado, com guitarras na frente, um vocal mais que capacitado e uma cozinha segura e eficaz, o álbum quase estagnou, pois mesmo com toda a qualidade apresentada a mídia especializada atribuía nota abaixo de seu antecessor, ainda abraçado como obra-prima. Seria o SAD WINGS OF DESTINY a cruz do quinteto britânico? Ou seria este um passo em falso da banda, uma falha naquela tal iniciativa desbravadora? Bom, se considerarmos que SIN AFTER SIN rendeu ao grupo sua primeira turnê pelos Estados Unidos em shows de abertura para o FOREINGNER e o REO SPEEDWAGON, culminando no festival Day Of The Green no Oakland Coliseum com ninguém menos que o LED ZEPPELIN (nos dias 23 e 24 de Julho de 1977), pode-se entender que este foi mais um grande salto dos meninos de Birmingham. Nessa ocasião o quinteto tocou para mais de 120.000 pessoas num espaço de dois dias, o que sem sombra de dúvidas não é algo pequeno para uma banda de Heavy Metal nos anos setenta.
O reflexo das faixas contidas no disco atravessou gerações, sendo que o álbum foi agraciado com relançamentos durante as décadas seguintes. No auge do sucesso, na segunda metade dos anos oitenta, ninguém queria ficar de fora sobre como tudo começou para o grupo, e ao acompanhar as notas deste trabalho a garotada ficava perplexa ao notar que a sonoridade, a determinação e a técnica eram as mesmas, como se a diferença de quase dez anos em nada tivesse afetado o conjunto. O relançamento do álbum em 2001 feito pela Sony trouxe um disco totalmente remasterizado, além de incluir de bônus duas faixas, sendo uma ao vivo (no caso a música JAWBREAKER gravada no festival ABC Rock Network Broadcast ocorrido no Long Beach Sports Arena, em Long Beach, Califórnia, no dia 5 de maio de 1984) e outra inédita até então, gravada no Savage Studios em 1978. Trata-se de RACE WITH THE DEVIL, um cover do grupo THE GUN que apresentava notas afiadas e com poder de sobra para estar na parte regular do disco.
Para o JUDAS PRIEST o desconhecido tornava-se cada vez mais comum, enquanto o grupo acumulava clássicos do Heavy Metal em sua extensa discografia (ainda na década de setenta a banda lançaria os discos STAINED CLASS, KILLING MACHINE e o mega clássico ao vivo UNLEASHED IN THE EAST gravado no Japão), os desafios para atingir o tão sonhado patamar de deuses do Heavy Metal estavam apenas no início, mas com todo o gás que vinham demonstrando já era bastante evidente que esse tortuoso caminho seria amplamente trilhado.
O disco pronto para destilar os clássicos...

Escrito em 05 de janeiro de 2014 às 16hrs e 37min.

Nenhum comentário:

Postar um comentário