O clássico disco de Heavy Metal da banda britânica Judas Priest, lançado em 1977. |
Muitas vezes, o que pode representar uma iniciativa ousada
ou um passo adiante pode culminar em um desastre, uma falha de proporções
inimagináveis. O ímpeto de tomar uma decisão, contudo, sempre forçou a
humanidade a caminhar adiante, sejam por quais caminhos forem. Está em nossa
genética desbravar o desconhecido, aventurar-se na imensidão do novo e angariar
conquistas, sair do comodismo e do senso comum. Foi assim durante toda a nossa
história, da criação ao cotidiano. Não seria diferente com a arte...
Em 1977 o grupo de Birmingham (Londres), JUDAS PRIEST, estreou pelo novo selo, a
CBS (como era conhecida a empresa Columbia Records à época) justamente por
discordar da metodologia de investimento propagada pelo seu antigo selo, a Gull
Records (a banda afirmara que a empresa não divulgava seu material como deveria).
Tal iniciativa gerou a responsabilidade de lidar com uma gravadora grande da
época, onde a qualidade dos trabalhos poderia resultar em um contrato duradouro
e consequentemente o sucesso absoluto. No entanto, dois fatores determinaram um
desafio maior que o esperado para a banda: A saída da antiga gravadora
custou-lhes o a posse sob o direito de todos os seus trabalhos anteriores (até
então dois álbuns de estúdio, incluindo diversas demos) - o que foi um duro
golpe, e o fato de possuírem na bagagem um trabalho de 1976 aclamado pela
crítica e público, o atemporal SAD WINGS
OF DESTINY (obra que, embora não tivesse a participação direta de Al Atkins, ex-vocalista do grupo, ainda
contava com muitas de suas ideias).
Como lidar com tal situação, visto que, tanto os fãs como a
mídia em geral estavam ansiosos pela nova empreitada do grupo, justamente com a
sensação de que agora, com um selo de maior qualidade, poderiam consolidar de
vez o nome da banda no cenário da música pesada? E ainda por cima, encarando a
sombra do mais recente trabalho, uma verdadeira joia do Heavy Metal? O próximo
passo não poderia ser mais difícil ou ousado.
A segunda metade dos anos setenta marcou o cenário da música
pesada. Se por um lado os expoentes do Hard Rock continuavam a toda velocidade,
enquanto o embrião Punk dava seus primeiros passos nos guetos nova-iorquinos, o
lado mais pesado do Rock começava a dar sinais de fraqueza que o acompanhariam
até o fim da década. O BLACK SABBATH,
após o lançamento do seminal SABOTAGE
em 1975 começaria um declínio criativo, onde os próximos discos (TECHNICAL ECSTASY de 1976 e NEVER SAY DIE de 1978) não alcançariam
o mesmo status das primeiras obras, verdadeiros pilares para qualquer grupo de
som pesado. A explosão da NWOBHM ainda não havia acontecido, e um perigo rondava
as trincheiras do Rock de uma forma geral: a Disco Music, com seus traços que
uniam diversos gêneros musicais numa salada dançante e aparentemente descompromissada.
Foi diante desse cenário que o JUDAS
PRIEST procurou lançar o sucessor de sua obra-prima que, se não atingiu o
mesmo patamar do ‘anjo caído’ pelo menos serviu para mostrar ao público uma
banda que sabia manter o nível de seus trabalhos e procurava inovar no quesito
sonoridade e ritmo de suas composições.
Num ano em que o mundo perderia dois grandes gênios da arte
popular (em 16 de Agosto Elvis Presley
jamais balançaria as cadeiras novamente, enquanto em 25 de Dezembro Charles Chaplin fazia o cinema voltar a
se calar para reverenciá-lo) o JUDAS
PRIEST emplacou o trabalho intitulado SIN
AFTER SIN. Gravado em janeiro de 1977 e lançado em 8 de abril do mesmo ano,
a obra foi produzida pela própria banda em parceria com o então baixista do
grupo DEEP PURPLE, Roger Glover, no Ramport Studios, em Battersea
(ao sul de Londres). O local é famoso por ter sido de propriedade da banda
britânica THE WHO que gravou nesse
mesmo estúdio o álbum QUADROPHENIA
em 1973, tida como a obra mais emblemática do conjunto.
O disco com o encarte aberto ao fundo, dando mostras de um acabamento digno do relançamento realizado pela Sony em 2001. |
Algumas curiosidades cercaram a concepção do disco, como por
exemplo, o fato de ser o único registro de estúdio da banda a não contar com um
baterista fixo, sendo o instrumentista Simon
Phillips recrutado apenas para esta função. O baterista anterior, Allan Moore, partiu subitamente do grupo
após a turnê de SAD WINGS OF DESTINY.
Os ensaios com Phillips ocorreram no Pinewood
Studios (próximo a Londres), famoso local de gravação de filmes consagrados,
como os de James Bond e Superman. O fato mais inusitado ocorreu durante as
seções de gravação do trabalho. Enquanto não estavam em estúdio, os integrantes
da banda ficaram acomodados em um convento (!) onde, além de terem cama e
comida disponíveis, eram tratados como verdadeiras estrelas em virtude do nome
da banda, a qual certamente as freiras confundiram e atribuíram ao grupo algum
cunho religioso...
O título da obra não aborda nenhuma conotação conceitual,
contudo a primeira faixa, SINNER,
apresenta uma levada rítmica sensacional, com o desempenho das guitarras duplas
que já marcavam a mente dos fãs como algo registrado pelo conjunto e uma letra
totalmente voltada ao lado hostil do ser humano e ao pecado (não por menos o vocalista
e baixista alemão Mat Sinner usaria o
título desta música como alcunha para si mesmo e também como nome para sua
banda, anos depois). DISSIDENT AGRESSOR
viaja na mesma linha (inclusive esta faixa foi ‘coverizada’ pelo SLAYER), com fraseados de guitarra apoteóticos,
demonstração de talento da dupla Tipton/
Downing. LAST ROSE OF THE SUMMER
mostra uma balada tranquila, seguida de perto pela crescente HERE COMES THE TEARS, cujo refrão toma
forma no final de maneira espetacular ao lado de um solo virtuosíssimo! Vale
destacar a presença marcante do baixo de Ian
Hill, cuja timbragem e captação caíram muito bem durante toda a execução do
disco. A parte acelerada fica por conta de STARBREAKER
(o baixo de Ian Hill detona novamente),
enquanto LET US PRAY/ CALL FOR THE
PRIEST apresenta velocidade acima do permitido para a época (estamos
falando de meados da segunda metade de 1970, o Thrash Metal sequer era um
embrião), onde até o contratado Phillips
mostra uma disposição de um jovem iniciante. Uma falha durante a prensagem do
disco fez com que as duas faixas fossem colocadas juntas, quando na verdade LETS US PREY é uma pequena introdução
para CALL FOR THE PRIEST.
RAW DEAL é uma
autêntica mostra de capacidade de um grupo consagrado, é uma faixa que
determina quem vai longe ou não nesse negócio de música pesada! Um dos
destaques do álbum, ainda é incrível perceber como muitas bandas atuais não
conseguem reproduzir tal avalanche de notas em tão perfeita qualidade e com
tanta garra. Os vocais de Rob Halford
já davam mostras da grandiosidade que o mesmo atingiria anos depois, alcançando
notas de dar inveja em trabalhos marcantes e cada vez mais viscerais. O ponto
alto do vinil viria com um cover da cantora Folk norte-americana Joan Baez, o hit DIAMONDS AND RUST, que muitos acreditam até hoje se tratar de uma
faixa autêntica da banda tamanha a grande identificação da música com o
público. Alguns anos depois Baez foi
ao encontro do grupo acompanhada de seu filho que, ainda garoto a época,
afirmou que a versão do Priest era melhor (o que convenhamos, não está longe da
verdade).
A mostra de que o conjunto estava amadurecendo rapidamente deixou
muitos fãs de cabelos em pé, principalmente porque o JUDAS PRIEST já dava claros sinais de que comandaria a próxima leva
de bandas de Heavy Metal da década seguinte. Não por menos, IRON MAIDEN, SAXON e muitos outros grupos traziam na sua linha de frente uma
dupla de guitarristas amparadas por paredes de amplificadores Marshall e um
furacão de notas executadas impetuosamente ao chacoalhar de cabelos em meio à
pirotecnia e ao gelo seco. Tudo isso foi inspirado no que K.K. Downing, Gleen Tipton
e companhia fizeram no final dos anos setenta.
Porém, sempre tem os pesares. São inevitáveis, pois se há um
grande trabalho sendo executado, ele sempre terá que passar pelo severo olhar
da crítica e esta é conhecida por não dar margem a qualquer demonstração de incapacidade
ou incoerência. Mesmo com todo poderio demonstrado, com guitarras na frente, um
vocal mais que capacitado e uma cozinha segura e eficaz, o álbum quase
estagnou, pois mesmo com toda a qualidade apresentada a mídia especializada atribuía
nota abaixo de seu antecessor, ainda abraçado como obra-prima. Seria o SAD WINGS OF DESTINY a cruz do quinteto
britânico? Ou seria este um passo em falso da banda, uma falha naquela tal
iniciativa desbravadora? Bom, se considerarmos que SIN AFTER SIN rendeu ao grupo sua primeira turnê pelos Estados
Unidos em shows de abertura para o FOREINGNER
e o REO SPEEDWAGON, culminando no
festival Day Of The Green no Oakland Coliseum com ninguém menos que o LED ZEPPELIN (nos dias 23 e 24 de Julho
de 1977), pode-se entender que este foi mais um grande salto dos meninos de
Birmingham. Nessa ocasião o quinteto tocou para mais de 120.000 pessoas num
espaço de dois dias, o que sem sombra de dúvidas não é algo pequeno para uma
banda de Heavy Metal nos anos setenta.
O reflexo das faixas contidas no disco atravessou gerações,
sendo que o álbum foi agraciado com relançamentos durante as décadas seguintes.
No auge do sucesso, na segunda metade dos anos oitenta, ninguém queria ficar de
fora sobre como tudo começou para o grupo, e ao acompanhar as notas deste
trabalho a garotada ficava perplexa ao notar que a sonoridade, a determinação e
a técnica eram as mesmas, como se a diferença de quase dez anos em nada tivesse
afetado o conjunto. O relançamento do álbum em 2001 feito pela Sony trouxe um
disco totalmente remasterizado, além de incluir de bônus duas faixas, sendo uma
ao vivo (no caso a música JAWBREAKER
gravada no festival ABC Rock Network Broadcast ocorrido no Long Beach Sports
Arena, em Long Beach, Califórnia, no dia 5 de maio de 1984) e outra inédita até
então, gravada no Savage Studios em 1978. Trata-se de RACE WITH THE DEVIL, um cover do grupo THE GUN que apresentava notas afiadas e com poder de sobra para estar
na parte regular do disco.
Para o JUDAS PRIEST
o desconhecido tornava-se cada vez mais comum, enquanto o grupo acumulava clássicos
do Heavy Metal em sua extensa discografia (ainda na década de setenta a banda
lançaria os discos STAINED CLASS, KILLING MACHINE e o mega clássico ao
vivo UNLEASHED IN THE EAST gravado
no Japão), os desafios para atingir o tão sonhado patamar de deuses do Heavy Metal
estavam apenas no início, mas com todo o gás que vinham demonstrando já era
bastante evidente que esse tortuoso caminho seria amplamente trilhado.
O disco pronto para destilar os clássicos... |
Escrito em 05 de janeiro de 2014 às 16hrs e 37min.
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