O primogênito do Heavy Metal... Senhoras e senhores: Black Sabbath. |
É sabido que, para toda e qualquer coisa no universo há um
começo, um princípio. Nada vem do nada e, consequentemente, parte para o nada,
pois sempre há uma causa ou motivo para a criação ou destruição de algo.
Seguindo o princípio científico da criação da matéria espacial (entram nesse
panorama todos os corpos celestes como os planetas, os asteroides e as estrelas),
os astros que compõem todo o cenário cósmico são resultado de uma violenta explosão,
conhecida como Big Bang. O princípio ativo do Big Bang consiste em explicar,
através dos fatores científicos, que ocorreu uma explosão de proporções
aparentemente incalculáveis que romperam com as condições físicas e térmicas em
alguma escala no passado, ocasionando uma expansão de massa através dos tempos,
que continua a crescer e atingir dimensões cada vez maiores, conforme a geração
de calor passa a criar essa expansão e possibilitando o acúmulo de mais massa.
Estima-se que essa enorme explosão ocorreu há mais de treze bilhões de anos, e
o resultado de tudo isso é o universo no qual habita nosso planeta e todos os
demais corpos celestes que estão presentes no mesmo.
Essa é uma forma bastante resumida de tentar explicar a criação
do universo e os astros que o compõem, e é certo que até o momento ainda não
fomos capazes de presenciar nenhum Big Bang (embora a tecnologia tenha nos
permitido criar enormes aceleradores de partículas que em teoria comprovam a
ação da Grande Explosão), contudo, existe outra semente capaz de gerar corpos
celestes de forma semelhante ao dissertado acima, só que de maneira mais
razoável e compreensível.
Os pilares da criação são aglomerados de gás e poeira com
tamanho interestelar, localizados a anos-luz da terra e são responsáveis pelo
nascimento das estrelas. O nome foi dado por se parecerem a grandes pilares
erguidos no universo, sendo que o fenômeno do nascimento estrelar ocorre no
momento em que grandes partículas dos tais pilares se desprendem dos mesmos (resultado
de acúmulo de altas temperaturas que se manifestam juntamente com os gases
presentes nos pilares) e após atingirem determinadas proporções acabam por
condensar e formar os corpos celestes. A estes verdadeiros colossos são dados a
credibilidade da criação de muitas formas celestiais, compondo assim grande
parte da massa universal existente.
Se com o universo foi (e ainda é) dessa forma, é óbvio que
com tudo que nos compõe também segue a mesma premissa. Atendendo à necessidade
de que tudo parte de um princípio, as ações humanas também possuem seus “pilares
da criação”, e se adentrarmos o campo da música perceberemos que até aí vemos a
ação da “Grande Explosão”.
Era final da década de sessenta. A Inglaterra pós-guerra não
era mais que uma nação tentando se reerguer após a destruição causada pela
guerra contra os nazistas há pouco mais de vinte anos, e o cenário não era
satisfatório para as classes mais baixas da população. Em meio à crise que
assolava o país, sindicatos trabalhistas não possuíam recursos para satisfazer
as necessidades da classe trabalhadora, enquanto a juventude crescia sujeita a
delinquência e a marginalidade. O recém-reabilitado social John Michael Osbourne morava na cidade industrial de Birmingham (efe
havia sido julgado e condenado por furto, sendo obrigado a passar um tempo na
cadeia) e trabalhava esporadicamente num matadouro, enquanto via sua vida
passar. Esse era o destino de praticamente todos os jovens de sua terra natal,
e uma vida regada a aventuras e desafios representava muito mais para a
juventude local que qualquer possibilidade de sustento gerada pelas chaminés das
fabricas. O decadente município britânico também confortava o delinquente Anthony Frank Iommy, filho de um dono de
uma loja de doces e que tinha fama de ser um valentão na adolescência; além do
excêntrico Terence Michael Joseph Butler
que gostava de desfilar um guarda-roupa usado e de péssimo gosto; e de William Thomas Ward, um sujeito que
tinha o hábito de não fazer nada a não ser perambular pelas ruas. Sob os
olhares de uma sociedade altamente conservadora, que tratava seus filhos sob rígidas
regras da conduta e postura, não era estranho perceber que a juventude se unia
e seguia a contra mão de todo aquele moralismo, desafiando a autoridade ao
abraçar os conceitos de liberdade e igualdade que uma vez foi plantado na mente
de cada cidadão. A British Invasion foi um grande marco para a revolução
cultural que começava a dar as caras naquela época, e grupos como CREAM, YARBIRDS, FEETWOOD MAC e
THE WHO davam as notas do que seria
executado nas próximas décadas, só que de uma maneira mais particular, mais apontada
para a realidade daquela juventude. Não demorou para o caminho dos quatro
jovens aqui citados se cruzar, e o que nasceu desta união pode ser comparado ao
Big Bang que foi mencionado no início deste texto.
Como centenas de jovens ingleses, a sensação que estes
rapazes possuíam era de que a vida não valia nada, então uma possibilidade de
existirem para a música começou a se tornar uma realidade cada vez mais
presente. Com o objetivo firme de fazerem uma banda e seguir aquela linha de
Blues pesado e elétrico já praticado por BEATLES
e ROLLING STONES - os heróis de uma
geração - o quarteto começou a elaborar jams
que iam de encontro a essa sonoridade que a princípio era caótica, mas
representava tudo o que eles acreditavam. Sob o embalo de linhas distorcidas de
guitarra e peso de baixo, foi pegando um nome emprestado de uma loja de roupas
indianas da redondeza que o conjunto iniciou sua aventura musical. O POLKA TULK BLUES BAND, como era
inicialmente conhecido, praticava um som denso, mas distante daquilo que
consagraria os rapazes mais adiante. O tempo se encarregou de reduzir o título
da banda para apenas POLKA TULK enquanto
o grupo evoluía sua habilidade lírica e técnica instrumental.
Desde esses remotos dias Tony
Iommy já mostrava ser um sujeito diferenciado. Um acidente sofrido durante
um dia de trabalho em uma fábrica lhe custou a ponta de dois dedos da mão
direita, o que tecnicamente
comprometeria toda a sua vida artística como guitarrista. Entretanto, seguindo
o exemplo do lendário guitarrista cigano Django
Reinhardt (que tocava seu instrumento apesar de possuir apenas três dedos móveis
em uma das mãos), Tony desenvolveu seu próprio estilo de tocar, fazendo de suas
apresentações verdadeiras exibições de mágica. Entre os anos de 1968 e 1969 o
conjunto mudou de nome mais uma vez, que por sugestão de Bill Ward passou a se chamar EARTH
(para os músicos a pronúncia era mais fácil). O nome, contudo, não durou muito,
pois já havia outra banda mais famosa que usava a mesma alcunha, forçando os
rapazes a bolar outro título. Foi aí que a semente de tudo que viria a compor a
vida desses jovens passou a germinar. Grande apreciador de literatura de horror
e ocultismo, Geezer Butler (que já
atuava como principal compositor da banda) assistiu a um filme de terror do
famoso diretor italiano Boris Karloff
que o fez se perguntar “por que as pessoas pagam para sentir medo?” Após a
questão, imediatamente sacou a resposta que desvendava tanto o mistério que
envolvia a morte e seus segredos como as questões da banda. Estava claro na
mente de Geezer que uma mudança no direcionamento
artístico do conjunto se tornava necessária, e cantar e tocar apenas sobre o
amor e a liberdade já não atenderia a todo o momento pelo qual o grupo passava.
O nome EARTH seria visto pela última
vez num palco em uma noite de apresentações viscerais e daria lugar a algo que,
se a princípio soava detestavelmente repulsivo, ao mesmo tempo proporcionava
uma aura de mistério e fascínio que perduram até hoje. Sem dúvida Boris karloff foi genial ao dirigir o
filme BLACK SABBATH, que pode ter
significado pouco para uma geração, mas muito para a que ainda estava por vir.
Na versão original do LP essa cruz invertida deu o que falar... |
Nessa época a banda já contava com os trabalhos do empresário
Jim Simpson, que entre o agendamento
de uma apresentação e outra conseguiu arranjar um contrato para o grupo com o
novato selo Vertigo (uma subsidiária recém-aberta da holandesa Philips Records),
o que garantiria aos rapazes de Birmingham a gravação de um disco. Parecia uma
voz distante, vinda de longe, que dizia para o quarteto que aquilo era apenas o
começo de tudo, mas para quem havia passado a vida inteira cercado pela miséria
e incerteza nada daquilo parecia ser de fato real.
Com o apoio do também novato na área Roger Bain (recém-contratado pela Vertigo para produzir o álbum), o
conjunto rumou para Londres, disposto a registrar o material de seu primeiro full lenght. As gravações foram
realizadas entre os dias 16 e 19 de outubro de 1969, pelo módico preço de seiscentas
libras, no Regent Sound Studios, localizado na Tottenham Court Road. Para
auxiliar na produção, Roger contou com a supervisão dos engenheiros de som Tom Allom e Barry Sheffield, que cuidaram dos efeitos técnicos da obra (o
barulho da chuva e os sinos na faixa título foi ideia deles). Roger também
seria o responsável pela gravação dos outros dois discos da banda, além do
primeiro álbum dos conterrâneos de Ozzy
e companhia, o JUDAS PRIEST,
intitulado ROCKA ROLLA, de 1974.
Pelo curto tempo disponibilizado para a utilização do
estúdio (um fato normal para qualquer banda naqueles dias), o trabalho foi inteiramente
gravado ao vivo, com todo mundo tocando ao mesmo tempo. Para facilitar a
captação dos vocais graves de Ozzy, o
mesmo teve que ficar sentado num canto do estúdio enquanto Bill, Geezer e Tony tocavam no meio, o que acabou por
se tornar uma das marcas do BLACK
SABBATH no início da carreira, em apresentações que o frontman não ficava na frente...
Para preceder o lançamento do vinil, a gravadora sugeriu
dois singles para a banda, com a
intenção de alavancar o trabalho na data de seu lançamento. Foram preparadas
duas faixas para essa ocasião, EVIL
WOMAN (DON’T PLAY YOUR GAMES WITH ME) - uma canção cover do grupo inglês CROW - e WICKED WORLD. O material foi lançado em janeiro de 1970, e mesmo
sendo relançado em março daquele ano foi um fracasso de vendas. O álbum, por
sua vez, não seguiu a premissa do single,
e foi muito bem recebido pelo público, atingindo o oitavo lugar nos charts britânicos.
Oficialmente lançado no dia 13 de fevereiro de 1970 (uma sexta-feira,
aliás) o álbum autointitulado chocou a cena musical britânica logo de cara, com
uma capa que representa um enigma até hoje. A foto, que mostra uma bruxa em
frente a uma casa abandonada foi tirada em um moinho destruído (Mapledurham
Watermill) em Oxforshire na Inglaterra, sendo que não se sabe ao certo se a
mulher que aparece na foto é uma atriz contratada ou uma colagem. Ao abrir o
disco, o encarte original mostra uma enorme cruz invertida com um poema gótico
escrito na figura, dando a entender que o conteúdo do disco é extremamente
satânico, o que rendeu certa dor de cabeça para o grupo no início, com a constante
perseguição de seitas que desejavam saber mais sobre o quarteto. Vale lembrar
que nada disso foi projetado pelo conjunto, tudo foi uma proposta da gravadora,
mas acabou alavancando as vendas do disco.
O grande destaque do álbum fica por conta de sua sonoridade.
A juventude já havia presenciado o surgimento de grupos que tocavam Rock pesado,
como o seminal LED ZEPPELIN e o bem
arranjado DEEP PURPLE, mas embora
essas duas bandas prezassem pelo som agressivo e visceral, nada se comparava as
notas soturnas e o peso absurdo do instrumental trabalhando ao lado de letras que
cantavam sobre guerra e medo, princípios totalmente contrários a era paz e amor
que estava acabanado. O impacto de canções como THE WIZARD, N.I.B., SLEEPING VILLAGE e a faixa título obriga
o ouvinte a entrar num estado hipnótico, levado por forças ocultas a transitar
por mundos distintos... A força do disco é tamanha que o simples gênero Rock’n’Roll
já não era mais suficiente para comportar tanto poder, o que forçou a mídia a
rebatizar a música pesada do conjunto como Heavy Metal. Enfim, o mundo estava
diante do baluarte de todo o som agressivo que infestaria as residências mundo
a fora nas décadas seguintes, e dificilmente alguém pode afirmar o contrário: o
BLACK SABBATH é o pai legítimo de
toda e qualquer manifestação que provenha do Metal.
O disco ainda conta com as faixas BEHIND THE WALL OF SLEEP, que apresenta uma levada semelhante ao
que a banda desenvolveria principalmente nos dois trabalhos seguintes, além da
faixa EVIL WOMAN já citada e inclusa
no single, e a canção WARNING, que é
outro cover da banda de Blues AYNSLEY
DUNBAR RETALIATION, que por regra de Roger
Bain teve um solo de dezoito minutos retirado durante a mixagem do disco.
Por questões legais a canção EVIL WOMEN
não apareceu na primeira prensagem da versão americana do álbum, sendo substituída
pela canção WICKED WORLD, lado B do
single comentado acima. Somente após mais de vinte e cinco anos após o
lançamento original uma versão contaria com todas as oito faixas.
Os shows que seguiram o lançamento do disco foram
avassaladores, e era no palco que a banda realmente mostrava seu poderio. Ozzy chacoalhava a cabeleira e batia
palmas enquanto cantava, dando sinais de que se tornaria o ‘madman’ aclamando na década seguinte, enquanto Tony e Geezer desfilavam técnica e graça na forma de tocar (Geezer revolucionou a forma de como usar
o baixo na música pesada, enquanto Tony
é uma referência para praticamente todos os guitarristas de Heavy Metal) e Bill Ward mostrava ao mundo o que era
tocar bateria com personalidade e atitude (era difícil de acreditar como o
sujeito conseguiu aprender a tirar o som de seu instrumento sem aula nenhuma).
Fica claro depois de tudo isso que Heavy Metal também possui
sua origem, a forma primária que deu possibilitou o surgimento de toda uma geração.
Assim como o Big Bang que deu vida a tudo que há no espaço, ou aos pilares da
criação que trazem à tona as estrelas, o Heavy Metal pode se orgulhar de ter um
começo digno, que parte deste ponto e retorna para este ponto, como todas as
coisas no universo.
E a coragem pra apertar o play? O álbum ainda soa atemporal. |
Escrito em 12 de janeiro de 2014 às 17hrs. e 30min.
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