O primeiro disco da banda de Speed Metal Exciter, lançado em 1983. |
...O salmão do Pacífico, conhecido pela sua peculiaridade de
procurar a reprodução no local exato de seu nascimento, localizado em rios
ribeiros e lagos no norte do continente americano, distingue-se das demais
espécies de peixes justamente por possuir esta natureza híbrida, vivendo boa
parte de sua vida no oceano e, durante o período de acasalamento, retorna a
água doce, enfrentando uma jornada que garante não só a perpetuação de sua
própria espécie, como também de muitas outras formas de vida que se alimentam
deles enquanto executa esta que é considerada uma das mais espetaculares
migrações da terra. O prazo de três semanas que leva para cruzar o Pacífico e adentrar
nas águas da costa dos Estados Unidos beneficia, diretamente ou não, toda a
fauna e flora que ali se encontra (ursos, lobos, aves das mais variadas
espécies, mamíferos de pequeno porte e até mesmo as árvores e plantas),
mantendo todo um ciclo ativo. É um espetáculo da natureza, uma prova de
perseverança demostrada a partir do senso mais natural dos seres vivos. Tal
ação promove uma cadeia próspera de existência, ainda que custe a vida daqueles
que a propagam.
O esforço gerado por estas criaturas, que desde o início da
migração renegam o descanso e a alimentação cobra seu preço ao final da viagem,
onde os milhares de peixes que sobrevivem ao grande trajeto e executam a cópula
enfim morrem de exaustão e nutrem o leito dos rios através da decomposição de
seus corpos. A natureza sempre mostrou como as coisas funcionam...
Em 1977. O jovem John
Ricci, já cansado da vida monótona que levava passando por bares e pequenos
pubs enquanto tocava sua guitarra usada, não via grandes progressos em seguir adiante
com seu grupo, o então intitulado HELL
RAZOR. Cidadão de Ottawa, capital do Canadá e localizada na província de Ontário,
a mais populosa do país, a promissora vida como operário em uma das várias
indústrias do local começavam a mexer com sua cabeça, principalmente após a
queda de seu conjunto, quando houve uma debandada de todos os componentes.
Desamparado, Ricci ainda conseguiu
reunir suas últimas esperanças na música e passou a procurar novos integrantes para
sua empreitada. Na época sua banda praticava um estilo musical que estava
distante da revolucionária alavanca do Metal dos anos oitenta, e tudo o que
fazia era sonhar com um futuro de condições melhores para suas músicas e pretensões.
John ficou pouco
tempo sozinho. Após o abandono dos antigos integrantes do HELL RAZOR, Ricci
encontrou na banda JET BLACK os
instrumentistas perfeitos para comporem seu novo time. O grupo, conterrâneo ao
de Ricci, apresentava o baixista Allan Johnson, um sujeito de aparência
franzina e longos cabelos loiros, e Dan Beehler,
rapaz de aparência amedrontadora e detentor de uma enorme juba emaranhada, conhecido
nas redondezas por tocar de forma exímia sua bateria de dez peças (incluindo um
bumbo duplo, até então seu grande trunfo). A banda fazia um som que seguia uma
linha visceral, algo próximo ao Metal tradicional que sempre agradou Ricci, então após alguns ensaios ficou clara
a interação entre os rapazes que não tardaram em deixar o JET BLACK no passado e se juntarem a John em uma nova jornada.
A banda é original da cidade de Ottawa, no Canadá, e é apontada como uma das precursoras do gênero Speed Metal em todo o mundo. |
Com um time totalmente novo, faltava apenas escalar um bom
vocalista, capaz de segurar todo o impulso jovial contido nas batidas ferozes e
nas notas ácidas do conjunto. A tarefa obviamente não foi simples e após algumas
audições o trio estava entrando em um complexo de carência quanto ao posto, até
que Dan Beehler resolveu soltar a voz
em um dos ensaios do grupo e surpreender a Allan
e John. Ao fim de uma apresentação
selvagem de Beehler que cantou e
tocou seu instrumento desenfreadamente, John
e Allan estavam certos de que não
havia mais necessidade alguma de procurar por alguém para assumir o centro do
palco. A bateria então foi remanejada um pouco mais para frente, e a exemplo do
que já faziam Carl Parmer do viajante
ELP e Peter Criss do explosivo KISS,
o HELL RAZOR passaria a contar com um
baterista/ vocalista, que incendiava suas apresentações de forma insana,
chacoalhando a cabeça enquanto tirava levadas ferozes de seu kit e um vocal
poderoso. Era algo estrondoso de se ver.
O grupo permaneceu na jornada de executar suas músicas pelos
becos escuros durante algum tempo, na expectativa de serem notados por uma gravadora
e enfim tornarem realidade a meta de subir nos grandes palcos. Em 1980, já fãs
declarados das bandas tradicionais do Metal britânico como o MOTÖRHEAD, JUDAS PRIEST e BLACK SABBATH,
as ocasiões nas quais John e os
demais passavam horas ouvindo os clássicos discos desta verdadeira trindade do
som pesado às vezes excediam o tempo que dispunham para tocar, e foi durante um
desses momentos ‘relax’ que o conjunto escutou o atemporal disco ao vivo UNLEASHED IN THE EAST do Priest (de
1979). Bastou para que os rapazes mergulhassem de cabeça no som fervoroso
executado pelas guitarras gêmeas da afiadíssima dupla Gleen/ Downing, numa espécie de magia arcana que torna escravo
qualquer indivíduo que ouça suas preces ocultas. O gelo seco, o couro, a
pirotecnia, as luzes, as tachinhas, enfim, tudo o que aquele disco gravado durante
uma turnê no Japão expunha representava o altar do Heavy Metal para o HELL RAZOR, que após deparar-se com o
disco sequer sentiu a necessidade de manter o atual título, imediatamente
mudado para EXCITER, a canção que abre
o disco e uma das muitas faixas presentes nesse álbum. Os shows para plateias
ensandecidas era o maior objetivo para o trio canadense, e uma mudança no nome
e no direcionamento parecia ser a única coisa que faltava para o renascimento da
banda.
Praticante de um estilo característico dos anos oitenta, o grupo tinha como base as composições rápidas dos grupos britânicos como o Motörhead, e logo se tornou uma influência para várias bandas. |
Com o estouro da NWOBHM na mesma época, parecia natural que
qualquer grupo de som pesado pegasse carona nesse bonde, tanto que a nova era
do Metal britânico apresentava bandas cada vez mais agressivas, experimentando
disparar para além das fronteiras criadas pelo BLACK SABBATH. O injustiçado VENOM
foi um dos pioneiros em desfrutar da mistura fatal de instrumentos distorcidos
a uma temática agressiva, e o resultado pode não ter agradado de início a
grande parcela dos fãs mais tradicionais, mas provaria seu potencial com o
passar dos anos, influenciando toda uma geração. Passado um prazo de dois anos,
o VENOM já estava se consolidando
como uma grande atração do Metal britânico, tanto que sua obra-prima estava
prestes a sair do forno, quando no outro lado do continente um time já bastante
entrosado com seus instrumentos e com a temática das bandas inglesas resolveu
explorar o potencial de suas composições, gravando em junho de 1982 a demo WORLD WAR III. Contando com quatro faixas (algumas versões em
cassete tinham apenas três), o título já entrega o conteúdo das gravações, que
batem de frente com questões morais e abordam a violência sem pudor algum. O
produto atendia perfeitamente a necessidade dos jovens de libertarem-se das
amarras da rígida sociedade pós-segunda guerra, e foi o suficiente para a
gravadora Shrapnel Records inclui-los na coletânea US METAL VOL. II no mesmo ano.
Com o retorno positivo das vendas e o bom retrospecto com os
fãs, o conjunto conseguiu um contrato com a gravadora, partindo logo em seguida
para o Dungeon Studios sob a tutela do produtor John Belrose, pois era preciso aproveitar o bom momento e continuar
com a gravação de mais material. Parecia mentira que aqueles três rapazes,
frequentemente vistos pela vizinhança como vagabundos honorários iriam enfim levar
suas ambições adiante, com direito a verba para gravação e uma possibilidade de
tocar para grandes públicos. O mérito não pode ficar apenas com o trio, já que
o irmão de Dan, Richard Beehler, motivou muito os jovens, inclusive ajudando a
manter o ritmo e a pegada nas composições, canções estas que estavam na ponta
da língua e dos dedos da banda. Não foi trabalho algum sair de Ottawa em agosto
de 1982 para chegar até a cidade de Aylmer, localizada na bela província de
Quebec, vizinha a Ontário e começar os preparativos para a gravação de mais uma
demo, dessa vez mais caprichada. Capacitado
e extremamente bom de ouvido, Belrose
percebeu logo de cara que a banda tinha muito potencial. Após a conclusão dos
trabalhos, solicitou uma rápida conversa com os representantes do selo, a fim
de transformar o conteúdo captado em um full
lenght. Ainda que houvesse certa resistência da gravadora, o material era
digno de uma ótima avaliação e acabamento, uma verdadeira mágica de estúdio, o
que garantiu para o EXCITER a
certeza que dali sairia o primeiro disco oficial da banda.
Aproveitando-se do impacto que a cena Metal desfrutava no
solo norte americano, o álbum HEAVY
METAL MANIAC chegou às prateleiras no primeiro semestre de 1983. Assim que
foi disponibilizado, apresentou para o mundo um som cru, ríspido e de pegada agressiva,
muito próxima ao Punk Rock, mas ao mesmo tempo de mãos dadas com o Heavy Metal
tradicional. Os fãs, muitos deles já familiarizados com as notas furiosas do VENOM, MOTÖRHEAD e JUDAS PRIEST
se deleitaram com o disco, onde as canções apresentavam uma pegada ainda pouco
comum para os grupos americanos de Metal. Conforme algumas bandas planejavam
velejar por notas pesadas e selvagens, como o recém-deportado RAVEN e o agora bajulado VENOM, o EXCITER apresentou ao novo mundo uma sonoridade contemporânea, deixando
claro que estava a frente de um movimento que daria vida a outros gêneros do Metal.
Assim foram dados os primeiros passos do Speed Metal, que tocava notas na
velocidade da luz, e logo em seguida intercalava os embalos sônicos com uma
cadência absurda, tão pesada quanto às máquinas da indústria moderna.
A parcela de fãs do grupo era composta por jovens eufóricos, verdadeiros devotos do Heavy Metal. |
A introdução do disco com a instrumental THE HOLOCAUST dá uma breve nota do que se
segue nos quase quarenta minutos da película. Ao fim desse primeiro embalo, o
fã dificilmente ficará inalterado diante da sucessão das faixas que compõem o
álbum, pois a sequência com STAND UP AND
FIGHT, HEAVY METAL MANIAC (verdadeiros
hinos do Speed Metal) IRON DOGS (um
estouro! Melodias alternadas com muito peso e ritmo num show a parte de Dan Beehler! Uma das melhores) e MISTRESS OF EVIL (levada marcante,
seguindo IRON DOGS de perto) não
deixa nada parado. O poder dessas canções é extraordinário, tanto que nesse
início de década poucas bandas conseguiam ser tão pesadas e agressivas quanto
esse trio. O disco ainda conta com as faixas UNDER ATTACK (de fácil assimilação e com muita energia), RISING OF THE DEAD (o trabalho do
instrumental é fabuloso, com um riff
certeiro e viciante), a cadenciada BLACK
WITCH (que evidencia mais o lado BLACK
SABBATH da banda) e o encerramento furioso com CRY OF THE BANSHEE mostram que o Canadá partiu na frente em termos
de som agressivo e visceral. Com uma joia desta em mãos, fica difícil de
entender como a banda acabou não se firmando no cenário da música pesada, cada
vez mais exigente com os novos grupos e procurando sempre pelo próximo torpedo
desenfreado.
A Shrapnel Records, que nunca havia dado pulos de alegria
pelo trabalho em questão, não gostou do resultado do disco, e o que era para
ser um mar de rosas quase se transformou em frustação, mais uma vez. A salvação
veio através das excursões do trio, que sempre provou ser mais eficaz nos
palcos que no estúdio, e durante as muitas viagens que realizou no país - e
algumas eventualmente fora dele - acabou por despertar o interesse do afiado Jon Zazula (dono da famosa gravadora Megaforce)
que, como num passe de mágica, colocou os jovens canadenses no mesmo batalhão
de bandas hoje consagradas, como MEGADETH,
MANOWAR, ANTHRAX e claro, METALLICA.
No fim das contas, o início desta grande jornada mostrou-se promissor para o conjunto
canadense, mas fazer comparações entre estes primeiros e avassaladores passos
com a atualidade é como comparar o sol com a lua.
Assim como os salmões descritos no início deste texto, o EXCITER serviu unicamente como suporte de
um ciclo, caindo de produção com o passar dos anos e sendo tachado hoje como um
grupo ultrapassado, agarrado as glórias de seu passado. Houve diversas
reformulações dentro da banda, mas quando Dan
Beehler ausentou-se do banquinho em que sentara por uma década, no ano de
1992, o grupo pereceu. É bem verdade que ainda hoje John Ricci, único integrante original, mantém o nome da banda na
ativa como um quarteto, mas definitivamente não é mais aquele monstro dos
palcos, que trazia euforia instantânea apenas com sua presença e alguns meros
acordes. Em 2004 Jeff Waters (líder
da banda canadense ANNIHILATOR)
remasterizou o álbum, colocando à disposição dos fãs duas faixas que foram
gravadas durante aqueles anos incríveis, WORLD
WAR III e EVIL SINNER (faixa
esta presente no álbum de 1984, VIOLENCE
AND FORCE), que mantinham aquela pegada furiosa de antigamente. Esta versão
ainda conta com a entrevista realizada durante o backspace do show de abertura
para o BLACK SABBATH, realizado na
cidade natal dos canadenses. Um registro memorável.
Hoje o número de grupos que se diz influenciado pelo EXCITER é tão grande quanto as
cabeleiras daqueles três headbangers,
e não é errado afirmar que a banda é uma das mais influentes do estilo. A
natureza do Heavy Metal perpetuou-se a partir do sacrifício e da contribuição
desta lenda do estilo, que ao nadar pelas águas do mundo pode então espalhar
suas sementes, concluindo, assim, o curso de sua existência. Não há necessidade
de se esperar ou almejar mais que isso...
O disco foi muito bem aceito pelos fãs, tornando-se um clássico da música pesada. |
Escrito
em 18 de janeiro de 2014 com início às 19hrs. e 22min.
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