sábado, 28 de dezembro de 2013

Overkill - Motörhead

Um dos mais marcantes discos da década de setenta: Overkill do inigualável Motörhead.
Imagina só... E se, de repente, o mundo inteiro perdesse o dinamismo, como se houvesse uma só lei a ser seguida, baseada em uma conduta sócio-política que prejulgasse e colocasse na mesma ótica a cultura, o pensamento e a opinião de uma só vez? Não haveria liberdade de expressão, voz de ação ou mesmo nenhuma atitude que demonstrasse qualquer traço de comportamento ou personalidade que poderia criar algum contraste entre as pessoas. Do ponto de vista global, os dias de hoje apresentam uma tendência amplamente inclinada ao politicamente correto, a fim de propagar uma cortina de ordem na sociedade. Há quem diga que nosso cotidiano está diretamente ligado ao momento em que o mundo passa, ignorando completamente o passado, enquanto outros veem como causa destes “dias de paz e tranquilidade” ao que o planeta vem passando nesses últimos anos à necessidade de uma ferramenta organizadora (necessidade esta gerada em resposta as crises econômicas, guerras e conflitos de interesse que formaram o cenário de praticamente todo o século passado), esquecendo-se de compreender que mesmo sob esta era de propagação da moral o ponto de vista de cada indivíduo ainda permanece ativo e conceitual.
Se no planeta em geral este paradigma encontra-se sutil, o mesmo não se pode falar dos aspectos culturais, onde é cada vez mais evidente que há, de fato, um sistema a colocar tudo em um determinado padrão de conduta. O conjunto de regras que determinam religião, política, senso crítico, enfim, toda e qualquer forma de expressão estão sendo julgados da mesma forma, partindo do mesmo princípio. Cresce o controle absoluto, diminuem as características e particularidades de cada um, reflexos de suas ações e opiniões. Contudo, ainda pode-se contar com a irreverência e genialidade de certos indivíduos, cujos exemplos, embora criados haja algumas décadas, ainda contribuem para ampliar esta ideia de liberdade.
Um desses sujeitos é Ian Fraiser Kilmister (ou Lemmy Kilmister), que desde o início dos anos setenta já demostrava fortes traços de sua personalidade única. Debochado, canastrão, mulherengo e frequentemente chapado de álcool e LSD, Lemmy foi chutado de sua ex-banda, o espacial HAWKWIND por comportamentos hostis e viajar constantemente carregado de drogas (ele foi despejado do conjunto durante a turnê no Canadá). Após o episódio, propôs para si próprio uma única regra: “não serei mais expulso de banda nenhuma! Criarei a minha própria banda para decidir se chutarei os outros ou não!” E assim, em 1975 deu origem a banda BASTARDS.
O grupo originário da capital inglesa contava inicialmente com Lemmy nos vocais e no baixo, auxiliado por Larry Wallis que tocava guitarra e cantava em algumas músicas eventuais, além de Lucas Fox que cuidava da bateria. Os primeiros trabalhos com essa formação ainda mostravam certa proximidade com o conteúdo da sua ex-banda, contudo já era possível sentir uma similaridade com o material dos anos posteriores que consagrariam o rebelde Ian em ícone de uma geração. Os ensaios do grupo eram frequentemente regados a muita bebida e drogas, e não demorou para Lemmy mudar o nome da banda para algo mais, digamos, condizente com sua realidade. Saía assim o título BASTARDS para entrar o único e histórico MOTÖRHEAD, cujo significado da palavra está próximo a algo como “viciado em anfetaminas” e já havia sido criada por Lemmy em uma faixa para o HAWKWIND (que na ocasião não chegou a ser lançada nos álbuns do conjunto).
Após um contrato conturbado com o selo United Artist Records, o trio preparou-se para gravar o que seria o primeiro disco da banda, contudo mudanças aconteceram no curso da história. Lemmy, que já andava insatisfeito com a performance de Fox (ele dizia que faltava pegada e dinâmica na forma de tocar do baterista) despejou o sujeito, contando com o auxílio de um jovem que conhecera há algum tempo, o seminal Philty Animal Taylor para concluir as gravações. Tão descarado, beberrão e debochado quanto Lemmy, Taylor era dono de uma forma exclusiva de tocar bateria, que incorporava elementos de Classic Rock e Punk Rock na medida certa, sendo que o baixinho caiu como uma luva no conjunto. Com a conclusão das músicas, o disco estava pronto para sair do estúdio quando a gravadora interveio e alegou não gostar do resultado da película, engavetando o material que só veria a luz do dia em 1979. Após o ocorrido Lemmy e seus comparsas continuaram a aventurar-se nos pubs londrinos até que em 1976 ficou decidido que a banda passaria a contar com mais um guitarrista. Foi ai que entrou a presença do ilustre Fast Eddie Clarke, que tocava notas ferozes numa linha de Blues Rock lisérgico. Foi a deixa para Larry Wallis deixar o conjunto, e a partir dai o trio mais famoso do som rápido, sujo e agressivo começou a sua excitante jornada nas terras selvagens e opressoras das décadas pós-guerra.
Munido de um visual que combinava cinto de balas, camisas de cowboy e chapéus de faroeste, além de jaquetas de couro e patches, Lemmy e sua banda conseguiram soltar um título na praça, que atendia simplesmente pelo nome de MOTÖRHEAD (desta feita pelo estranho selo Chiswick) e trazia uma sonoridade abafada, carregada de distorção e contando com covers do HAWKWIND, de certa forma ainda uma sombra na imaginação Lemmy. O trabalho original de 1977 apresentou pela primeira vez a famosa mascote Snaggletooth criada por Joe Petagno (famoso atualmente por conceber capas para diversos grupos como SWEET, NAZARETH, KRISIUN, MARDUK entre outros), mas não foi bem digerido pelo público, embora o apelo Punk já fosse uma realidade em Londres e o grupo atendia perfeitamente aquela demanda. Ainda não tinha sido daquela vez que os “bastardos do rock” chegariam ao posto merecido.
A versão de 2005 disponibilizada pela Sanctuary Records.
Contudo, o mundo pode oprimir a todos, mas só derruba os fracos. Era final de 1978 quando, mais uma vez, o trio arregaçava as mangas e encararia uma nova jornada ao estúdio, dessa vez com experiência e contando com um bom selo para assessorá-los (o já famoso Bronze Records). Gravado no Roundhouse Studios e Sound Development entre os meses de dezembro de 1978 e janeiro de 1979 e valendo-se da produção de Jimmy Miller, OVERKILL pode não ser o primeiro disco a apresentar a clássica formação em ação, mas sem dúvida é o trabalho que abriu as portas do cenário fonográfico para o trio. Rápido, agressivo, certeiro e letal, o dia 24 de março marca a data de lançamento do terceiro trabalho da banda que brinda o ouvinte com uma audição visceral e ao mesmo tempo contagiante e até agradável (escute a bem sacada faixa I WONT PAY YOUR PRICE e concorde), com instrumental de arrancar elogios do mais cético crítico e letras carregadas de verdade nua e crua. A obra já começa pela faixa título, que pode ser perfeitamente comparada a uma marcha para a guerra. O trabalho de Taylor nas baquetas faz da música uma verdadeira máquina de destruição, acompanhada pelas notas precisas de Eddie e do baixo martelado de Lemmy, enquanto o mau caráter destila suas proezas numa vocalização que faria Johnny Cash encher-se de orgulho por ser influência desse malicioso rapaz. As canções são dotadas de um sentimento que se desvia das mitologias constantes dos outros grupos de Heavy Metal, ou do ocultismo propagado pelo BLACK SABBATH durante muitos anos, agindo como um catalizador da realidade, desnudando verdadeiras desventuras pessoais de Lemmy, o compositor da banda, como em STAY CLEAN, que fala abertamente de manter-se firme em sua conduta quanto às tendências do mundo (sobretudo religião e política, encaradas como verdadeiras instituições de manipulação de massa). Não bastasse o mesmo Lemmy ser dotado de uma aura carismática inabalável (o disco ainda conta com a faixa I’LL BE YOUR SISTER que fala de amor, mas de uma forma bem mais carnal e sincera), é incrível perceber como a marca de sua banda criou verdadeiros pilares para diversos gêneros musicais, do Punk Rock ao Black Metal, sendo correto afirmar que uma grande fatia dos jovens que viviam a primavera dos anos dourados do Heavy Metal literalmente abraçaram sua cria como uma força vitalizadora, um refúgio para suas mentes exaustas da opressão psicológica regida pela sociedade puritana. A potência de faixas marcantes, como NO CLASS (que posteriormente contou com uma magistral versão cover do grupo PLASMATICS, da lendária Wendy O. Williams), DAMAGE CASE (esta gravada em parceria com o músico e compositor Mick Farren, amigo de longa data de Lemmy), METROPOLIS e TEAR YA DOWN (onde o trabalho das seis cordas de Eddie aliado ao motor da bateria de Taylor deixa clara uma raça sem igual) fazem do conteúdo do álbum algo marcante, sobretudo para a atitude de Lemmy, que enfim foge da sombra do espacial HAWKWIND. Foi seu salto para trabalhos fenomenais que se seguiram, onde a veia Rock’n’Roll enfim se libertava e deixava bem claro que o mainstream, seja lá o que fosse, teria que empurrar o MOTÖRHEAD goela abaixo e aceitar sua fúria incontrolável e puramente genuína, uma fusão perfeita do Rock com o Punk e o Heavy Metal.
CAPRICORN, uma das composições que mescla bem os domínios dos fatos com a realidade, mostra claramente toda a discussão sobre opinião aberta nestas linhas, onde a conduta de um indivíduo parte unicamente dele mesmo - o âmbito social gera apenas influência superficial em suas atitudes. LIMB FOR LIMB encerra o trabalho apresentando um solo de guitarra executado pelo próprio Lemmy (o da segunda parte da faixa), dividindo as seis cordas com Eddie num frenesi quase hipnótico. Não há dúvidas: a tribo metalhead estava diante de um trabalho realmente especial, que em apenas trinta e cinco minutos ficou conhecido como um dos mais rítmicos, certeiros e pesados de toda a década de setenta.
Foi um estouro: o disco caiu nas graças do público e enfim a banda pode desfrutar de uma cena mais favorável as suas atitudes. Jovens de diversos países da Europa chacoalhavam seus corpos e cabelos num turbilhão de euforia, marcados pelo romper frenético das quatro cordas do velho Rickenbacker de Lemmy, que não perdia a mão tanto em relação ao público que já gritava seu nome como nas composições sobre sexo, drogas e vida livre, como pode ser acompanhado durante e turnê que promovia o lançamento do álbum, que acabou passando pelo tradicional Paris Theatre em Londres, onde o trio executou sete faixas desse álbum para uma plateia ávida e enlouquecida.
Longe de ser possuir um apelo físico sexual (Lemmy tinha berrugas na cara, além de velhas e desgastadas tatuagens e dentes faltando, enquanto Eddie mais parecia um raquítico empunhando uma guitarra e Taylor era um lunático sem limites), a banda ficou notória por colecionar aventuras pelo solo inglês, divertindo-se com garotas de toda a parte e de todas as nações. Os rumos tomados pelos “bastardos do rock” serviram de base para toda a geração de bandas das décadas seguintes, em especial as dos anos oitenta, que de fato viam no MOTÖRHEAD uma miríade de oportunidades de apresentar um trabalho coeso, simples e tecnicamente pujante. Algumas composições de OVERKILL são executadas pelo grupo até hoje, como a faixa título, CAPRICORN e METROPOLIS.
Como mostra de poder das músicas, o disco foi relançado através dos anos, sendo a versão em CD do selo Sanctuary Records a mais completa. O trabalho vem em uma versão dupla, onde o disco bônus apresenta os B sides de todas as faixas regulares do álbum. Nele constam muitas versões da canção LOUIE LOUIE (um cover do cantor de Blues afro americano Richard Berry) além de outras versões para TEAR YA DOWN e LIKE A NIGHTMARE, que serviram para completar os singles OVERKILL e NO CLASS para alavancar o lançamento do álbum no final da década de setenta. O disco ainda conta com as apresentações no programa de rádio da BBC John Peel Sessions de 1978 além do concerto ocorrido em 1979 promovido pela mesma estação.
Um registro desses de mais de três décadas serve como uma aula de personalidade, pois se antigamente era motivo de orgulho possuir senso crítico e uma opinião formada sobre a própria vida e como ela caminha, será que hoje as atitudes de cada um são encaradas dessa maneira? Chegamos mesmo ao ponto em que é muito mais simples ou cômodo permitir que a massa pense e aja por nós, sem sequer questionar o motivo ou analisar suas consequências? O mundo atual, se encarado pelo âmago social está tornando-se tranquilo e satisfeito... Mas e sua mente, também está?

A versão nacional apresenta formato duplo. Muito prático!


Escrito em 28/12/2013 às 18hrs. e 42min.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Welcome To Hell - Venom

O famigerado disco de estréia da banda britânica Venom, Welcome To Hell.
Há um ditado antigo que diz: “uma maçã podre em um cesto de maçãs boas pode estragar todas as demais”. Essa frase, comparando a maçã podre a toda e qualquer coisa que esteja em uma condição contrária a da maioria, aborda amplamente a importância que se dá ao correto em relação ao suspeito, ao duvidoso ou ao discutível. Quando Eva, persuadida pelo espírito diabólico da serpente mordeu o fruto proibido e o ofereceu a Adão, ao qual após consumi-lo foi exposto a verdade do mundo carnal e impuro, ambos foram expulsos por Deus do Paraíso. Neste caso a maçã tornou-se a representação do pecado, do incorreto; contudo poucos conseguem enxergar que o mal não estava no fruto e sim na serpente, metaforicamente encarada como a eterna criatura que envenena a alma dos homens. Afinal, se a maçã fosse mesmo a fonte do erro, por qual motivo Deus a teria colocado em destaque no Paraíso? Terão aqueles que podem dizer “ah, mas era a vontade de Deus que Adão e Eva não tocassem no fruto, quer fosse o argumento”. Humanos minha gente, humanos...
A questão do certo e errado aborda diferentes dimensões, conforme seu contexto é analisado e discutido pelos mais variados círculos sociais. O que pode ser correto para uns pode não ser para outros, porém algo nesta questão é motivo de total concordância: o incorreto, sob qualquer ótica, deve ser extirpado, eliminado, inaceitável. Seria este o modo correto de lidar com todo o pecado e incoerência do mundo? Vejamos...
Era final de 1978 quando, na cidade britânica de Newcastle (divisa com a Escócia), Conrad Lant foi convidado a participar de um grupo cuja pretensão era executar covers de uma certa banda que fazia sucesso por todo o país. Nesse fim de década não tinha pra ninguém: o BLACK SABBATH andava mal das pernas, o MOTÖRHEAD ainda era considerado um grupo promissor (além de ainda não ter lançado o seminal ACE OF SPADES), algumas poucas bandas de Classic Rock já não pisavam fundo nas composições e o JUDAS PRIEST era a bola da vez, levando multidões à loucura com suas notas rápidas, pesadas e furiosas enquanto era objeto de desejo e admiração de qualquer jovem cabeludo. Do outro lado tinha o Punkrock que não dava trégua para a sociedade puritana e conservadora, desafiando as autoridades com canções de liberdade e anarquia, enquanto a nobreza ficava de cabelos em pé (não tanto quanto os moicanos multicoloridos da juventude vigente, mas a ideia já estava lançada). A banda de covers chamava-se GUILLOTINE e na época contava com o ex OBERON Clive Archer nos vocais (e sua sugestiva alcunha de Jesus Christ) e Alan Winston no baixo, sendo que Conrad deixou de lado sua banda DWARFSATR para tocar guitarra com os rapazes. Algum tempo depois, já em 1979, Archer foi acompanhar um show do verdadeiro JUDAS PRIEST e durante o evento encontrou-se com Anthony Bray, seu parceiro que tocava bateria na banda OBERON, e após uma conversa rápida bastou um convite meio informal para recrutarem o rapaz e coloca-lo sob o comando das baquetas, enquanto ele alucinava-se ao som de HELL BENT FOR LEATHER e afins.
Algum tempo depois Winston deixou a banda, sendo que Conrad passou para o baixo e Jeffrey Dunn assumiu as seis cordas do grupo. Nas palavras de Conrad “Jeff vai negar a vida inteira que aquele grupo não era de músicas cover do JUDAS PRIEST, sendo que até seu visual na época lembrava propositalmente o de KK Downing (guitarrista e fundador do JUDAS PRIEST), mas o que podíamos fazer? Éramos uma banda cover e ponto”.
Nesta época, Conrad trabalhava como assistente de som no Impulse Studios (de propriedade da Neat Records que, como irão ver mais adiante, teve muita importância para Conrad e seus camaradas), e entre uma atividade rotineira e outra, conseguia um espaço para gravar o som de sua trupe. O “barulho”, por assim dizer, era registrado em um gravador velho que Conrad possuía, e logicamente o resultado daquilo tudo era péssimo, contudo esses foram os primeiros passos rumo a originalidade que as bandas tanto faziam questão naqueles anos dourados (bons tempos...), sendo que em uma dessas gravações Conrad acabou assumindo os vocais principais, o que causou uma reviravolta drástica no grupo. Em consenso geral, todos acharam que a voz de Conrad combinava mais com a proposta do conjunto, e Clive Archer deixou a banda sem ressentimentos. Esse período casou com o momento em que os jovens passaram a trabalhar em composições próprias, usando e abusando de um conceito pra lá de polêmico e radical que, sem exageros, mudaria a forma como todo o planeta encararia o som pesado.
Para acompanhar o novo momento, Conrad propôs que os demais integrantes usassem alcunhas mais adequadas com a recém-assumida proposta, que unia sem cerimônias o som ríspido e cru do Punkrock com uma temática explicitamente satânica e ocultista. Sim meus caros, os anos oitenta estavam batendo na porta, e junto com eles tanto o rebatizado VENOM como toda a NWOBHM já davam as primeiras notas do que viria na próxima década. Sendo assim, Conrad Lant passou a se chamar Cronos, que segundo a mitologia grega era um titã anterior a era dos deuses do Olimpo; Jeffrey Dunn tornou-se Mantas, um dos demônios relacionados ao crepúsculo (não o filme estúpido de recentemente com aqueles vampiros sem sentido e tal) e Anthony Bray tornou-se Abaddon, ou de acordo com a língua hebraica o “anjo do abismo”. Devidamente apresentados, os rapazes conseguiram a ajuda do engenheiro de som Mickey Sweeney que topou trabalhar de graça (!) na gravação da demo intitulada simplesmente de DEMON (ou ANGEL DUST como alguns gostam de chamar), apresentando as faixas ANGEL DUST, RAISE THE DEAD e RED LIGHT FEVER. Lançada em 29 de abril de 1980, Cronos não mediu esforços para fazer essa demo circular, distribuindo para todo mundo que conhecia e que possuía um mínimo de influência no mercado fonográfico, até que um dia uma dessas cópias foi parar no colo de Geoff Barton, influente jornalista e crítico musical da revista Sounds que de cara gostou do que ouviu e virou fã. Mais tarde Geoff ficaria famoso como um dos fundadores da tradicional revista de Rock e Metal Kerrang!
Graças ao seu trabalho extensivo de divulgação, Geoff angariou certa notoriedade para o trio, que passou inclusive a gozar de certo prestígio entre algumas parcelas da mídia especializada. De alguma maneira a baboseira satânica aliada aos vocais rasgados e o instrumental sujo e saturado de reverb do VENOM chamou a atenção do público, que aos poucos foi aderindo aquele novo conjunto que gritava aos quatro ventos, sem cerimônia, estarem dispostos a serem mais barulhentos que o MOTÖRHEAD, usar mais tachinhas e couro que o JUDAS PRIEST, ser mais satânico que o BLACK SABBATH e ter mais pirotecnia em seus shows que o KISS.
Diante de tantos apelos, tanto pela parte do público como da imprensa, a Neat Records tratou de assinar um contrato com a banda e logo em seguida trancou os rapazes no mesmo Impulse Studios para a gravação de mais uma demo, dessa vez sob a supervisão do conhecido Keith Nichol. O que ninguém esperava era que, seis dias após a gravação das canções que iriam compor o novo material, tudo seria mixado, reunido e lançado como um disco, ou seja, um full lenght (o primeiro da banda, por sinal). Assim, ficou de certa forma fácil presumir o porquê de naquele dia 12 de janeiro de 1981 o cenário da música pesada estava diante de uma parede de som que mais parecida com um estalo do apocalipse que uma banda formada por jovens competentes.
O disco e seu encarte aberto. Contém informações preciosas sobre o álbum.
Não havia dúvidas: WELCOME TO HELL chegou abalando as estruturas do som pesado, virando ao avesso tudo o que era conhecido até então. Peso, atitude, inovação, originalidade e pioneirismo; os mais próximos ao grupo não economizavam nos elogios e apontaram aquele disco como a mais pesada e blasfema obra da música de todos os tempos. Era sabido que o satanismo já havia dado as caras através de grupos como ALICE COOPER, BLACK WIDOW e até mesmo o maior de todos, BLACK SABBATH, mas nunca o diabo tinha sido arrancado das profundezas das trevas de forma tão brutal e nítida para se tornar protagonista do Rock como foi feito por Cronos e os demais.
Não tinha mais volta. Ao escutar canções como SCHIZO, LIVE LIKE NA ANGEL (DIE LIKE A DEVIL), IN LEAGUE WITH SATAN, WITCHING HOUR ou ONE THOUSAND DAYS IN SODOM é impossível ficar estático diante da força do “bulldozer bass” de Cronos (técnica de som descoberta por Conrad após o mesmo plugar seu baixo em um amplificador de guitarra), enquanto Mantas tenta extrair o melhor de seu instrumento numa tempestade de notas abafadas e Abaddon surra seu kit com uma ira devastadora. Em praticamente quarenta minutos estava concebido não só o primeiro disco do grupo, mas o precursor de todo um novo gênero musical, o famigerado Black Metal, dotado de forças que desafiavam o sobrenatural e afugentavam qualquer puritano ou conservador. Do ponto de vista energético, é um disco que exala a potência da NWOBHM, mas se for falar da técnica...
Entramos em um momento curioso do VENOM. Amada pelos fãs, a obra é repleta de reverb e sonorização crua e direta. Sob uma massa sonora maciça e contando com os berros de Cronos, a impressão que dá é a de que realmente não houve um mínimo de preocupação com a produção do disco (escute SONS OF SATAN e POISON para tirar suas próprias conclusões), o que rendeu comentários nada amistosos da grande mídia e principalmente das outras bandas, que apontavam o grupo como pífio e carente de habilidade.
Tal argumento não estava longe da verdade. Embora a película tente extrair o que havia de mais criativo e original no trio (ANGEL DUST e a instrumental MAYHEM WITH MERCY procuram preencher essa lacuna), realmente a falta de entrosamento com os instrumentos tornava toda a audição uma verdadeira aventura (talvez a faixa título tenha um cuidado um pouco maior), contudo engana-se quem pensa que a carência técnica culmina em um trabalho pobre e digno do esquecimento. Segundo Cronos, a banda costumava ensaiar na igreja metodista de Newcastle a qual era alugada aos sábados pelo módico preço de cinco libras. Dentro do relato do vocalista, nos ensaios da banda o baterista Abaddon costumava detonar alguns fogos de artifício, e a fumaça vermelha que escapava pelas janelas da igreja assustava os vizinhos que frequentemente ligavam para o corpo de bombeiros. Tudo isso ajudava o trio a ir melhorando o caráter técnico de seu ríspido e exclusivo som, que provaria sua verdadeira força apenas na década seguinte, com o nascimento da segunda escola do Black Metal, (principalmente nos países escandinavos) fortemente influenciada pelos pentagramas desenhados por Cronos nas capas de seus discos ou pelas letras satânicas e sem nenhum pudor.
É indiscutível a importância e o impacto que o VENOM possui na música pesada. Sua influência é tamanha que é perfeitamente aceitável inclui-la no rol de grandes nomes do gênero, como os já citados BLACK SABBATH, MOTÖRHEAD, JUDAS PRIEST ou o METALLICA e o IRON MAIDEN. Há ainda o fato de terem desenvolvido o embrião do que seria o Thrash e o Death Metal em todo o planeta, levando os headbangers a uma jornada dimensional que se tornaria obrigatória para qualquer indivíduo que tenha coragem de se aventurar pelos domínios do som extremo, ao embalo de muito gelo seco, couro e pirotecnia.
Muitas bandas podem dizer que tiveram o privilégio de terem feito parte de uma época especial. Algumas outras podem dizer que influenciaram uma infinidade de grupos com seus discos e composições. Mas são poucas as que podem bater no peito e afirmar que criam um estilo, algo realmente difícil e raro de conceber. O VENOM conseguiu. Foi mais longe que milhares de conjuntos que pisaram nesse planeta, arrebentando com os portões do inferno e trazendo uma verdadeira avalanche do apocalipse para os lares das pessoas. De ridículos e exagerados passaram para a grande sensação do Metal britânico, e não faltam histórias sobre esse icônico grupo.
Durante os anos o disco recebeu alguns relançamentos, valendo destacar a versão da Combat Records que apresenta as faixas bônus IN NOMINE SATANAS e BURSTING OUT, além da versão de 2002 da Castle Music/ Sanctuary que traz o CD em formato slipcase e apresenta dez versões demos e singles de diversas faixas do disco.
Ao diluir conceitos satânicos e blasfemos em um mundo cada vez mais hipócrita, o VENOM nos permite ainda hoje, mais de trinta anos após o lançamento desta obra, desafiar os limites do certo e errado, numa forma de encontrar uma razão para a eterna discussão entre o correto e incorreto. Para concluir, se a música pesada é a árvore que se encontra no centro do jardim do Éden, o VENOM sem sombra de dúvidas é a maçã podre que todo cesto deveria ter.

O disco pronto pra fazer barulho!
 Escrito em 22/12/2013 às 14hrs. e 32min.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Gates To Purgatory - Running Wild

O primeiro disco da tradicional banda alemã Running Wild
Até onde as pessoas vão por um sonho? Você, que neste momento lê essas linhas já se perguntou se alguma vez na sua vida valeu a pena desistir de algo que acredita? Procurou, mesmo que com unhas e dentes, se apegar a algo ou a alguma circunstância não por teimosia, nem por esperança de que esse algo pudesse em determinado momento dar certo, mas por convicção, certeza que de fato conseguiria realizar seu objetivo? Pois é, vai dia, vêm dia, e o que mais vejo por aí são pessoas que comentam sobre seus desejos, suas ambições, mas sempre com um toque de ironia, como ”ah, se eu pudesse” ou “quem sabe um dia...”. Talvez para muitos isso seja fato, pois é inegável que para a maioria o trabalho duro é recompensado com a realização de seus sonhos, porém é consenso que isso por si só não é garantia para torna-los realidade.
Quando tinha algo por volta de quinze anos, era totalmente crente que só o trabalho duro iria me trazer o sucesso, assim como via acontecer com meu pai. Os anos passaram e, junto como a inocente ilusão que tinha sobre o conceito de trabalho/ objetivo a vida trouxe-me uma nova realidade, a de que, muito mais que esforço e competência, o indivíduo precisa de sorte para chegar ao sucesso, do contrário dificilmente deixará a condição de promissor. Meu pai tinha a competência, e até teve a sorte de tocar adiante seus sonhos, mas o tempo mostrou-me que meu velho estava longe do sucesso que acreditava possuir. Tal circunstância foi um choque, se comparado com o ponto de vista do mundo que adotava até então. Contudo, esta é minha visão atual de como as coisas funcionam. Por não ser uma verdade absoluta, ela pode mudar com o passar dos mesmos anos, ficando apenas a experiência que se obtêm delas, essas sim, imutáveis.
O ponto em questão da discussão está apoiado ao fator da crença, isto é, o quanto alguém pode acreditar em seus objetivos e fazer todo o possível para concretizá-los. Existem aqueles que estão bem encaminhados, focados em suas ambições e acumulando experiência para superar obstáculos cada vez mais difíceis. Existem também aqueles que estão começando a tocar seus projetos, visando atingir resultados cada vez mais relevantes e abrangentes, numa jornada aparentemente interminável. E por último, é possível acompanhar aqueles que já desistiram, seja por perda de interesse, por inicialização de novos projetos ou por falta de sorte. Quem sabe até mesmo de capacidade de acreditar em seus próprios sonhos, vai saber. Para os obstinados isto é o que os move, levando-os em uma jornada sob caminhos desconhecidos, porém embalados por passos firmes.
Por volta da segunda metade da década de setenta, na cidade alemã de Hamburgo, localizada ao norte do país, um grupo de característica peculiar e praticante de um rock visceral mobilizava uma pequena cena em torno de suas apresentações. O GRANITE HEARTS, como era conhecido o conjunto, enchia suas apresentações com bastante empolgação, ainda que os apreciadores daqueles ensaios mal amparados estivessem pouco preocupados com o desempenho do grupo. Passaram-se alguns anos e, sob os olhares estupefatos dos integrantes da banda, um álbum que mexeu com a cabeça da geração metalhead, o aclamado UNLEASHED IN THE EAST do grupo britânico JUDAS PRIEST gerou uma mudança drástica nos contornos musicais adotados pelo conjunto até então. O impacto de tal lançamento foi tamanho na cena do som pesado que não só a sonoridade apresentada pelo álbum ao vivo trouxe mudanças no universo do Heavy Metal, mas o titulo das faixas, que empregavam grande energia e significado para aquela geração foi o estopim para o batismo de muitas bandas espalhadas pelo mundo, algumas delas bem famosas no cenário da musica pesada, como o EXCITER do Canadá, o germânico SINNER entre outras. Isso fez com que os jovens de Hamburgo não pensassem duas vezes em alterar o estranho nome da banda para algo que fizesse mais sentido ao universo do qual faziam parte. Criou-se então o legado do RUNNING WILD, em 1979.
Adotando nova postura, que ia de encontro a algo mais veloz e agressivo (se foi influência do novo nome ou não quem pode dizer?) o conjunto alemão foi ganhando notoriedade com o passar do tempo, participando de shows cada vez mais empolgantes.
O inicio dos anos oitenta mostraram uma banda mais madura, que mesmo com as constantes alterações de formação mantinha um nível acima da média. Tal consistência é creditada ao líder do grupo, Rolf Kasparek, membro fundador do conjunto e integrante da banda desde seu surgimento. Com incrível talento para tocar instrumentos, em especial a guitarra, e dotado de grande potencial para criar canções, Rock ‘N’ Rolf (como ficaria mundialmente conhecido anos depois) ditava os rumos da banda, tratando sua empreitada sonora com extrema seriedade, executando os solos de guitarra durante os shows além de acumular a função de vocalista. O resultado das apresentações inflamadas nas casas de shows germânicas e nas demos que lançara durante os anos seguintes alçou a banda para um patamar acima das demais, fazendo do grupo uma grande promessa do metal alemão. Foi em 1983 que, em parceria com os demais integrantes do conjunto, sendo eles o segundo guitarrista Preacher (Gerald Warnecke), o baixista Stephan (Stephan Boriss) e o companheiro desde a época que a banda ainda atendia pelo primeiro nome, o baterista Hasche (Wolfgang Hagemann) o engajado quarteto integrou um Split lançado pela Noise Records, intitulado ROCK FROM HELL – GERMAN METAL ATTACK ao lado de outras grandes promessas da cena alemã: RATED X, RAILWAY, IRON FORCE, S.A.D.O. e GRAVE DIGGER. Incluindo as faixas ADRIAN e CHAINS & LEATHER, o destaque obtido por tal lançamento impulsionou ainda mais o grupo, que a partir dai começou a mostrar seu talento fora das fronteiras de sua terra natal. Mas Rock ‘N’ Rolf queria mais. Queria não só marcar presença nos palcos com suas apresentações, mas estar constantemente envolvido com a musica que compunha e divulgava. Através de um lançamento custeado pelo próprio grupo, a hoje raríssima demo HEAVY METAL LIKE A HAMMERBLOW, uma segunda e igualmente rara coletânea, batizada pela Noise como DEATH METAL trazia um pouco mais de audácia por parte dos jovens, dessa vez atacando com as composições IRON HEADS e BONES TO ASHES. Abrindo o material que foi gravado no estúdio Caet em Berlim entre os meses de Fevereiro e Março de 1984 e lançado logo em seguida, as duas faixas de propriedade da banda mostravam um maior amadurecimento dos integrantes, fato que foi comprovado logo após assinarem com a subsidiária da Modern Music para o lançamento de seu primeiro full lenght. Vale destacar que as bandas DARK AVENGER, HELLHAMMER e HELLOWEEN que dividiram o espaço da coletânea com o RUNNING WILD também foram agraciadas com a mesma oportunidade. Como discutido no inicio deste texto, Kasparek estava disposto a tornar seu sonho realidade, não medindo esforços para chegar a seu objetivo.
Retornando para a agitada Berlim em Junho daquele mesmo ano e amparados por Horst Müller que ficou encarregado apenas de registrar a película, a própria banda produziu o álbum, que contou com a experiência adquirida por Kasparek desde os primórdios do grupo. O resultado foi satisfatório e um dia após o Natal de oitenta e quatro foi enfim possível acompanhar o conteúdo do disco, que não decepcionou um instante sequer.
O disco com o encarte aberto.
Dificilmente o fã de Heavy Metal ficará parado ao escutar a primeira faixa da bolacha, que após um curto lance de palhetadas sob um som abafado é surpreendido pelo grito rápido e estridente de Rolf. É o início da sequência matadora que estaria estampada ao longo dos pouco mais de trinta minutos que cercam o trabalho nomeado como GATES TO PURGATORY. A faixa em questão, VICTIM OF STATES POWER, escrita e composta por Gerald Warnecke, traz muito mais do que o simples Heavy/ Speed Metal habitual das bandas alemãs, pois continha uma linha tênue que a deixava um tanto próxima das bandas Doom Metal, além, é claro, da temática satânica adotada pelo conjunto. Esse primeiro lançamento está permeado por essa escrita voltada ao ocultismo, fazendo com que a banda acumulasse seguidores desse gênero no início. A segunda faixa, BLACK DEMON, composta por Kasparek traz a mesma linha abordada pela primeira, fazendo o pique do disco continuar em alta, sendo seguida pela cadenciada PREACHER, de tom mais denso e carregada. Surge então a quarta faixa, SOLDIERS OF HELL e o que temos a partir daqui é a confirmação de que esta banda sem dúvida estava fadada ao sucesso dentro do circuito do som pesado, pois é simplesmente impossível não se empolgar como o andamento frenético das guitarras alinhadíssimas de Rolf e Preacher, principalmente do meio para o fim da faixa, onde o solo baseado em notas que passeiam em apenas três escalas arrancam berros de satisfação dos fãs. A sequência com DIABOLIC FORCE funciona como uma súmula da fórmula adotada na faixa anterior, sendo que o solo localizado na parte final traz a tona o mesmo sentimento. Tratam-se dos nove minutos de mais respeito de todo o álbum.
O trabalho da cozinha, muito bem executado desde o início do disco, continua a mostrar sua força durante ADRIAN S.O.S., composição que daria nome à mascote do grupo, o famigerado e cruel chacal Adrian. GENGHIS KHAN trabalha uma linha mais tradicional da banda, com grande semelhança entre a faixa e os trabalhos mais antigos do IRON MAIDEN, mostrando de onde vêm suas influências. Embora a parte poderosa do LP esteja concentrada no meio, é no fim do túnel que vemos o maior destaque do disco, para muitos a faixa de maior destaque de toda a banda: PRISIONERS OF OUR TIME, que, embalada por uma pegada vibrante convida o ouvinte a cantar junto o refrão, enquanto enche o espirito de vigor ao seguir a dobradinha estupenda das guitarras. Não, não se trata de uma mera faixa que encerra um magnífico trabalho, muito menos daquela que mostra o poder de execução do RUNNING WILD, mas sim da afirmação de um objetivo, o retrato de uma geração, a constante busca por um sonho que tanto em Kasparek quanto nos fãs da musica pesada jamais morrerá.
Embalado por uma capa que traz um sujeito coberto de couro e tachinhas aparentemente profanando os portões sagrados do paraíso, sob uma chuva de faíscas produzidas por um enorme maçarico, o disco com letras diabólicas e sonoridade suja estava totalmente à contra mão do que o próprio underground estava propondo na primeira metade dos anos oitenta. Vale lembrar que esta época foi o apogeu do movimento Thrash Metal em todo o mundo que, enquanto via o METALLICA e toda a Bay Area despontarem como o grande expoente dessa revolução sonora, fazia surgir representantes desse gênero nos quatro cantos do globo, inclusive na própria Alemanha, com as agressivas bandas KREATOR, SODOM e DESTRUCTION representando esta novidade do som pesado, só para citar as mais famosas. Lançar um trabalho fora desses padrões, ainda mais amparado pela ideologia disseminada pelo repulsivo VENOM alguns anos antes poderia significar o fim precoce de qualquer possibilidade de sucesso na era das guerras nucleares e problemas sociais, mas para sujeitos obstinados tudo isso faz parte do desafio. O que fez a banda não só se firmar no concorrido cenário da musica como também se tornar uma referencia entre os apreciadores do Heavy Metal foi sua convicção de que algo revolucionário poderia ser feito naquele meio em que tudo era novo, portanto, passível de espaço para quem fosse verdadeiramente criativo. Tal afirmação caiu como uma luva para a própria banda, anos depois.
Na época do primeiro lançamento, foi colocada em pauta a ideia de incluir as faixas contidas no EP VICTIM OF STATES POWER, contudo as mesmas por um estranho motivo foram censuradas. As canções SATAN e WALPURGIS NIGHT só foram inclusas como faixas bônus no lançamento em CD do disco, ocorrido em 1988. Na época do lançamento em vinil, tal obra pegou a todos de surpresa, pois nos dois primeiros meses vendeu mais de vinte mil cópias, superando qualquer expectativa. Tal reflexo cruzou os mares do Atlântico, chegando até aqui, no Brasil, através do lançamento caseiro do vinil pela Woodstock Discos. A turnê que seguiu o debut foi marcada por apresentações inflamadas, assolando as cidades alemãs por onde a banda passou. Não por menos o RUNNING WILD ostenta uma das pontas da famosa trinca do Speed Metal alemão, composta pelos conterrâneos do RAGE e do GRAVE DIGGER.
Pra mim esse trabalho tem um toque muito especial. Apesar de não considera-lo Black Metal, mesmo com a temática explicita, este foi o primeiro álbum com uma sonoridade um pouco mais “pesada” que obtive, abrindo as portas da minha coleção para algo mais sujo e, por que não, extremo. Quebrou-se ai um paradigma.
Fica o exemplo de uma formação determinada, centrada na realização de seus objetivos e focada no resultado, obtido através de anos de luta e trabalho duro. Não sei dizer-lhes até onde a sorte influenciou Kasparek e companhia em sua caminhada rumo aos shows aclamados e aos festivais lotados, mas é incontestável que neste caso o empenho e a dedicação fizeram um sonho tornar-se realidade.
É só fechar a tampa e dar o play.
Escrito em 16 de Junho de 2013, com início às 17hrs. e 29min.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Saxon - Saxon

O primeiro disco da clássica banda da NWOBHM, Saxon.
Parecia sonho. Simples assim. Por um instante estava a pensar que algumas coisas aconteciam na minha vida de uma forma que, se fosse para viver mais umas dez vezes a mesma situação, jamais descobriria como tal momento aconteceu da forma que aconteceu. Por mais que eu procure entender, há coisas que é bem melhor deixar simplesmente como está, ou como foram, pois são momentos assim que fazem parte da vida de cada um. São maravilhosos ou horríveis apenas por serem assim, e os impactos que eles causam na nossa existência duram por instantes, por horas, por dias, por meses, por anos, por décadas... Ou por uma vida inteira!
Podia ser uma noite quente ou fria, ou mesmo uma noite em que ninguém se importasse com tais detalhes. O local podia ser uma casa de shows, ou uma esquina qualquer, talvez poucos se importariam. Na verdade, não sei explicar, pois não estava lá quando tudo começou, há mais de quarenta anos. Era 1970, e assim como muitos jovens apaixonados pelo som que embalou a década anterior, o Rock ‘n ‘Roll, um grupo de rapazes experimentava os primeiros passos que poderia leva-los para o sucesso ou para o esquecimento e uma vida de frustrações.
A British Invasion, movimento iniciado pelos grandes nomes do Rock britânico (ROLLING STONES, THE WHO e principalmente os BEATLES) assolava o norte do continente americano, fazendo de apresentações ao vivo ou na TV uma verdadeira zona de diversão e farra, onde nem a política ou a religião puritana da época segurava o ímpeto juvenil. Condomínios inteiros sacudiam-se ao som das palhetadas precisas e contagiantes de Keith Richards e Brian Jones, enquanto Keyth Moon destruía qualquer rastro de sua bateria com levadas insanas, retiradas de um fôlego sem igual, acompanhado pelo não menos louco Pete Townshend, guitarrista único. John Lennon e Paul Mccartney faziam jovens ficarem eufóricas apenas por proferirem algumas palavras, enquanto Mick Jagger, o vulgo Rubber Lips, deixava pais desmoralizados diante de seus filhos com um simples movimento de quadril. Os anos sessenta foram incríveis para a música e para a cultura em geral, sendo impossível afirmar precisamente o que seria da década seguinte sem tais acontecimentos.
Talvez Pete ‘Biff’ Byford pensasse assim. Os motivos que o levaram a começar uma carreira no Rock podiam ser diversos, e as conclusões tiradas de suas ações as mais fantásticas possíveis. O fato era que em 1975 o sujeito alto e de longos cabelos claros estava no auge de seus 24 anos quando alguma coisa aconteceu, e as parcas apresentações que fazia com sua banda, o COAST, despertaram a atenção de outro grupo, o S.O.B.
Segundo Biff, sua primeira banda atingia uma média de público que ficava em torno de 400 pessoas, no circuito que compreendia sua cidade natal, Barnsley, e outros municípios próximos, como Sheffield e Halifax, todos na Inglaterra. Após o baterista de seu grupo abandonar o barco por alegar que a vida de Rockstar era “ingrata demais”, despertou-se o interesse do conjunto S.O.B. que havia acompanhado a performance de Biff e sabia de seu potencial.
Ainda na versão do vocalista, o S.O.B. também havia perdido um guitarrista, então precisaria preencher dois postos. Biff topou a proposta, mas como acumulava a função de comandar o microfone e o baixo em sua ex banda, o grupo passou a contar com dois homens nas quatro cordas. Com a adição do guitarrista Paul ‘Blute’ Quinn, parceiro de Biff no COAST, ficou acertado que ele iria se preocupar apenas com as linhas vocais, deixando o baixo para Steve ‘Dobby’ Dawson. Completava o time o calvo Grahan ‘Oly’ Oliver na segunda guitarra (que sempre escondia sua careca com um boné) e o habilidoso Pete ‘Frank’ Gill na bateria.
Logo no início a banda já gozava de certo prestígio por contar com integrantes de dois grupos distintos, que durante as apresentações tiveram que remodelar o som do conjunto. Amantes da atmosfera soturna e pesada do BLACK SABBATH, o COAST praticava algo que ficava próximo do Heavy Rock setentista com algo de grupos como MC5 e afins. Já o S.O.B. executava notas em uma linha mais progressiva, por muitas vezes flertando com o Blues. O resultado ficou entre os grupos clássicos do Metal com alguma coisa ou outra de STATUS QUO, conjunto de Classicrock bastante apreciado até hoje.
Era 1976, e enquanto a banda caminhava com sua agenda de shows, curta, mas animada, o quinteto viu sua pouca personalidade ser ameaçada pela corrente do Punkrock que se alimentava de toda a cena musical britânica. Parecia-se que por um instante toda a geração da British Invasion havia ficado no passado, e o que mais se ouvia era o pulsar frenético de guitarras que mais pareciam serras elétricas, enquanto palavras de anarquia e liberdade eram vociferadas de forma diferente do que se presenciou com o movimento hippie há uma década. Na falta de espaço, a banda quase se perdeu em meio à agressividade do mundo em que vivia, até que, em 1979, uma tentativa mal sucedida de arrancar um contrato com a EMI renovou as forças dos rapazes.
Pete Hinton, nome forte na gravadora inglesa, havia agendado uma audição com a banda, gostou do que ouviu, e não tardou para a maré rumar a favor do grupo. O quinteto, que no espaço de três anos já havia passado a alcinha de BLUE CONDITION para trás, ficou por um período com o nome S.O.B. até atender pela corruptela de SONOFABITCH, nome mais que sugestivo.
Por um breve período Biff e Quinn integraram o grupo de apoio do influente guitarrista britânico John Verity, o qual marcaria presença fundamental no futuro próximo da banda. Ao retornarem para Barnley, os rapazes ficaram sabendo que Hinton havia ligado para alguns executivos da gravadora Trident, que não perderam tempo em estabelecer um contrato com a banda. Nas palavras de Biff, o contrato foi assinado em Paris, junto ao selo local Carrere, por algo em torno de 35.000 libras, um ótimo início para um grupo de rapazes tidos como desajustados sociais.
Passado o preto no branco, o próximo objetivo era mais que óbvio. Munidos de alguns poucos instrumentos e de uma velha van modelo Mercedes, pilotada por todos os rapazes alternadamente, a banda rumou para o Livingstone Sudios, na Inglaterra, ansiosa para gravar seu debut. O time já contava com duas demos lançadas no mercado por conta própria, então já sabiam o que esperar na criação de seu primeiro disco oficial. Para a produção do trabalho foi chamado o colega John Verity, que executou bem seu trabalho. O estúdio é famoso por conta do primeiro proprietário, Ray Kinsey, ter iniciado as atividades do local produzindo livros falados para os cegos em 1960. Somente algum tempo depois o estúdio foi adaptado para gravações de áudio, comportando músicos e afins.
Parece estranho, mas após a gravação do disco mais uma mudança de nome ocorreu e, dessa vez, para definitivo. Tendo em mãos um título forte para o álbum, a banda também passou a usá-lo como logo e nome, e então o SAXON pode enfim estrear nas prateleiras das lojas locais e por boa parte da Europa, a partir do dia 21 de maio de 1979.
O encarte mostrando a foto da banda juntamente com outra lenda do Heavy Metal, o Motörhead.
Partindo da capa, que apresenta um guerreiro empunhando uma espada ensanguentada e um escudo já muito batido enquanto brada um grito feroz, o disco passeia pelo som da NWOBHM com muita facilidade. Demostrando ser este o caminho a seguir, o conjunto abandonou a salada musical que praticava nos primórdios, uma mistura entre o Rock mais pesado e o Boogie (gênero musical mais antigo que o próprio Rock), contudo algumas de suas influências ainda eram visíveis, como na faixa STILL FIT TO BOOGIE, que coloca o ouvinte facilmente para dançar sem receio algum. Partindo de algo mais progressivo, de encontro à linha de GENESIS, YES e afins, uma peça instrumental inspirada abre o disco. Sob forte pressão nas quatro cordas, Steve Dawson apresenta RAINBOW THEME, que aos exatos um minuto de muita influência rítmica e inspirada de todos os integrantes passa a acompanhar a faixa FROZEN RAINBOW, enquanto Biff mostra que mesmo as suas influências mais agressivas podem caminhar lado a lado com a veia mais sentimental e suave. Bom começo para o disco.
Mas, se estamos falando de uma banda da NWOBHM (uma das mais antigas, por sinal), não podem faltar as faixas rápidas e de impacto. Temas que envolviam guerras, vida na estrada e perigosas aventuras eram contados nas canções JUDGEMENT DAY, que possui uma percussão de tirar o fôlego, indo do ríspido ao acústico com facilidade principalmente na levada cadenciada do solo que Paul Quinn, e em STALLIONS OF THE HIGHWAY, que é um hino aos headbangers, ainda hoje executada pela banda. Com levadas rápidas e agressivas, é a faixa que moldaria o estilo peculiar do SAXON nos anos seguintes. Sem dúvidas é o destaque do disco.
BACKS TO THE WALL também segue a mesma linha, com um toque de JUDAS PRIEST evidenciado nas guitarras dobradas, enquanto BIG TEASER procura algo mais voltado para levantar a plateia. O disco encerra-se em pouco mais de vinte e cinco minutos com a faixa MILITIA GUARD, um tema bastante envolvente tanto no início da bateria marcial de Pete Gill quanto no solo final de Graham Oliver, bastante inspirado.
Sob a fumaça do gelo seco e o pouco espaço disponível no palco, apertado ainda mais pela grande bandeira ostentando o nome da banda, dá para se ter uma noção do que eram as apresentações do SAXON nesse início de carreira. A ajuda do MOTÖRHEAD nesses primeiros passos foi fundamental, pois, enquanto o grupo servia como banda de apoio da turnê do disco BOMBER de Lemmy e companhia, uma forte amizade nasceu entre os dois conjuntos, união essa que influenciou muito o som dos dois grupos e dura até hoje.
Embora o empurrão providencial dos ‘Bastardos do Rock’ tivesse contribuído para uma rápida ascensão do conjunto, incluindo ai uma mãozinha do DJ Neal Kay que adorou o hit de STALLIONS OF THE HIGHWAY colocando-o para tocar semanalmente no tradicional pub londrino Soundhouse (considerado por muitos metalheads como a Meca do som pesado na Inglaterra), a banda não conseguiu emplacar uma boa colocação nos charts musicais ingleses. Os trabalhos das demais bandas que despontavam neste prolífico cenário da NWOBHM ofuscaram os singles BIG TEASER e BACKS TO THE WALL            que atingiram os modestos 66° e 64° lugares, respectivamente, mantendo o conjunto numa posição mais defensiva. Não seria desta vez que Biff e companhia copiariam os passos dos BEATLES e ROLLING STONES em busca de um lugar digno no mundo da música.
Porém, enganou-se quem achou que estava tudo perdido. Para os amantes da musica pesada, era fácil perceber que o SAXON ainda caminharia longas distâncias, tornando-se futuramente uma das bandas mais bem sucedidas da NWOBHM, fazendo frente aos grandes medalhões do Heavy Metal. Para Biff, esse primeiro trabalho junto com os dois seguintes, WHEELS OF STEEL e STRONG ARM OF THE LAW (ambos de 1980) mostram bem o motor da banda e no que ela se tornou hoje. Não por menos este foi o disco pelo qual comecei a conhecer a banda, que fiquei sabendo da existência através de um disco em MP3 da pior qualidade, e a impressão que ele causou foi a melhor possível, há quase cinco anos. Como dito no começo destas linhas, que bom que certas coisas apenas são como são.
Algum tempo depois a própria EMI reconheceria o poder do quinteto, e após adquirir o catálogo da banda, tratou de realizar vários relançamentos. Dentre os que possuem mais destaque nesses mais de trinta anos, vale fazer menção a última versão disponibilizada no ano de 2009 onde o disco foi remasterizado e passou a contar com material extra, retirado das demos do SONOFABITCH em 1978, além de participações especiais como no programa de rádio da BBC Tommy Vance’s Friday rock show de 1980 e ainda da apresentação no primeiro Monsters Of Rock, ocorrido em Castle Donington em 16 de agosto de 1980. Vale lembrar que esta versão trocou a ordem das faixas RAINBOW THEME e FROZEN RAINBOW, que aparecem alternadas entre si tanto no tracklist original quanto no material extra. Não foi nada parecido com a British Invasion, mas às vezes é melhor que cada caminho seja trilhado da maneira que deve ser.
Falta apenas fechar a tampa e apertar o play.

Escrito em 01 de dezembro de 2013 às 18hrs e 00min.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Kill 'Em All - Metallica

O mais que famoso primeiro disco do Metallica, Kill 'Em All.
Feliz o homem que foi o primeiro, o pioneiro, o desbravador! A humanidade sempre precisou de indivíduos assim, desde os primórdios, aliás. Foi assim quando o ser humano necessitou adaptar-se ao mundo em que vivia, proporcionando a si mesmo ferramentas que facilitariam sua existência no planeta. Vide o filme 2001: Uma Odisseia No Espaço, de Stanley Kubrick. O homem, em seu estado mais primitivo, ocupou-se de uma poça d’agua para seu bel prazer e, para garantir que a mesma ficasse sob seu domínio, isto é, longe do desejo dos demais, faz de um osso qualquer uma arma que garante sua proteção. O filme, inclusive, mostra muito bem esse caráter do ser humano em adaptar-se ao ambiente em que vive, e procura deixar clara a expansão que o homem sempre aplicou em sua própria existência.
Imagina só qual não foi a sensação que o indivíduo que criou a roda não sentiu! A ferramenta, tão comum nos dias atuais que até passa despercebida no cotidiano, tornou possível todo o avanço do homem através dos séculos. Para ter uma dimensão de sua importância, os veículos, as máquinas, e os instrumentos de locomoção mecânica em geral não existiriam. Talvez até o bom e sagrado futebol, esse mesmo que você acompanha agora na TV (nesse exato momento o Brasil acaba de levar a virada da Inglaterra no amistoso do novo Maracanã) não existisse sem a criação da roda que, no mais, ironicamente nunca saberemos quem inventou. Uma obra-prima das mãos do homem, que ficará renegada de seu maior patrimônio: o crédito do criador! Enquanto os ingleses podem se gabar da façanha de ter inventado o esporte mais popular do mundo (e nesse momento o Brasil empata com gol de Paulinho, 2 a 2) esta brilhante ideia que gira fica para o deleite de todos nós, indivíduos do mundo contemporâneo. Não que a roda seja uma invenção moderna, mas é inegável que desfrutaremos de suas funções para o resto de nossas existências. Lembro bem de recentemente estar na companhia de um camarada e discutir com ele a respeito destas coisas tão comuns que pouca gente sabe de onde veio mas que ninguém vive sem, quando mencionei algo sobre Thomas Edison e a lâmpada elétrica. Sempre fui contra esse globo de vidro chamar-se lâmpada por dois motivos: Pra mim, lâmpada é a casa do Gênio, que diferente daquele de cor azul e personalidade legal da Disney é um demônio cruel aprisionado por conter terríveis poderes mágicos; segundo, ninguém, ABSOLUTAMENTE NINGUÉM se lembra de Thomas Edison quando acende ou apaga o interruptor! E lá se vai o legado de um homem que dedicou SÓ uns 2/3 da sua vida para proporcionar aquela luz que, durante a noite na minha época de garoto, enquanto morava no longínquo estado do Pará, movia a debandada geral das pessoas para as calçadas, em frente de casa mesmo, e seguiam-se horas e horas de piadas e histórias, contadas e recontadas todas as vezes que tal fato ocorria. Ou até a energia voltar, e com a mesma velocidade em que saíam de casa para ir de encontro dos vizinhos na rua todos voltavam para o aconchego de seus lares para acompanhar o desfecho mais que manjado da novela das oito.
Se o nome do tal globo de vidro fosse Thomas Edison, talvez essa injustiça não ocorresse. Mas, já que discorri sobre coisas creditadas e não creditadas, falaremos de algo realmente creditado, que se não criou aquilo do qual fez parte, sua contribuição é inegável.
Era início dos anos oitenta quando, saído de sua ex-banda intitulada LEATHER CHARM, o jovem James Hetfield atende a um comunicado exposto em um jornal de São Francisco, colocado por um recém-chegado dinamarquês na cidade americana. O sujeito, com sotaque em bastante evidência, pretendia formar um grupo de Heavy Metal fundamentado nas bandas as quais estava habituado a ouvir: o brilhantismo britânico dos medalhões da NWOBHM. Já fazia alguns anos que bandas como SAXON, IRON MAIDEN e DIAMOND HEAD permeavam a mente do jovem Lars Ulrich, enquanto o mesmo empenhava-se em deixar a margem de fã para aventurar-se em uma banda. O interesse que possuía por grupos de som pesado foi de encontro ao que Hetfield queria. Foi questão de tempo até recrutarem o extrovertido baixista Ron McGovney e o um irreverente e brincalhão Dave Mustaine... Esses eram os primeiros passos de um gigante de um novo reino, prestes a germinar em um solo fértil cultivado pelo metal britânico.
Antes, porém, era necessário escolher um nome. De classe média-alta, filho de um já consagrado tenista dinamarquês, inclusive campeão da modalidade, Lars possuía uma capacidade ímpar de se relacionar com as pessoas. Dono de um charme totalmente próprio, o jovem fazia amizades bem depressa, chagando inclusive a conviver com a banda MOTÖRHEAD por um breve período, condição que obteve após ganhar um concurso promovido pelo grupo. Uma semana ao lado dos bastardos ingleses garantiu mais respeito para sua reputação, a qual mantinha sempre em evidencia. Foi em um dia comum na companhia de Ron Quintana, editor de fanzines e promovente de um programa de rádio na estação KUSF intitulado Rampage, que Lars observou que o sujeito estava com uma lista curiosa de nomes, os quais Quintana estava a fazer uma preleção objetivando colocar um desses títulos no novo fanzine em que trabalhava. Esperto, Lars sugeriu o nome Metal Mania, logo depois de convencer Quintana a descartar outro nome mais sugestivo, talvez até mais apropriado para a ocasião... METALLICA. O resto é história!
Algumas demos foram disponibilizadas neste início da banda, entre elas destaque para a histórica NO LIFE ‘TIL LEATHER, gravada e lançada em Julho de 1982 durante um show com o EXODUS, onde ocorreu uma situação que renderia discussões para os próximos vinte anos, no mínimo. Fora o fato de terem chutado McGovney logo após acompanharem o desempenho do hippie de cabelos vermelhos e calças largas, detentor das quatro cordas da banda TRAUMA e atendendo pelo nome de Cliff Burton, James e Lars tomaram uma atitude drástica: Impressionados pela técnica apresentada pelo guitarrista do EXODUS, o jovem Kirk Hammett, e ainda, extremamente pilhados pelas bebedeiras intermináveis e sempre caóticas de Mustaine, a banda não pensou duas vezes em demiti-lo. Só que o jovem de personalidade tempestuosa não digeriu bem a decisão da dupla, iniciando uma guerra de ódio contra o METALLICA que duraria por anos, apaziguada apenas recentemente. Discussões à parte, a formação estabilizou-se com Lars na bateria, seguido por Cliff no baixo, enquanto Kirk e James dividiam as guitarras, com o diferencial de que Hetfield segurava todos os vocais. No início isso gerou certo desconforto, sendo que a banda inclusive chegou a solicitar a adição de um vocalista. Jon Bush, do ARMORED SAINT, foi cotado para o posto, havendo sido aprovado por Lars e James, contudo o mesmo recusou o convite. Se soubesse no que aquilo tudo daria...
Passado algum tempo e, com a experiência acumulada de um ano de apresentações, chegava o momento de lançar um full length. Contudo, mais problemas permearam o caminho da banda, dessa vez pelo lado financeiro. Brian Slagel, fundador do selo Metal Blade e padrinho do grupo, não possuía condições financeiras para custear os oito mil dólares que se faziam necessários para bancar o primeiro LP dos rapazes. Sendo assim, os mesmos recorreram a Jon Zazula e sua esposa, na esperança de conseguir o dinheiro. Após muitas reuniões com gravadoras e muito vexame passado pelo casal diante dos mesmos, Jon decidiu fazer um empréstimo e retirar o dinheiro por conta própria. Um risco que se fez necessário, ainda mais levando em conta o potencial do grupo. Nascia assim o primeiro álbum da famosa cena Thrash Metal Bay Area, chamado de KILL ‘EM ALL.
O disco com seu encarte, simplório, porém eficiente.
Por conta da censura imposta pelos empresários do selo da Megaforce, o título METAL UP YOUR ASS foi vetado, provocando o surgimento do título em questão. Foi uma retaliação, surgida assim que Cliff proferiu algo com relação a decisão da gravadora. Produzido por Paul Curcio, com participação executiva de Jon Zazula, o álbum foi gravado e mixado no estúdio Music America, em Rochester, Nova Iorque, em Maio de 1983, sendo lançado no dia 13 de Julho do mesmo ano. A bolacha apresentava uma velocidade fora do comum, vista apenas nas bandas punk e no MOTÖRHEAD, contudo com uma musicalidade diferente, mais melódica. Herança das bandas inglesas cultuadas pelos rapazes, demonstrada principalmente no sincronismo das guitarras gêmeas de Kirk e James, além da pegada suingada de Cliff. Lars não deixava por menos e marretava o seu kit de forma cruel. Nos pouco mais de cinquenta minutos que se seguem, as faixas MOTORBREATH, WHIPLASH, NO REMORSE, JUMP IN THE FIRE, PHANTOM LORD e METAL MILITIA dão uma aula de amor ao Heavy Metal, apresentando uma verdadeira ode ao estilo. O peso do som é contagiante, não perdendo o pique do início ao fim. Ao passo que a primeira faixa, HIT THE LIGHTS mostra uma velocidade absurda, engatando riffs furiosos de Kirk em perfeita harmonia com as batidas de Lars, o mundo conhecia uma sonoridade nova, mais cheia de atitude, que cuspia as notas num turbilhão incessante. Era impossível conter a ira do thrash metal, que veria a partir daquele estopim o surgimento de vários representantes do estilo, primeiramente nos Estados Unidos, partindo então para todos os continentes do mundo. (ANESTHESIA) – PULLING TEETH mostra uma introdução de baixo de mais de um minuto e meio, onde Cliff desfila toda sua capacidade. Sem dúvida um momento ousado e inspirado. Já SEEK AND DESTROY mantém uma base sonora que simplesmente é a cara do METALLICA! Não ouvi nada do mais recente trabalho da banda, DEATH MAGNETIC, mas acredito que pelo menos uma coisinha dessa faixa está lá, de uma forma ou de outra. É o traço genético do grupo.
De todas as músicas aqui apresentadas, uma merece destaque especial: a segunda faixa do álbum regular, THE FOUR HORSEMEN. A canção já existia desde os tempos de Dave Mustaine na banda, mas com o nome de MECHANIX. Após a demissão de Mustaine, a banda implantou algumas modificações, que resultaram na versão usada regularmente pelo METALLICA. Por que pelo METALLICA? Simples: Na condição de coautor da música, Mustaine, que mal voltara para São Francisco após todo o ocorrido de sua expulsão tratou de iniciar a sua vingança contra Lars e companhia, montando sua própria banda, o MEGADETH. Em seu primeiro álbum, intitulado KILLING IS MY BUSINESS... AND BUSINESS IS GOOD de 1985, a faixa MECHANIX dá o ar da graça, mas em sua versão original. Cabe ressaltar aqui que outras três faixas do debut do METALLICA contém a contribuição de Mustaine, porém o grupo tratou de creditá-las com o devido respeito.
Com este disco, o METALLICA dava o pontapé na explosão Thrash que assolaria o mundo da música pesada, seguido por diversos grupos de igual talento, porém sem a mesma sorte. Alguns voaram bem longe, como o próprio MEGADETH do insolente Mustaine, que ao lado de outras duas grandes bandas Thrash norte americanas, o ANTHRAX e o SLAYER, formaram o hoje tão cultuado Big Four. Outras ainda estão por aí, propagado este gênero tão amado pelos metalheads. Ao METALLICA ficou a honra de puxar o carro durante aqueles primeiros anos do novo gênero, enquanto recebia os créditos por ter saído na frente com tanta competência. Neste caso a roda foi creditada, e todo mundo rapidamente associa o nome da banda não só quando se fala de Thrash, mas quando acende a luz do som pesado em geral. Ah, e antes que eu me esqueça, o jogo entre Brasil e Inglaterra acabou em 2x2 mesmo.
Só falta fechar a tampa e apertar o play!
 Escrito em 02 de Junho de 2013, com início às 17hrs. e 20min.