O primeiro disco da clássica banda da NWOBHM, Saxon. |
Parecia sonho. Simples assim. Por um instante estava a
pensar que algumas coisas aconteciam na minha vida de uma forma que, se fosse
para viver mais umas dez vezes a mesma situação, jamais descobriria como tal
momento aconteceu da forma que aconteceu. Por mais que eu procure entender, há
coisas que é bem melhor deixar simplesmente como está, ou como foram, pois são
momentos assim que fazem parte da vida de cada um. São maravilhosos ou
horríveis apenas por serem assim, e os impactos que eles causam na nossa
existência duram por instantes, por horas, por dias, por meses, por anos, por
décadas... Ou por uma vida inteira!
Podia ser uma noite quente ou fria, ou mesmo uma noite em
que ninguém se importasse com tais detalhes. O local podia ser uma casa de
shows, ou uma esquina qualquer, talvez poucos se importariam. Na verdade, não
sei explicar, pois não estava lá quando tudo começou, há mais de quarenta anos.
Era 1970, e assim como muitos jovens apaixonados pelo som que embalou a década
anterior, o Rock ‘n ‘Roll, um grupo de rapazes experimentava os primeiros
passos que poderia leva-los para o sucesso ou para o esquecimento e uma vida de
frustrações.
A British Invasion, movimento iniciado pelos grandes nomes
do Rock britânico (ROLLING STONES, THE WHO e principalmente os BEATLES) assolava o norte do continente
americano, fazendo de apresentações ao vivo ou na TV uma verdadeira zona de
diversão e farra, onde nem a política ou a religião puritana da época segurava
o ímpeto juvenil. Condomínios inteiros sacudiam-se ao som das palhetadas
precisas e contagiantes de Keith Richards
e Brian Jones, enquanto Keyth Moon destruía qualquer rastro de
sua bateria com levadas insanas, retiradas de um fôlego sem igual, acompanhado
pelo não menos louco Pete Townshend, guitarrista
único. John Lennon e Paul Mccartney faziam jovens ficarem
eufóricas apenas por proferirem algumas palavras, enquanto Mick Jagger, o vulgo Rubber
Lips, deixava pais desmoralizados diante de seus filhos com um simples
movimento de quadril. Os anos sessenta foram incríveis para a música e para a
cultura em geral, sendo impossível afirmar precisamente o que seria da década
seguinte sem tais acontecimentos.
Talvez Pete ‘Biff’
Byford pensasse assim. Os motivos que o levaram a começar uma carreira no
Rock podiam ser diversos, e as conclusões tiradas de suas ações as mais
fantásticas possíveis. O fato era que em 1975 o sujeito alto e de longos
cabelos claros estava no auge de seus 24 anos quando alguma coisa aconteceu, e
as parcas apresentações que fazia com sua banda, o COAST, despertaram a atenção de outro grupo, o S.O.B.
Segundo Biff, sua
primeira banda atingia uma média de público que ficava em torno de 400 pessoas,
no circuito que compreendia sua cidade natal, Barnsley, e outros municípios
próximos, como Sheffield e Halifax, todos na Inglaterra. Após o baterista de
seu grupo abandonar o barco por alegar que a vida de Rockstar era “ingrata
demais”, despertou-se o interesse do conjunto S.O.B. que havia acompanhado a performance de Biff e sabia de seu potencial.
Ainda na versão do vocalista, o S.O.B. também havia perdido um guitarrista, então precisaria
preencher dois postos. Biff topou a
proposta, mas como acumulava a função de comandar o microfone e o baixo em sua
ex banda, o grupo passou a contar com dois homens nas quatro cordas. Com a
adição do guitarrista Paul ‘Blute’ Quinn,
parceiro de Biff no COAST, ficou acertado que ele iria se
preocupar apenas com as linhas vocais, deixando o baixo para Steve ‘Dobby’ Dawson. Completava o time
o calvo Grahan ‘Oly’ Oliver na
segunda guitarra (que sempre escondia sua careca com um boné) e o habilidoso Pete ‘Frank’ Gill na bateria.
Logo no início a banda já gozava de certo prestígio por
contar com integrantes de dois grupos distintos, que durante as apresentações
tiveram que remodelar o som do conjunto. Amantes da atmosfera soturna e pesada
do BLACK SABBATH, o COAST praticava algo que ficava próximo
do Heavy Rock setentista com algo de grupos como MC5 e afins. Já o S.O.B.
executava notas em uma linha mais progressiva, por muitas vezes flertando com o
Blues. O resultado ficou entre os grupos clássicos do Metal com alguma coisa ou
outra de STATUS QUO, conjunto de
Classicrock bastante apreciado até hoje.
Era 1976, e enquanto a banda caminhava com sua agenda de
shows, curta, mas animada, o quinteto viu sua pouca personalidade ser ameaçada
pela corrente do Punkrock que se alimentava de toda a cena musical britânica.
Parecia-se que por um instante toda a geração da British Invasion havia ficado no
passado, e o que mais se ouvia era o pulsar frenético de guitarras que mais
pareciam serras elétricas, enquanto palavras de anarquia e liberdade eram
vociferadas de forma diferente do que se presenciou com o movimento hippie há
uma década. Na falta de espaço, a banda quase se perdeu em meio à agressividade
do mundo em que vivia, até que, em 1979, uma tentativa mal sucedida de arrancar
um contrato com a EMI renovou as forças dos rapazes.
Pete Hinton, nome
forte na gravadora inglesa, havia agendado uma audição com a banda, gostou do
que ouviu, e não tardou para a maré rumar a favor do grupo. O quinteto, que no
espaço de três anos já havia passado a alcinha de BLUE CONDITION para trás, ficou por um período com o nome S.O.B. até atender pela corruptela de SONOFABITCH, nome mais que sugestivo.
Por um breve período Biff
e Quinn integraram o grupo de apoio
do influente guitarrista britânico John
Verity, o qual marcaria presença fundamental no futuro próximo da banda. Ao
retornarem para Barnley, os rapazes
ficaram sabendo que Hinton havia
ligado para alguns executivos da gravadora Trident, que não perderam tempo em
estabelecer um contrato com a banda. Nas palavras de Biff, o contrato foi assinado em Paris, junto ao selo local
Carrere, por algo em torno de 35.000 libras, um ótimo início para um grupo de
rapazes tidos como desajustados sociais.
Passado o preto no branco, o próximo objetivo era mais que
óbvio. Munidos de alguns poucos instrumentos e de uma velha van modelo
Mercedes, pilotada por todos os rapazes alternadamente, a banda rumou para o
Livingstone Sudios, na Inglaterra, ansiosa para gravar seu debut. O time já contava com duas demos lançadas no mercado por
conta própria, então já sabiam o que esperar na criação de seu primeiro disco oficial.
Para a produção do trabalho foi chamado o colega John Verity, que executou bem seu trabalho. O estúdio é famoso por
conta do primeiro proprietário, Ray
Kinsey, ter iniciado as atividades do local produzindo livros falados para
os cegos em 1960. Somente algum tempo depois o estúdio foi adaptado para
gravações de áudio, comportando músicos e afins.
Parece estranho, mas após a gravação do disco mais uma
mudança de nome ocorreu e, dessa vez, para definitivo. Tendo em mãos um título
forte para o álbum, a banda também passou a usá-lo como logo e nome, e então o SAXON pode enfim estrear nas
prateleiras das lojas locais e por boa parte da Europa, a partir do dia 21 de
maio de 1979.
O encarte mostrando a foto da banda juntamente com outra lenda do Heavy Metal, o Motörhead. |
Partindo da capa, que apresenta um guerreiro empunhando uma
espada ensanguentada e um escudo já muito batido enquanto brada um grito feroz,
o disco passeia pelo som da NWOBHM com muita facilidade. Demostrando ser este o
caminho a seguir, o conjunto abandonou a salada musical que praticava nos
primórdios, uma mistura entre o Rock mais pesado e o Boogie (gênero musical
mais antigo que o próprio Rock), contudo algumas de suas influências ainda eram
visíveis, como na faixa STILL FIT TO
BOOGIE, que coloca o ouvinte facilmente para dançar sem receio algum.
Partindo de algo mais progressivo, de encontro à linha de GENESIS, YES e afins,
uma peça instrumental inspirada abre o disco. Sob forte pressão nas quatro
cordas, Steve Dawson apresenta RAINBOW THEME, que aos exatos um minuto
de muita influência rítmica e inspirada de todos os integrantes passa a
acompanhar a faixa FROZEN RAINBOW,
enquanto Biff mostra que mesmo as
suas influências mais agressivas podem caminhar lado a lado com a veia mais
sentimental e suave. Bom começo para o disco.
Mas, se estamos falando de uma banda da NWOBHM (uma das mais
antigas, por sinal), não podem faltar as faixas rápidas e de impacto. Temas que
envolviam guerras, vida na estrada e perigosas aventuras eram contados nas
canções JUDGEMENT DAY, que possui uma
percussão de tirar o fôlego, indo do ríspido ao acústico com facilidade
principalmente na levada cadenciada do solo que Paul Quinn, e em STALLIONS OF THE HIGHWAY, que é um hino
aos headbangers, ainda hoje executada
pela banda. Com levadas rápidas e agressivas, é a faixa que moldaria o estilo
peculiar do SAXON nos anos seguintes.
Sem dúvidas é o destaque do disco.
BACKS TO THE WALL
também segue a mesma linha, com um toque de JUDAS PRIEST evidenciado nas guitarras dobradas, enquanto BIG TEASER procura algo mais voltado
para levantar a plateia. O disco encerra-se em pouco mais de vinte e cinco
minutos com a faixa MILITIA GUARD,
um tema bastante envolvente tanto no início da bateria marcial de Pete Gill quanto no solo final de Graham Oliver, bastante inspirado.
Sob a fumaça do gelo seco e o pouco espaço disponível no
palco, apertado ainda mais pela grande bandeira ostentando o nome da banda, dá
para se ter uma noção do que eram as apresentações do SAXON nesse início de carreira. A ajuda do MOTÖRHEAD nesses primeiros passos foi fundamental, pois, enquanto o
grupo servia como banda de apoio da turnê do disco BOMBER de Lemmy e
companhia, uma forte amizade nasceu entre os dois conjuntos, união essa que
influenciou muito o som dos dois grupos e dura até hoje.
Embora o empurrão providencial dos ‘Bastardos do Rock’
tivesse contribuído para uma rápida ascensão do conjunto, incluindo ai uma
mãozinha do DJ Neal Kay que adorou o
hit de STALLIONS OF THE HIGHWAY
colocando-o para tocar semanalmente no tradicional pub londrino Soundhouse
(considerado por muitos metalheads
como a Meca do som pesado na Inglaterra), a banda não conseguiu emplacar uma
boa colocação nos charts musicais
ingleses. Os trabalhos das demais bandas que despontavam neste prolífico
cenário da NWOBHM ofuscaram os singles BIG
TEASER e BACKS TO THE WALL que atingiram os modestos 66° e 64°
lugares, respectivamente, mantendo o conjunto numa posição mais defensiva. Não
seria desta vez que Biff e companhia
copiariam os passos dos BEATLES e ROLLING STONES em busca de um lugar
digno no mundo da música.
Porém, enganou-se quem achou que estava tudo perdido. Para
os amantes da musica pesada, era fácil perceber que o SAXON ainda caminharia longas distâncias, tornando-se futuramente
uma das bandas mais bem sucedidas da NWOBHM, fazendo frente aos grandes
medalhões do Heavy Metal. Para Biff,
esse primeiro trabalho junto com os dois seguintes, WHEELS OF STEEL e STRONG ARM
OF THE LAW (ambos de 1980) mostram bem o motor da banda e no que ela se
tornou hoje. Não por menos este foi o disco pelo qual comecei a conhecer a
banda, que fiquei sabendo da existência através de um disco em MP3 da pior
qualidade, e a impressão que ele causou foi a melhor possível, há quase cinco
anos. Como dito no começo destas linhas, que bom que certas coisas apenas são
como são.
Algum tempo depois a própria EMI reconheceria o poder do
quinteto, e após adquirir o catálogo da banda, tratou de realizar vários
relançamentos. Dentre os que possuem mais destaque nesses mais de trinta anos,
vale fazer menção a última versão disponibilizada no ano de 2009 onde o disco
foi remasterizado e passou a contar com material extra, retirado das demos do SONOFABITCH em 1978, além de participações especiais como no
programa de rádio da BBC Tommy Vance’s Friday rock show de 1980 e ainda da
apresentação no primeiro Monsters Of Rock, ocorrido em Castle Donington em 16
de agosto de 1980. Vale lembrar que esta versão trocou a ordem das faixas RAINBOW THEME e FROZEN RAINBOW, que aparecem alternadas entre si tanto no tracklist original quanto no material
extra. Não foi nada parecido com a British Invasion, mas às vezes é melhor que
cada caminho seja trilhado da maneira que deve ser.
Falta apenas fechar a tampa e apertar o play. |
Escrito em 01 de dezembro de 2013 às 18hrs e 00min.
Nenhum comentário:
Postar um comentário