domingo, 8 de dezembro de 2013

Saxon - Saxon

O primeiro disco da clássica banda da NWOBHM, Saxon.
Parecia sonho. Simples assim. Por um instante estava a pensar que algumas coisas aconteciam na minha vida de uma forma que, se fosse para viver mais umas dez vezes a mesma situação, jamais descobriria como tal momento aconteceu da forma que aconteceu. Por mais que eu procure entender, há coisas que é bem melhor deixar simplesmente como está, ou como foram, pois são momentos assim que fazem parte da vida de cada um. São maravilhosos ou horríveis apenas por serem assim, e os impactos que eles causam na nossa existência duram por instantes, por horas, por dias, por meses, por anos, por décadas... Ou por uma vida inteira!
Podia ser uma noite quente ou fria, ou mesmo uma noite em que ninguém se importasse com tais detalhes. O local podia ser uma casa de shows, ou uma esquina qualquer, talvez poucos se importariam. Na verdade, não sei explicar, pois não estava lá quando tudo começou, há mais de quarenta anos. Era 1970, e assim como muitos jovens apaixonados pelo som que embalou a década anterior, o Rock ‘n ‘Roll, um grupo de rapazes experimentava os primeiros passos que poderia leva-los para o sucesso ou para o esquecimento e uma vida de frustrações.
A British Invasion, movimento iniciado pelos grandes nomes do Rock britânico (ROLLING STONES, THE WHO e principalmente os BEATLES) assolava o norte do continente americano, fazendo de apresentações ao vivo ou na TV uma verdadeira zona de diversão e farra, onde nem a política ou a religião puritana da época segurava o ímpeto juvenil. Condomínios inteiros sacudiam-se ao som das palhetadas precisas e contagiantes de Keith Richards e Brian Jones, enquanto Keyth Moon destruía qualquer rastro de sua bateria com levadas insanas, retiradas de um fôlego sem igual, acompanhado pelo não menos louco Pete Townshend, guitarrista único. John Lennon e Paul Mccartney faziam jovens ficarem eufóricas apenas por proferirem algumas palavras, enquanto Mick Jagger, o vulgo Rubber Lips, deixava pais desmoralizados diante de seus filhos com um simples movimento de quadril. Os anos sessenta foram incríveis para a música e para a cultura em geral, sendo impossível afirmar precisamente o que seria da década seguinte sem tais acontecimentos.
Talvez Pete ‘Biff’ Byford pensasse assim. Os motivos que o levaram a começar uma carreira no Rock podiam ser diversos, e as conclusões tiradas de suas ações as mais fantásticas possíveis. O fato era que em 1975 o sujeito alto e de longos cabelos claros estava no auge de seus 24 anos quando alguma coisa aconteceu, e as parcas apresentações que fazia com sua banda, o COAST, despertaram a atenção de outro grupo, o S.O.B.
Segundo Biff, sua primeira banda atingia uma média de público que ficava em torno de 400 pessoas, no circuito que compreendia sua cidade natal, Barnsley, e outros municípios próximos, como Sheffield e Halifax, todos na Inglaterra. Após o baterista de seu grupo abandonar o barco por alegar que a vida de Rockstar era “ingrata demais”, despertou-se o interesse do conjunto S.O.B. que havia acompanhado a performance de Biff e sabia de seu potencial.
Ainda na versão do vocalista, o S.O.B. também havia perdido um guitarrista, então precisaria preencher dois postos. Biff topou a proposta, mas como acumulava a função de comandar o microfone e o baixo em sua ex banda, o grupo passou a contar com dois homens nas quatro cordas. Com a adição do guitarrista Paul ‘Blute’ Quinn, parceiro de Biff no COAST, ficou acertado que ele iria se preocupar apenas com as linhas vocais, deixando o baixo para Steve ‘Dobby’ Dawson. Completava o time o calvo Grahan ‘Oly’ Oliver na segunda guitarra (que sempre escondia sua careca com um boné) e o habilidoso Pete ‘Frank’ Gill na bateria.
Logo no início a banda já gozava de certo prestígio por contar com integrantes de dois grupos distintos, que durante as apresentações tiveram que remodelar o som do conjunto. Amantes da atmosfera soturna e pesada do BLACK SABBATH, o COAST praticava algo que ficava próximo do Heavy Rock setentista com algo de grupos como MC5 e afins. Já o S.O.B. executava notas em uma linha mais progressiva, por muitas vezes flertando com o Blues. O resultado ficou entre os grupos clássicos do Metal com alguma coisa ou outra de STATUS QUO, conjunto de Classicrock bastante apreciado até hoje.
Era 1976, e enquanto a banda caminhava com sua agenda de shows, curta, mas animada, o quinteto viu sua pouca personalidade ser ameaçada pela corrente do Punkrock que se alimentava de toda a cena musical britânica. Parecia-se que por um instante toda a geração da British Invasion havia ficado no passado, e o que mais se ouvia era o pulsar frenético de guitarras que mais pareciam serras elétricas, enquanto palavras de anarquia e liberdade eram vociferadas de forma diferente do que se presenciou com o movimento hippie há uma década. Na falta de espaço, a banda quase se perdeu em meio à agressividade do mundo em que vivia, até que, em 1979, uma tentativa mal sucedida de arrancar um contrato com a EMI renovou as forças dos rapazes.
Pete Hinton, nome forte na gravadora inglesa, havia agendado uma audição com a banda, gostou do que ouviu, e não tardou para a maré rumar a favor do grupo. O quinteto, que no espaço de três anos já havia passado a alcinha de BLUE CONDITION para trás, ficou por um período com o nome S.O.B. até atender pela corruptela de SONOFABITCH, nome mais que sugestivo.
Por um breve período Biff e Quinn integraram o grupo de apoio do influente guitarrista britânico John Verity, o qual marcaria presença fundamental no futuro próximo da banda. Ao retornarem para Barnley, os rapazes ficaram sabendo que Hinton havia ligado para alguns executivos da gravadora Trident, que não perderam tempo em estabelecer um contrato com a banda. Nas palavras de Biff, o contrato foi assinado em Paris, junto ao selo local Carrere, por algo em torno de 35.000 libras, um ótimo início para um grupo de rapazes tidos como desajustados sociais.
Passado o preto no branco, o próximo objetivo era mais que óbvio. Munidos de alguns poucos instrumentos e de uma velha van modelo Mercedes, pilotada por todos os rapazes alternadamente, a banda rumou para o Livingstone Sudios, na Inglaterra, ansiosa para gravar seu debut. O time já contava com duas demos lançadas no mercado por conta própria, então já sabiam o que esperar na criação de seu primeiro disco oficial. Para a produção do trabalho foi chamado o colega John Verity, que executou bem seu trabalho. O estúdio é famoso por conta do primeiro proprietário, Ray Kinsey, ter iniciado as atividades do local produzindo livros falados para os cegos em 1960. Somente algum tempo depois o estúdio foi adaptado para gravações de áudio, comportando músicos e afins.
Parece estranho, mas após a gravação do disco mais uma mudança de nome ocorreu e, dessa vez, para definitivo. Tendo em mãos um título forte para o álbum, a banda também passou a usá-lo como logo e nome, e então o SAXON pode enfim estrear nas prateleiras das lojas locais e por boa parte da Europa, a partir do dia 21 de maio de 1979.
O encarte mostrando a foto da banda juntamente com outra lenda do Heavy Metal, o Motörhead.
Partindo da capa, que apresenta um guerreiro empunhando uma espada ensanguentada e um escudo já muito batido enquanto brada um grito feroz, o disco passeia pelo som da NWOBHM com muita facilidade. Demostrando ser este o caminho a seguir, o conjunto abandonou a salada musical que praticava nos primórdios, uma mistura entre o Rock mais pesado e o Boogie (gênero musical mais antigo que o próprio Rock), contudo algumas de suas influências ainda eram visíveis, como na faixa STILL FIT TO BOOGIE, que coloca o ouvinte facilmente para dançar sem receio algum. Partindo de algo mais progressivo, de encontro à linha de GENESIS, YES e afins, uma peça instrumental inspirada abre o disco. Sob forte pressão nas quatro cordas, Steve Dawson apresenta RAINBOW THEME, que aos exatos um minuto de muita influência rítmica e inspirada de todos os integrantes passa a acompanhar a faixa FROZEN RAINBOW, enquanto Biff mostra que mesmo as suas influências mais agressivas podem caminhar lado a lado com a veia mais sentimental e suave. Bom começo para o disco.
Mas, se estamos falando de uma banda da NWOBHM (uma das mais antigas, por sinal), não podem faltar as faixas rápidas e de impacto. Temas que envolviam guerras, vida na estrada e perigosas aventuras eram contados nas canções JUDGEMENT DAY, que possui uma percussão de tirar o fôlego, indo do ríspido ao acústico com facilidade principalmente na levada cadenciada do solo que Paul Quinn, e em STALLIONS OF THE HIGHWAY, que é um hino aos headbangers, ainda hoje executada pela banda. Com levadas rápidas e agressivas, é a faixa que moldaria o estilo peculiar do SAXON nos anos seguintes. Sem dúvidas é o destaque do disco.
BACKS TO THE WALL também segue a mesma linha, com um toque de JUDAS PRIEST evidenciado nas guitarras dobradas, enquanto BIG TEASER procura algo mais voltado para levantar a plateia. O disco encerra-se em pouco mais de vinte e cinco minutos com a faixa MILITIA GUARD, um tema bastante envolvente tanto no início da bateria marcial de Pete Gill quanto no solo final de Graham Oliver, bastante inspirado.
Sob a fumaça do gelo seco e o pouco espaço disponível no palco, apertado ainda mais pela grande bandeira ostentando o nome da banda, dá para se ter uma noção do que eram as apresentações do SAXON nesse início de carreira. A ajuda do MOTÖRHEAD nesses primeiros passos foi fundamental, pois, enquanto o grupo servia como banda de apoio da turnê do disco BOMBER de Lemmy e companhia, uma forte amizade nasceu entre os dois conjuntos, união essa que influenciou muito o som dos dois grupos e dura até hoje.
Embora o empurrão providencial dos ‘Bastardos do Rock’ tivesse contribuído para uma rápida ascensão do conjunto, incluindo ai uma mãozinha do DJ Neal Kay que adorou o hit de STALLIONS OF THE HIGHWAY colocando-o para tocar semanalmente no tradicional pub londrino Soundhouse (considerado por muitos metalheads como a Meca do som pesado na Inglaterra), a banda não conseguiu emplacar uma boa colocação nos charts musicais ingleses. Os trabalhos das demais bandas que despontavam neste prolífico cenário da NWOBHM ofuscaram os singles BIG TEASER e BACKS TO THE WALL            que atingiram os modestos 66° e 64° lugares, respectivamente, mantendo o conjunto numa posição mais defensiva. Não seria desta vez que Biff e companhia copiariam os passos dos BEATLES e ROLLING STONES em busca de um lugar digno no mundo da música.
Porém, enganou-se quem achou que estava tudo perdido. Para os amantes da musica pesada, era fácil perceber que o SAXON ainda caminharia longas distâncias, tornando-se futuramente uma das bandas mais bem sucedidas da NWOBHM, fazendo frente aos grandes medalhões do Heavy Metal. Para Biff, esse primeiro trabalho junto com os dois seguintes, WHEELS OF STEEL e STRONG ARM OF THE LAW (ambos de 1980) mostram bem o motor da banda e no que ela se tornou hoje. Não por menos este foi o disco pelo qual comecei a conhecer a banda, que fiquei sabendo da existência através de um disco em MP3 da pior qualidade, e a impressão que ele causou foi a melhor possível, há quase cinco anos. Como dito no começo destas linhas, que bom que certas coisas apenas são como são.
Algum tempo depois a própria EMI reconheceria o poder do quinteto, e após adquirir o catálogo da banda, tratou de realizar vários relançamentos. Dentre os que possuem mais destaque nesses mais de trinta anos, vale fazer menção a última versão disponibilizada no ano de 2009 onde o disco foi remasterizado e passou a contar com material extra, retirado das demos do SONOFABITCH em 1978, além de participações especiais como no programa de rádio da BBC Tommy Vance’s Friday rock show de 1980 e ainda da apresentação no primeiro Monsters Of Rock, ocorrido em Castle Donington em 16 de agosto de 1980. Vale lembrar que esta versão trocou a ordem das faixas RAINBOW THEME e FROZEN RAINBOW, que aparecem alternadas entre si tanto no tracklist original quanto no material extra. Não foi nada parecido com a British Invasion, mas às vezes é melhor que cada caminho seja trilhado da maneira que deve ser.
Falta apenas fechar a tampa e apertar o play.

Escrito em 01 de dezembro de 2013 às 18hrs e 00min.

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