O primeiro disco da tradicional banda alemã Running Wild |
Até onde as pessoas vão por um sonho? Você, que neste
momento lê essas linhas já se perguntou se alguma vez na sua vida valeu a pena
desistir de algo que acredita? Procurou, mesmo que com unhas e dentes, se
apegar a algo ou a alguma circunstância não por teimosia, nem por esperança de
que esse algo pudesse em determinado momento dar certo, mas por convicção,
certeza que de fato conseguiria realizar seu objetivo? Pois é, vai dia, vêm
dia, e o que mais vejo por aí são pessoas que comentam sobre seus desejos, suas
ambições, mas sempre com um toque de ironia, como ”ah, se eu pudesse” ou “quem
sabe um dia...”. Talvez para muitos isso seja fato, pois é inegável que para a maioria
o trabalho duro é recompensado com a realização de seus sonhos, porém é
consenso que isso por si só não é garantia para torna-los realidade.
Quando tinha algo por volta de quinze anos, era totalmente
crente que só o trabalho duro iria me trazer o sucesso, assim como via
acontecer com meu pai. Os anos passaram e, junto como a inocente ilusão que
tinha sobre o conceito de trabalho/ objetivo a vida trouxe-me uma nova
realidade, a de que, muito mais que esforço e competência, o indivíduo precisa
de sorte para chegar ao sucesso, do contrário dificilmente deixará a condição
de promissor. Meu pai tinha a competência, e até teve a sorte de tocar adiante
seus sonhos, mas o tempo mostrou-me que meu velho estava longe do sucesso que
acreditava possuir. Tal circunstância foi um choque, se comparado com o ponto
de vista do mundo que adotava até então. Contudo, esta é minha visão atual de
como as coisas funcionam. Por não ser uma verdade absoluta, ela pode mudar com
o passar dos mesmos anos, ficando apenas a experiência que se obtêm delas,
essas sim, imutáveis.
O ponto em questão da discussão está apoiado ao fator da crença,
isto é, o quanto alguém pode acreditar em seus objetivos e fazer todo o
possível para concretizá-los. Existem aqueles que estão bem encaminhados,
focados em suas ambições e acumulando experiência para superar obstáculos cada
vez mais difíceis. Existem também aqueles que estão começando a tocar seus
projetos, visando atingir resultados cada vez mais relevantes e abrangentes,
numa jornada aparentemente interminável. E por último, é possível acompanhar
aqueles que já desistiram, seja por perda de interesse, por inicialização de
novos projetos ou por falta de sorte. Quem sabe até mesmo de capacidade de
acreditar em seus próprios sonhos, vai saber. Para os obstinados isto é o que
os move, levando-os em uma jornada sob caminhos desconhecidos, porém embalados
por passos firmes.
Por volta da segunda metade da década de setenta, na cidade
alemã de Hamburgo, localizada ao norte do país, um grupo de característica
peculiar e praticante de um rock visceral mobilizava uma pequena cena em torno
de suas apresentações. O GRANITE HEARTS,
como era conhecido o conjunto, enchia suas apresentações com bastante
empolgação, ainda que os apreciadores daqueles ensaios mal amparados estivessem
pouco preocupados com o desempenho do grupo. Passaram-se alguns anos e, sob os
olhares estupefatos dos integrantes da banda, um álbum que mexeu com a cabeça
da geração metalhead, o aclamado UNLEASHED IN THE EAST do grupo
britânico JUDAS PRIEST gerou uma
mudança drástica nos contornos musicais adotados pelo conjunto até então. O
impacto de tal lançamento foi tamanho na cena do som pesado que não só a
sonoridade apresentada pelo álbum ao vivo trouxe mudanças no universo do Heavy
Metal, mas o titulo das faixas, que empregavam grande energia e significado
para aquela geração foi o estopim para o batismo de muitas bandas espalhadas
pelo mundo, algumas delas bem famosas no cenário da musica pesada, como o EXCITER do Canadá, o germânico SINNER entre outras. Isso fez com que
os jovens de Hamburgo não pensassem duas vezes em alterar o estranho nome da
banda para algo que fizesse mais sentido ao universo do qual faziam parte.
Criou-se então o legado do RUNNING WILD,
em 1979.
Adotando nova postura, que ia de encontro a algo mais veloz
e agressivo (se foi influência do novo nome ou não quem pode dizer?) o conjunto
alemão foi ganhando notoriedade com o passar do tempo, participando de shows
cada vez mais empolgantes.
O inicio dos anos oitenta mostraram uma banda mais madura,
que mesmo com as constantes alterações de formação mantinha um nível acima da
média. Tal consistência é creditada ao líder do grupo, Rolf Kasparek, membro fundador do conjunto e integrante da banda
desde seu surgimento. Com incrível talento para tocar instrumentos, em especial
a guitarra, e dotado de grande potencial para criar canções, Rock ‘N’ Rolf (como ficaria mundialmente
conhecido anos depois) ditava os rumos da banda, tratando sua empreitada sonora
com extrema seriedade, executando os solos de guitarra durante os shows além de
acumular a função de vocalista. O resultado das apresentações inflamadas nas
casas de shows germânicas e nas demos
que lançara durante os anos seguintes alçou a banda para um patamar acima das
demais, fazendo do grupo uma grande promessa do metal alemão. Foi em 1983 que,
em parceria com os demais integrantes do conjunto, sendo eles o segundo
guitarrista Preacher (Gerald Warnecke), o baixista Stephan (Stephan Boriss) e o companheiro desde a época que a banda ainda
atendia pelo primeiro nome, o baterista Hasche
(Wolfgang Hagemann) o engajado
quarteto integrou um Split lançado
pela Noise Records, intitulado ROCK FROM
HELL – GERMAN METAL ATTACK ao lado de outras grandes promessas da cena
alemã: RATED X, RAILWAY, IRON FORCE, S.A.D.O. e GRAVE DIGGER. Incluindo as faixas ADRIAN e CHAINS &
LEATHER, o destaque obtido por tal lançamento impulsionou ainda mais o
grupo, que a partir dai começou a mostrar seu talento fora das fronteiras de
sua terra natal. Mas Rock ‘N’ Rolf
queria mais. Queria não só marcar presença nos palcos com suas apresentações,
mas estar constantemente envolvido com a musica que compunha e divulgava. Através
de um lançamento custeado pelo próprio grupo, a hoje raríssima demo HEAVY METAL LIKE A HAMMERBLOW, uma segunda e igualmente rara coletânea,
batizada pela Noise como DEATH METAL
trazia um pouco mais de audácia por parte dos jovens, dessa vez atacando com as
composições IRON HEADS e BONES TO ASHES. Abrindo o material que
foi gravado no estúdio Caet em Berlim entre os meses de Fevereiro e Março de
1984 e lançado logo em seguida, as duas faixas de propriedade da banda
mostravam um maior amadurecimento dos integrantes, fato que foi comprovado logo
após assinarem com a subsidiária da Modern Music para o lançamento de seu
primeiro full lenght. Vale destacar
que as bandas DARK AVENGER, HELLHAMMER e HELLOWEEN que dividiram o espaço da coletânea com o RUNNING WILD também foram agraciadas
com a mesma oportunidade. Como discutido no inicio deste texto, Kasparek estava disposto a tornar seu
sonho realidade, não medindo esforços para chegar a seu objetivo.
Retornando para a agitada Berlim em Junho daquele mesmo ano
e amparados por Horst Müller que
ficou encarregado apenas de registrar a película, a própria banda produziu o
álbum, que contou com a experiência adquirida por Kasparek desde os primórdios do grupo. O resultado foi satisfatório
e um dia após o Natal de oitenta e quatro foi enfim possível acompanhar o
conteúdo do disco, que não decepcionou um instante sequer.
O disco com o encarte aberto. |
Dificilmente o fã de Heavy Metal ficará parado ao escutar a
primeira faixa da bolacha, que após um curto lance de palhetadas sob um som
abafado é surpreendido pelo grito rápido e estridente de Rolf. É o início da sequência matadora que estaria estampada ao
longo dos pouco mais de trinta minutos que cercam o trabalho nomeado como GATES TO PURGATORY. A faixa em questão,
VICTIM OF STATES POWER, escrita e
composta por Gerald Warnecke, traz
muito mais do que o simples Heavy/ Speed Metal habitual das bandas alemãs, pois
continha uma linha tênue que a deixava um tanto próxima das bandas Doom Metal,
além, é claro, da temática satânica adotada pelo conjunto. Esse primeiro
lançamento está permeado por essa escrita voltada ao ocultismo, fazendo com que
a banda acumulasse seguidores desse gênero no início. A segunda faixa, BLACK DEMON, composta por Kasparek traz a mesma linha abordada
pela primeira, fazendo o pique do disco continuar em alta, sendo seguida pela
cadenciada PREACHER, de tom mais
denso e carregada. Surge então a quarta faixa, SOLDIERS OF HELL e o que temos a partir daqui é a confirmação de
que esta banda sem dúvida estava fadada ao sucesso dentro do circuito do som
pesado, pois é simplesmente impossível não se empolgar como o andamento
frenético das guitarras alinhadíssimas de Rolf
e Preacher, principalmente do meio
para o fim da faixa, onde o solo baseado em notas que passeiam em apenas três
escalas arrancam berros de satisfação dos fãs. A sequência com DIABOLIC FORCE funciona como uma súmula
da fórmula adotada na faixa anterior, sendo que o solo localizado na parte
final traz a tona o mesmo sentimento. Tratam-se dos nove minutos de mais
respeito de todo o álbum.
O trabalho da cozinha, muito bem executado desde o início do
disco, continua a mostrar sua força durante ADRIAN S.O.S., composição que daria nome à mascote do grupo, o
famigerado e cruel chacal Adrian. GENGHIS KHAN trabalha uma linha mais
tradicional da banda, com grande semelhança entre a faixa e os trabalhos mais
antigos do IRON MAIDEN, mostrando de
onde vêm suas influências. Embora a parte poderosa do LP esteja concentrada no
meio, é no fim do túnel que vemos o maior destaque do disco, para muitos a
faixa de maior destaque de toda a banda: PRISIONERS
OF OUR TIME, que, embalada por uma pegada vibrante convida o ouvinte a
cantar junto o refrão, enquanto enche o espirito de vigor ao seguir a
dobradinha estupenda das guitarras. Não, não se trata de uma mera faixa que
encerra um magnífico trabalho, muito menos daquela que mostra o poder de
execução do RUNNING WILD, mas sim da
afirmação de um objetivo, o retrato de uma geração, a constante busca por um
sonho que tanto em Kasparek quanto
nos fãs da musica pesada jamais morrerá.
Embalado por uma capa que traz um sujeito coberto de couro e
tachinhas aparentemente profanando os portões sagrados do paraíso, sob uma
chuva de faíscas produzidas por um enorme maçarico, o disco com letras
diabólicas e sonoridade suja estava totalmente à contra mão do que o próprio
underground estava propondo na primeira metade dos anos oitenta. Vale lembrar
que esta época foi o apogeu do movimento Thrash Metal em todo o mundo que,
enquanto via o METALLICA e toda a Bay
Area despontarem como o grande expoente dessa revolução sonora, fazia surgir
representantes desse gênero nos quatro cantos do globo, inclusive na própria
Alemanha, com as agressivas bandas KREATOR,
SODOM e DESTRUCTION representando esta novidade do som pesado, só para
citar as mais famosas. Lançar um trabalho fora desses padrões, ainda mais
amparado pela ideologia disseminada pelo repulsivo VENOM alguns anos antes poderia significar o fim precoce de
qualquer possibilidade de sucesso na era das guerras nucleares e problemas
sociais, mas para sujeitos obstinados tudo isso faz parte do desafio. O que fez
a banda não só se firmar no concorrido cenário da musica como também se tornar
uma referencia entre os apreciadores do Heavy Metal foi sua convicção de que algo
revolucionário poderia ser feito naquele meio em que tudo era novo, portanto,
passível de espaço para quem fosse verdadeiramente criativo. Tal afirmação caiu
como uma luva para a própria banda, anos depois.
Na época do primeiro lançamento, foi colocada em pauta a
ideia de incluir as faixas contidas no EP VICTIM
OF STATES POWER, contudo as mesmas por um estranho motivo foram censuradas.
As canções SATAN e WALPURGIS NIGHT só foram inclusas como
faixas bônus no lançamento em CD do disco, ocorrido em 1988. Na época do
lançamento em vinil, tal obra pegou a todos de surpresa, pois nos dois
primeiros meses vendeu mais de vinte mil cópias, superando qualquer
expectativa. Tal reflexo cruzou os mares do Atlântico, chegando até aqui, no
Brasil, através do lançamento caseiro do vinil pela Woodstock Discos. A turnê
que seguiu o debut foi marcada por
apresentações inflamadas, assolando as cidades alemãs por onde a banda passou.
Não por menos o RUNNING WILD ostenta
uma das pontas da famosa trinca do Speed Metal alemão, composta pelos conterrâneos
do RAGE e do GRAVE DIGGER.
Pra mim esse trabalho tem um toque muito especial. Apesar de
não considera-lo Black Metal, mesmo com a temática explicita, este foi o
primeiro álbum com uma sonoridade um pouco mais “pesada” que obtive, abrindo as
portas da minha coleção para algo mais sujo e, por que não, extremo. Quebrou-se
ai um paradigma.
Fica o exemplo de uma formação determinada, centrada na
realização de seus objetivos e focada no resultado, obtido através de anos de
luta e trabalho duro. Não sei dizer-lhes até onde a sorte influenciou Kasparek e companhia em sua caminhada
rumo aos shows aclamados e aos festivais lotados, mas é incontestável que neste
caso o empenho e a dedicação fizeram um sonho tornar-se realidade.
É só fechar a tampa e dar o play. |
Escrito em 16 de Junho de 2013, com início às 17hrs. e
29min.
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