domingo, 15 de dezembro de 2013

Gates To Purgatory - Running Wild

O primeiro disco da tradicional banda alemã Running Wild
Até onde as pessoas vão por um sonho? Você, que neste momento lê essas linhas já se perguntou se alguma vez na sua vida valeu a pena desistir de algo que acredita? Procurou, mesmo que com unhas e dentes, se apegar a algo ou a alguma circunstância não por teimosia, nem por esperança de que esse algo pudesse em determinado momento dar certo, mas por convicção, certeza que de fato conseguiria realizar seu objetivo? Pois é, vai dia, vêm dia, e o que mais vejo por aí são pessoas que comentam sobre seus desejos, suas ambições, mas sempre com um toque de ironia, como ”ah, se eu pudesse” ou “quem sabe um dia...”. Talvez para muitos isso seja fato, pois é inegável que para a maioria o trabalho duro é recompensado com a realização de seus sonhos, porém é consenso que isso por si só não é garantia para torna-los realidade.
Quando tinha algo por volta de quinze anos, era totalmente crente que só o trabalho duro iria me trazer o sucesso, assim como via acontecer com meu pai. Os anos passaram e, junto como a inocente ilusão que tinha sobre o conceito de trabalho/ objetivo a vida trouxe-me uma nova realidade, a de que, muito mais que esforço e competência, o indivíduo precisa de sorte para chegar ao sucesso, do contrário dificilmente deixará a condição de promissor. Meu pai tinha a competência, e até teve a sorte de tocar adiante seus sonhos, mas o tempo mostrou-me que meu velho estava longe do sucesso que acreditava possuir. Tal circunstância foi um choque, se comparado com o ponto de vista do mundo que adotava até então. Contudo, esta é minha visão atual de como as coisas funcionam. Por não ser uma verdade absoluta, ela pode mudar com o passar dos mesmos anos, ficando apenas a experiência que se obtêm delas, essas sim, imutáveis.
O ponto em questão da discussão está apoiado ao fator da crença, isto é, o quanto alguém pode acreditar em seus objetivos e fazer todo o possível para concretizá-los. Existem aqueles que estão bem encaminhados, focados em suas ambições e acumulando experiência para superar obstáculos cada vez mais difíceis. Existem também aqueles que estão começando a tocar seus projetos, visando atingir resultados cada vez mais relevantes e abrangentes, numa jornada aparentemente interminável. E por último, é possível acompanhar aqueles que já desistiram, seja por perda de interesse, por inicialização de novos projetos ou por falta de sorte. Quem sabe até mesmo de capacidade de acreditar em seus próprios sonhos, vai saber. Para os obstinados isto é o que os move, levando-os em uma jornada sob caminhos desconhecidos, porém embalados por passos firmes.
Por volta da segunda metade da década de setenta, na cidade alemã de Hamburgo, localizada ao norte do país, um grupo de característica peculiar e praticante de um rock visceral mobilizava uma pequena cena em torno de suas apresentações. O GRANITE HEARTS, como era conhecido o conjunto, enchia suas apresentações com bastante empolgação, ainda que os apreciadores daqueles ensaios mal amparados estivessem pouco preocupados com o desempenho do grupo. Passaram-se alguns anos e, sob os olhares estupefatos dos integrantes da banda, um álbum que mexeu com a cabeça da geração metalhead, o aclamado UNLEASHED IN THE EAST do grupo britânico JUDAS PRIEST gerou uma mudança drástica nos contornos musicais adotados pelo conjunto até então. O impacto de tal lançamento foi tamanho na cena do som pesado que não só a sonoridade apresentada pelo álbum ao vivo trouxe mudanças no universo do Heavy Metal, mas o titulo das faixas, que empregavam grande energia e significado para aquela geração foi o estopim para o batismo de muitas bandas espalhadas pelo mundo, algumas delas bem famosas no cenário da musica pesada, como o EXCITER do Canadá, o germânico SINNER entre outras. Isso fez com que os jovens de Hamburgo não pensassem duas vezes em alterar o estranho nome da banda para algo que fizesse mais sentido ao universo do qual faziam parte. Criou-se então o legado do RUNNING WILD, em 1979.
Adotando nova postura, que ia de encontro a algo mais veloz e agressivo (se foi influência do novo nome ou não quem pode dizer?) o conjunto alemão foi ganhando notoriedade com o passar do tempo, participando de shows cada vez mais empolgantes.
O inicio dos anos oitenta mostraram uma banda mais madura, que mesmo com as constantes alterações de formação mantinha um nível acima da média. Tal consistência é creditada ao líder do grupo, Rolf Kasparek, membro fundador do conjunto e integrante da banda desde seu surgimento. Com incrível talento para tocar instrumentos, em especial a guitarra, e dotado de grande potencial para criar canções, Rock ‘N’ Rolf (como ficaria mundialmente conhecido anos depois) ditava os rumos da banda, tratando sua empreitada sonora com extrema seriedade, executando os solos de guitarra durante os shows além de acumular a função de vocalista. O resultado das apresentações inflamadas nas casas de shows germânicas e nas demos que lançara durante os anos seguintes alçou a banda para um patamar acima das demais, fazendo do grupo uma grande promessa do metal alemão. Foi em 1983 que, em parceria com os demais integrantes do conjunto, sendo eles o segundo guitarrista Preacher (Gerald Warnecke), o baixista Stephan (Stephan Boriss) e o companheiro desde a época que a banda ainda atendia pelo primeiro nome, o baterista Hasche (Wolfgang Hagemann) o engajado quarteto integrou um Split lançado pela Noise Records, intitulado ROCK FROM HELL – GERMAN METAL ATTACK ao lado de outras grandes promessas da cena alemã: RATED X, RAILWAY, IRON FORCE, S.A.D.O. e GRAVE DIGGER. Incluindo as faixas ADRIAN e CHAINS & LEATHER, o destaque obtido por tal lançamento impulsionou ainda mais o grupo, que a partir dai começou a mostrar seu talento fora das fronteiras de sua terra natal. Mas Rock ‘N’ Rolf queria mais. Queria não só marcar presença nos palcos com suas apresentações, mas estar constantemente envolvido com a musica que compunha e divulgava. Através de um lançamento custeado pelo próprio grupo, a hoje raríssima demo HEAVY METAL LIKE A HAMMERBLOW, uma segunda e igualmente rara coletânea, batizada pela Noise como DEATH METAL trazia um pouco mais de audácia por parte dos jovens, dessa vez atacando com as composições IRON HEADS e BONES TO ASHES. Abrindo o material que foi gravado no estúdio Caet em Berlim entre os meses de Fevereiro e Março de 1984 e lançado logo em seguida, as duas faixas de propriedade da banda mostravam um maior amadurecimento dos integrantes, fato que foi comprovado logo após assinarem com a subsidiária da Modern Music para o lançamento de seu primeiro full lenght. Vale destacar que as bandas DARK AVENGER, HELLHAMMER e HELLOWEEN que dividiram o espaço da coletânea com o RUNNING WILD também foram agraciadas com a mesma oportunidade. Como discutido no inicio deste texto, Kasparek estava disposto a tornar seu sonho realidade, não medindo esforços para chegar a seu objetivo.
Retornando para a agitada Berlim em Junho daquele mesmo ano e amparados por Horst Müller que ficou encarregado apenas de registrar a película, a própria banda produziu o álbum, que contou com a experiência adquirida por Kasparek desde os primórdios do grupo. O resultado foi satisfatório e um dia após o Natal de oitenta e quatro foi enfim possível acompanhar o conteúdo do disco, que não decepcionou um instante sequer.
O disco com o encarte aberto.
Dificilmente o fã de Heavy Metal ficará parado ao escutar a primeira faixa da bolacha, que após um curto lance de palhetadas sob um som abafado é surpreendido pelo grito rápido e estridente de Rolf. É o início da sequência matadora que estaria estampada ao longo dos pouco mais de trinta minutos que cercam o trabalho nomeado como GATES TO PURGATORY. A faixa em questão, VICTIM OF STATES POWER, escrita e composta por Gerald Warnecke, traz muito mais do que o simples Heavy/ Speed Metal habitual das bandas alemãs, pois continha uma linha tênue que a deixava um tanto próxima das bandas Doom Metal, além, é claro, da temática satânica adotada pelo conjunto. Esse primeiro lançamento está permeado por essa escrita voltada ao ocultismo, fazendo com que a banda acumulasse seguidores desse gênero no início. A segunda faixa, BLACK DEMON, composta por Kasparek traz a mesma linha abordada pela primeira, fazendo o pique do disco continuar em alta, sendo seguida pela cadenciada PREACHER, de tom mais denso e carregada. Surge então a quarta faixa, SOLDIERS OF HELL e o que temos a partir daqui é a confirmação de que esta banda sem dúvida estava fadada ao sucesso dentro do circuito do som pesado, pois é simplesmente impossível não se empolgar como o andamento frenético das guitarras alinhadíssimas de Rolf e Preacher, principalmente do meio para o fim da faixa, onde o solo baseado em notas que passeiam em apenas três escalas arrancam berros de satisfação dos fãs. A sequência com DIABOLIC FORCE funciona como uma súmula da fórmula adotada na faixa anterior, sendo que o solo localizado na parte final traz a tona o mesmo sentimento. Tratam-se dos nove minutos de mais respeito de todo o álbum.
O trabalho da cozinha, muito bem executado desde o início do disco, continua a mostrar sua força durante ADRIAN S.O.S., composição que daria nome à mascote do grupo, o famigerado e cruel chacal Adrian. GENGHIS KHAN trabalha uma linha mais tradicional da banda, com grande semelhança entre a faixa e os trabalhos mais antigos do IRON MAIDEN, mostrando de onde vêm suas influências. Embora a parte poderosa do LP esteja concentrada no meio, é no fim do túnel que vemos o maior destaque do disco, para muitos a faixa de maior destaque de toda a banda: PRISIONERS OF OUR TIME, que, embalada por uma pegada vibrante convida o ouvinte a cantar junto o refrão, enquanto enche o espirito de vigor ao seguir a dobradinha estupenda das guitarras. Não, não se trata de uma mera faixa que encerra um magnífico trabalho, muito menos daquela que mostra o poder de execução do RUNNING WILD, mas sim da afirmação de um objetivo, o retrato de uma geração, a constante busca por um sonho que tanto em Kasparek quanto nos fãs da musica pesada jamais morrerá.
Embalado por uma capa que traz um sujeito coberto de couro e tachinhas aparentemente profanando os portões sagrados do paraíso, sob uma chuva de faíscas produzidas por um enorme maçarico, o disco com letras diabólicas e sonoridade suja estava totalmente à contra mão do que o próprio underground estava propondo na primeira metade dos anos oitenta. Vale lembrar que esta época foi o apogeu do movimento Thrash Metal em todo o mundo que, enquanto via o METALLICA e toda a Bay Area despontarem como o grande expoente dessa revolução sonora, fazia surgir representantes desse gênero nos quatro cantos do globo, inclusive na própria Alemanha, com as agressivas bandas KREATOR, SODOM e DESTRUCTION representando esta novidade do som pesado, só para citar as mais famosas. Lançar um trabalho fora desses padrões, ainda mais amparado pela ideologia disseminada pelo repulsivo VENOM alguns anos antes poderia significar o fim precoce de qualquer possibilidade de sucesso na era das guerras nucleares e problemas sociais, mas para sujeitos obstinados tudo isso faz parte do desafio. O que fez a banda não só se firmar no concorrido cenário da musica como também se tornar uma referencia entre os apreciadores do Heavy Metal foi sua convicção de que algo revolucionário poderia ser feito naquele meio em que tudo era novo, portanto, passível de espaço para quem fosse verdadeiramente criativo. Tal afirmação caiu como uma luva para a própria banda, anos depois.
Na época do primeiro lançamento, foi colocada em pauta a ideia de incluir as faixas contidas no EP VICTIM OF STATES POWER, contudo as mesmas por um estranho motivo foram censuradas. As canções SATAN e WALPURGIS NIGHT só foram inclusas como faixas bônus no lançamento em CD do disco, ocorrido em 1988. Na época do lançamento em vinil, tal obra pegou a todos de surpresa, pois nos dois primeiros meses vendeu mais de vinte mil cópias, superando qualquer expectativa. Tal reflexo cruzou os mares do Atlântico, chegando até aqui, no Brasil, através do lançamento caseiro do vinil pela Woodstock Discos. A turnê que seguiu o debut foi marcada por apresentações inflamadas, assolando as cidades alemãs por onde a banda passou. Não por menos o RUNNING WILD ostenta uma das pontas da famosa trinca do Speed Metal alemão, composta pelos conterrâneos do RAGE e do GRAVE DIGGER.
Pra mim esse trabalho tem um toque muito especial. Apesar de não considera-lo Black Metal, mesmo com a temática explicita, este foi o primeiro álbum com uma sonoridade um pouco mais “pesada” que obtive, abrindo as portas da minha coleção para algo mais sujo e, por que não, extremo. Quebrou-se ai um paradigma.
Fica o exemplo de uma formação determinada, centrada na realização de seus objetivos e focada no resultado, obtido através de anos de luta e trabalho duro. Não sei dizer-lhes até onde a sorte influenciou Kasparek e companhia em sua caminhada rumo aos shows aclamados e aos festivais lotados, mas é incontestável que neste caso o empenho e a dedicação fizeram um sonho tornar-se realidade.
É só fechar a tampa e dar o play.
Escrito em 16 de Junho de 2013, com início às 17hrs. e 29min.

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