domingo, 9 de março de 2014

Feel The Fire - Overkill

O primeiro disco da banda de Thrash Metal novaiorquina Overkill, intitulado Feel The Fire, foi lançado em 15 de abril de 1985 e de imediato chamou a atenção por apresentar uma base mista entre o Heavy Metal Tradicional e o Punk Rock dos anos setenta.
Quem já teve a oportunidade de conhecer Nova Iorque, a cidade mais populosa dos Estados Unidos e dona de um dos centros mais abrangentes da terra (tanto em aspectos econômicos quanto tecnológicos, educacionais, comerciais e sociais), sabe bem que a rotina incessante propagada por esta megalópole (nome que se dá as grandes concentrações metropolitanas) engloba proporções imensas, sendo este um palco para diversas tendências espalhadas pelo globo. Não é de hoje que este centro costeiro possui considerável influência nas mais diversas áreas culturais do continente americano, sendo abraçada como fonte não só da economia, como também da política e do entretenimento em geral (basta comparar os planos de infraestrutura, investimento e renda gerados pelas suas milhares de atrações com qualquer outra do planeta para ter uma ideia da dimensão que é sua existência). Sob um olhar de domínio e prosperidade, as famosas Bolsa de Valores, a Estátua da Liberdade, os teatros da Broadway, os grandes centros urbanos como a Chinatown (maior reduto do mundo de chineses fora da própria China), o Brooklyn e Manhattan, o Central Park, a Times Squares e seu indubitável lema de propagar a informação vinte e quatro horas por dia e tantas outras atrações ostentam toda a glória do poder americano, onde até mesmo decisões de caráter mundial são tomadas em seu solo (a sede da ONU fica lá). Não por menos o local ficou conhecido como a “capital cultural do mundo”.
Ainda que possam ser gastas tantas linhas quanto esta abordagem puder agregar, Nova Iorque surpreendeu a cena do musical durante a primeira metade dos anos oitenta e não, não foi por causa das seminais bandas Punk que permeavam o lugar (RAMONES, DEAD BOYS, os veteranos Iggy Pop e o grupo BLONDIE só para citar alguns), mas por uma cria delas, que mostrou ao mundo que o recém-nascido movimento thrash também possuía vida fora das fronteiras californianas.
Era 1983 quando o grupo de Nova Jersey OVERKILL já arrancava gritos de histeria a partir de sua recém-lançada demo, intitulada POWER FROM BLACK – de onde a Megaforce mais que ligeiramente tratou de destacar a faixa DEATH RIDER e colocá-la na sua já manjada coletânea METAL MASSACRE - quando, passado pouco mais de um ano e meio de tal lançamento e a pedido da mesma gravadora os quatro garotos que compunham a banda entraram em estúdio para a gravação de seu primeiro full lenght e, quem sabe, conseguir algo mais.
Em se tratando de um debut, a banda obteve excelente resposta da mídia e dos fãs, fato que se comprovava com as casas de shows lotadas e platéia sempre insana.
Voltando um pouco no tempo, percebe-se que o conjunto passou por várias mudanças até chegar ao estado atual, sendo que a formação inicial primava por uma sonoridade totalmente orientada para o Punk Rock, com as famosas linhas de três acordes e a destrutiva presença de palco. O momento, no entanto, não durou muito, e ainda em 1980 o grupo se desfez deixado nas mãos dos integrantes Carlo D. D. Verni e “Rat” Skates, respectivamente baixista e baterista da banda. Sendo assim, já envolvidos por uma nova visão musical, os jovens trataram de reorganizar as ideias, começando pelo recrutamento do guitarrista Robert “Riff Thunder” Pisarek que trouxe o nome OVERKILL para a banda. No entanto, Pisarek não se firmou, sendo substituído pela dupla Anthony Ammendolo e Dan Spitz. Anthony sairia ainda em 1981, enquanto Dan permaneceria um pouco mais. Após sua departida, Dan conseguiu fazer uma carreira de sucesso tocando ao lado do ANTHRAX, grupo de Thrash Metal também de Nova Iorque. No posto de Ammendolo foi convocado Rich Conte, que a esta altura ajudou a executar boa parte do material que seria lançado no primeiro disco do grupo, visto que antes desse período a banda primava em tocar covers de grupos que iam do Metal tradicional ao Punk Rock, só que de uma forma um pouco mais acelerada.
De forma definitiva, o guitarrista Bobby Gustafson foi incumbido de segurar as seis cordas assim que Dan e Rich saíram, enquanto o já notório vocalista Bobby “Blitz” Ellsworth tomava conta dos vocais, demonstrando uma técnica que ia do rasgado ao grave com facilidade. Chegando em 1983, quando o conjunto lançou a demo POWER IN BLACK, o tape com pouco mais de quinze minutos trazia na quarta faixa a canção DEATH RIDER, e a história novamente faz uma ponte com o lançamento do disco de estreia do quarteto.
Adorada por praticamente todos os fãs de Thrash Metal, a película apresentou ao mundo as faixas "Hammerhead", "There's No Tomorrow" e "Rotten To The Core", clássicos absolutos do gênero!
Talvez já tivessem ciência de seu potencial ou, mesmo que na sorte, conseguiram tirar leite de pedra, o fato é que após as seções de gravação no Pyramid Studios localizado na cidade natal da banda o produtor Carl Canedy e um sorridente Jon Zazula saíram com uma verdadeira pepita do heavy metal nas mãos. Chamado por FEEL THE FIRE a partir daquele 15 de Abril de 1985, o debut da banda apresentava uma força esmagadora, onde o baixo pungente de Carlo D.D. Verni segurava com extrema perfeição o espaço que a única guitarra do grupo, a cargo de Bobby Gustafson deixava por simples ausência de falsa modéstia. A bateria de “Rat” Skates dava um tom bastante original para as composições da película, trazendo aquele clima punkrock característico dos nova-iorquinos, enquanto a voz potente de Bobby “blitz” Ellsworth mostrava um poder de interpretação fora do comum, vide a faixa titulo com passagens que iam do visceral ao limpo e a sensacional SECOND SON. Num trabalho cuja coesão aparece com a precisão de um relógio suíço, fica difícil destacar uma ou outra faixa, mas convenhamos, ROTTEN TO THE CORE não deixa pedra sobre pedra! É um golpe sonoro fulminante, daqueles que arranca o indivíduo do chão em segundos e o coloca em total estado de êxtase (digo isto por experiência própria, pois vi a banda ao vivo e apesar de ter sido a segunda faixa do set list daquela noite, pude observar que alguns fãs alucinados simplesmente desfaleciam só com os primeiros acordes)! Sem comentários. THERE’S NO TOMORROW conta com uma velocidade fora dos padrões e uma cadência rítmica no meio de tirar o fôlego, enquanto que tocar HAMMERHEAD em casas lotadas é covardia pra quem estiver colado à grade de proteção, tamanho é o headbanging que a canção proporciona. A faixa de abertura do disco, RAISE THE DEAD, traz à tona aquele espírito das bandas de metal dos anos setenta, de quem o grupo sempre admitiu ser fã, enquanto BLOOD AND IRON é mais uma daquelas cujo instrumental possui tanto peso que é incrível ver como a própria banda resistiu a tano barulho e rodas de mosh nesses mais de trinta anos. KILL AT COMMAND cria uma tênue linha do que viria a ser trabalhado nos álbuns posteriores, enquanto OVERKILL conta uma história metafórica da criação e do destino do grupo em si – história esta contada em outros quatro capítulos no decorrer dos anos. Para encerrar, o cover de SONIC REDUCER, dos DEAD BOYS coroa esta irrepreensível gema, dotada de todo vigor e espírito do Thrash Metal de 1980 e mostrando também o respeito que o OVERKILL levava em seu legado, além dos apelidos dos integrantes (amplamente influenciados pelas bandas Punk do seu cenário). Conhecida primeiramente como o projeto de Punk Rock THE LUBRICANTS para, posteriormente, adotar o nome de VIRGIN KILLER e finalmente assimilar a obra do MOTÖRHEAD como marca de batismo, a ex-banda de Dan Spitz enfim dava sua arrancada no cenário musical da cena fora de Nova Iorque, deixando multidões mundo afora surpresas com suas apresentações cheias de sarcasmo, palavrões e gestos obscenos. Embora tenha sido concebida de forma rebelde, agressiva e até de certo ponto grosseira (até nisso se assemelha com seus tutores), a banda ainda é significativa na cena atual e este registro de estúdio possui um grande valor não só para muitos grupos espalhados pelo globo como para quem vos escreve (foi simplesmente meu primeiro álbum de Thrash Metal) e, principalmente, para o incansável vocalista, Bobby, que durante uma entrevista para a revista Road Crew (edição de Junho de 2012) falou, sem rodeios: “Certa vez, alguém me perguntou qual foi o álbum que escutei e que mudou minha vida e eu respondi FEEL THE FIRE, pois, em um momento eu estava trabalhando em uma empresa de meio expediente e na outra metade do dia ensaiava com a banda (...). Logo em seguida, estava em um estúdio gravando um álbum e depois voando para a Europa para fazer shows. Então, esse álbum mudou minha vida totalmente. Por isso é um álbum especial!”. Palavras de quem admite gostar do que faz e não sente um pingo de vergonha por isso...
A produção e distribuição do disco, realizadas à cargo da Megaforce Records, ajudou a banda a se destacar no cenário, sendo rapidamente alçada para o posto de destaque no meio da música pesada.
É, se depender do OVERKILL e de tudo que aqui foi abordado, Nova Iorque tem tudo para continuar sendo este importante polo cultural do nosso planeta por muitos e muitos anos, mantendo sempre a chama da velha iniciativa acesa, servindo de exemplo para as gerações posteriores. Que a banda continue próspera como sua cidade natal, este é um pedido sincero de um mero fã.


Escrito em 30 de março de 2013 com início às 22hrs. e 44min.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Apocalyptic Raids - Hellhammer

O EP Apocalyptic Raids da banda suíça HellHammer foi lançado no ano de 1984 pela gravadora alemã Noise Records. Foi gravado entre os dias 2 e 7 de março daquele ano no Caet Studio em Berlim.
Nos dias de hoje, com todo o avanço tecnológico e os constantes desenvolvimentos realizados nas mais diversas áreas sociais (científica, histórica e humana), o ser humano progride triunfante, voltando cada vez mais seu olhar para o futuro. O que já havia sido realizado pelos nossos antepassados há milhares de anos, como a manipulação do fogo, a criação de armas para autodefesa, o surgimento do senso de coletividade para a preservação da espécie, e as muitas outras formas de progresso no campo da sobrevivência, tornou-se cada vez mais acentuado no indivíduo a necessidade de compreender (leia-se por conquistar) tanto o mundo que conhecia, como também o que ainda carecia ser desvendado. Foi assim na época das grandes navegações, durante o ressurgimento do pensamento questionador e filosófico no período renascentista, culminando na instauração da democracia em muitas nações pelo mundo. No início da segunda metade do século XX, sob a trilha deixada pelas guerras que envolveram praticamente todas as nações do globo (culminando no monopólio político do capitalismo e do socialismo), o mundo acompanhou de perto aquele que seria o passo mais importante da humanidade sob o domínio do desconhecido: a conquista da lua. A partir daquele ano de 1969, sob os primeiros passos do astronauta americano e tripulante da Apollo 11 Neil Armstrong, o ser humano rumava para caminhos cada vez mais desconhecidos, buscando sempre conquistar tudo que sua imaginação poderia alcançar; o espaço, neste caso, tornava-se um plano finito, passível de ser até mesmo mapeado e explorado pelas gerações futuras, como bem descreveriam as palavras proferidas por Armstrong sob o solo lunar: ”Um pequeno passo para um homem, um grande passo para a humanidade.”.
No meio musical, assim como no espaço recém-desvendado pela expedição americana, os limites se mostram muito mais abrangentes do que o meramente especulado pelos primeiros estudiosos. Os conceitos de técnica, criatividade e de contexto permitiram as diversas gerações que sucederam os pioneiros do rock das décadas de cinquenta e sessenta desfrutarem de um prolífico cenário, cuja moldura estendia-se cada vez mais para um plano horizontal, à medida que as obras de diversos gênios da arte sonora exprimiam seus objetivos e as colocava a crítica do público, onde o vinil agia como tela e a mídia a galeria de exposição.
Obviamente, mesmo em um estilo tão ricamente fundamentado e propenso de grande capacidade criativa, o heavy metal ainda encontraria seus “copiadores” – os falsários da arte. Num ambiente onde os pioneiros BLACK SABBATH e JUDAS PRIEST trariam ao mundo uma nova dinâmica para o rock, já bem representada por outros nomes que, se não tinham tanto peso e velocidade em suas músicas compensavam com talento e dedicação ímpar – LED ZEPPELIN, DEEP PURPLE, URIAH HEEP, AC/DC e tantos outros expoentes do hard rock dos anos setenta – o início dos anos oitenta veria o surgimento de outras grandes potências do som pesado. Apadrinhados pelo sentimento de orgulho e atitude herdados pelos exemplos dados acima e do sempre influente MOTÖRHEAD, bandas como o hoje mundialmente famoso IRON MAIDEN mantinham acesa a chama da arte do som como um todo, seguida de perto por outros grupos de igual talento, porém sem tanta sorte: ANGEL WITCH, RAVEN, SAXON, DIAMOND HEAD... Enfim, o refugo do mainstream, a NWOBHM. Parecia-se que naquele início de anos oitenta, qualquer grupo que tivesse na linha de frente um par de cabeludos que, ao chacoalhar as cabeças incessantemente enquanto proferiam palavras de liberdade e postura proativa (vazias ou não), podia-se ter ali uma banda em potencial, onde os frutos poderiam ser colhidos a curto ou médio prazo. Uma entidade musical que sem dúvidas quebrou todo esse paradigma foi o famigerado VENOM. Fruto da discórdia gerada sob todo aquele cenário de prosperidade criativa, o trio de Newcastle prezava por apresentar-se mergulhado em couro, tachinhas, rebites e muito gelo seco e pirotecnia. Não bastasse isso, ainda era amparado pelas letras blasfemas e satânicas, tudo embasado pela filosofia suja e mórbida do “quanto mais podre melhor”.
Após mudar o nome de Hammerhead para Hellhammer, o trio composto por Satanic Slaugher, Slayed Necros e Denial Fiend procurou aprimorar sua sonoridade, ainda que ela viesse calcada o som do Venom.
Parecia que o VENOM seria o único grupo a tocar o barco contra a maré, navegando pelas águas errantes do curso contrário de seus conterrâneos. Contudo, não só a decisão de seguir em frente com o pensamento arrogante e totalitário de empurrar goela abaixo do público sua grotesca premissa sob notas desafinadas e ríspidas, o grupo ainda conseguiu influenciar expoentes de uma nova vertente musical, ávida em explorar ainda mais o cenário já muito garimpado pelos veteranos. O curso da história mostraria uma vez mais que era perfeitamente possível encontrar ouro no vale perdido do som pesado, contribuindo para definir na costa oeste americana um novo gênero que posteriormente o mundo inteiro abraçaria: o Thrash Metal.
Ainda que as sementes plantadas pelo VENOM houvessem germinado nas camadas mais prolíferas do Thrash Metal, sob vista grossa de grupos como o METALLICA, EXODUS e o mais fiel de seus seguidores, o SLAYER, foi um pouco mais abaixo, mais precisamente no estado da Flórida, que o seu culto atingiu o estágio mais desenvolvido. O Death Metal praticado por bandas revolucionárias como o POSSESSED, DEATH e MORBID ANGEL encantava os jovens que cresceram às margens da Disco Music, enquanto esta embalava as massas num ritmo que ainda hoje gera arrepios nos metalheads mais velhos.
Enquanto o Death Metal é, sem sombra de dúvidas, a vertente mais diversificada do som extremo, vindo inclusive a ser visto andando de mãos dadas com a modernidade (SLIPKNOT que o diga), outra raiz seca deixada pelos desdenhados britânicos foi o Black Metal. Assumido, por assim dizer, como a obra-prima do VENOM, o estilo musical que unia a revolta do Punk Rock com a hipocrisia da sociedade moderna, misturado milhares de vezes ao tilintar das cordas distorcidas da guitarra e do baixo e dotado de identidade satânica, a sonoridade extrema atingida por tal plano musical atacava de todos os lados, não dando chances para os ouvintes desavisados. Ainda que houvesse ali uma força fora do comum, que certamente poderia criar novos paradigmas para o já conceitual Heavy Metal, a mesma carecia de cuidados técnicos para não morrer na praia. Mais ainda, naqueles saudosos anos oitenta, o recém-criado estilo necessitava de representantes que, se não tinham talento para satisfazer todas as exigências que um novo gênero possui, pelo menos poderia estar ali presente, ocupando um lugar que mais tarde traria algum respaldo. Se, é claro, sobrevivessem às duras críticas para ver este dia chegar.
A versão em CD do disco foi lançada em 1990 com a adição do termo A.D. no título, além de duas faixas bônus.
É de se impressionar a ideia de que um vilarejo de pouco mais de três mil habitantes, localizado em Nuresdorf (uma vila rural aos arredores de Zurique, na Suíça) tenha lançado ao mundo um desses corajosos representantes do som extremo. Bem antes da criação do VENOM atingir as camadas sulistas dos Estados Unidos, trazendo à tona toda a cena Death Metal americana, o HELLHAMMER já seguia a trilha pioneira de Cronos e companhia sem, contudo, sentir orgulho daquele “pequeno passo do homem”.
Como mímicos, os jovens Thomas Gabriel Fischer (nome verdadeiro de Satanic Slaugher), Martin Eric Ain (que atendia na banda por Slayed Necros) e Bruce Day (intitulado Denial Fiend) executavam dolorosamente, nota por nota, as composições já erráticas do VENOM, contudo, uma casa abaixo, fazendo do som de seus instrumentos algo exclusivo; único. Mesmo sendo criado como uma cópia, o HELLHAMMER se dava ao luxo de executar algo mais brutal ainda, batendo com a caneca as grades do metal extremo, porém ainda enjaulado pela falta de técnica. A pobreza na capacidade de execução do trio era notória, ainda mais se postos ao lado de outras bandas da mesma época, como aconteceu quando a gravadora Noise Records lançou, em 1984, a coletânea DEATH METAL, incluindo composições do grupo com a dos alemães do RUNNING WILD e HELLOWEEN.
Ainda assim, no mesmo ano, os rapazes entraram no Caet Studio em Berlim e gravaram, entre os dias 2 e 7 de Março aquilo que seria o marco da banda dentro do cenário musical. Produzido por Tom G. Fisher e Martin E. Ain, a Noise apresentava o EP APOCALYPTIC RAIDS, uma peça que demonstrava um pouco mais de qualidade em relação às diversas demos lançadas pelo grupo desde sua fundação, em 1982, quando ainda atendiam pelo nome de HAMMERHEAD. A grande descoberta do trio repousava no encanto que a dedicação dos rapazes propunha, sendo que, se na época canções como THE THIRD OF THE STORMS (EVOKED DAMNATION), REVELATIONS OF DOOM e MASSACRA apresentavam letras fantasiosas e simplórias, amparadas por um instrumental carente e pífio, bastaram apenas alguns anos para que a geração seguinte, em busca de inspiração para suas ambições, encontrasse nessa dedicação algo para agarrarem-se com fervor.
Muitas foram as bandas que, embaladas pelas notas pesadas e velozes – ainda que fora de tempo – das composições TRIUMPH OF DEATH e MESSIAH criaram seu próprio universo de metal extremo, lançando ao mundo a novidade que buscaram a partir desta pequena descoberta europeia.
Mas os gritos, lamentos e súplicas contidos neste desempenho de pouco mais de vinte e cinco minutos duraram pouco. Desejando atender às necessidades criativas cada vez mais evidentes nas suas cabeças, Warrior e Ain dissolveram a banda, alguns meses depois. Se os “copiadores de gênero” no início davam o sangue para provar que aquele arremedo de banda seria a mais perfeita réplica dos depravados de Newcastle, o próprio contexto histórico faria lembrar que, neste mundo poucos criam algo, mas cabe a todo o resto tornar tudo palpável, digno de reconhecimento. A obra do HELLHAMMER serviu como patamar para um plano maior, mais abrangente, que ainda não estava pronto para germinar no mundo de trinta anos atrás.
Aproveitando a leva de novas bandas extremas que surgiram no início dos anos noventa (principalmente na Noruega), o material deste histórico EP foi relançado atribuindo a extensão A.D. 1990. Além das quatro faixas regulares, esta versão contém uma nova arte de capa, desenvolvida por José Posada, e as já comentadas REVELATIONS OF DOOM e MESSIAH, que deram um pouco mais de gás a esse disco. Vale destacar que o disco foi lançado uma terceira vez, em 1999, voltando a contar com a arte de capa original.
O disco tornou-se um marco no gênero extremo, sendo apontado como o pioneiro do Death Metal em todo o mundo, além de definir bases para o Black Metal em geral.

Não restam dúvidas que o ser humano ainda vai continuar com sua eterna busca da compreensão total do meio em que vive, procurando soluções cada vez mais práticas para resolver suas necessidades. Enquanto ele avança no seu critério evolutivo, muito do que é deixado para trás necessita ser reavaliado, revisto. Bom para nós mesmos, que temos a oportunidade de, mais uma vez, trabalhar no que já foi demostrado, porém pouco discutido ou ignorado. Grandes ideais surgem a parir deste ponto, como o próprio HELLHAMMER, que ao deixar de existir proporcionou a seus integrantes uma nova perspectiva, que refletiria claramente na sua próxima empreitada, ainda em 1984. Mas essa é outra história, que o ser humano que estiver lendo isso vai ter que segurar o ímpeto evolutivo e aguardar mais um pouco...

Mesmo com uma qualidade técnica baixa e uma gravação precária, o álbum é bastante apreciado até os dias de hoje.

Escrito em 26 de Maio de 2013, com início às 20hrs. e 03min.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Breaker - Accept

O terceiro disco da banda de Heavy Metal alemã Accept, Breaker, foi lançado em 16 de março de 1982. É responsável por mostrar um novo direcionamento do conjunto.
Durante as revoluções globais que assolavam o cotidiano do planeta em suas diversas vertentes por volta dos anos trinta (social e econômica, principalmente), Adolf Hitler discursava para a juventude alemã, oprimida pela palavra de ordem já regida desde a Primeira Guerra Mundial pelos países dominantes europeus (ver os livros A Revolução Alemã 1890 a 1915 e O Último Verão Da Europa para mais detalhes) com o intuito de levantar o ânimo de sua população para uma eventual batalha em prol de seus interesses. Em sua postura firme, indubitável e amplamente convincente, o Führer domava multidões apenas com as suas palavras, fazendo do verbo sua mais mortífera arma. Contudo, mesmo se tivesse a oportunidade de ver o desfecho trágico de suas ações (digo, até o final, já que o mesmo cometera suicídio em 1945 justamente temendo ser capturado pelas tropas aliadas ao fim da Segunda Guerra Mundial), duvido que sentiria orgulho delas (para não desviar o foco não vamos aprofundar-nos no holocausto), pois sua pátria, juntamente com seu povo, viu os anos compreendidos entre o fim de 1940 a 1970 massacrarem todo aquele sentimento de união e luta que o mesmo propagara em suas inflamadas audiências. O país foi dividido em dois pelas nações vitoriosas, sendo uma parte capitalista e outra socialista, através da vergonhosa Cortina de Ferro (fisicamente representada por um muro de concreto conhecido pelos alemães como Mauer, com obras iniciadas em 13 de Agosto de 1961 que, num ato de total esquizofrenia geopolítica, separava a Alemanha em duas partes), cada qual propagando suas próprias leis de conduta, sustento e progresso, segundo seu regimento político.
Devido a grande massificação consumista elaborada pelos países aliados após a segunda guerra mundial, o “lado capitalista do muro” desenvolveu-se agregando as características socioculturais das nações de ampla ascensão econômica (França, EUA e reino Unido), sendo este um fator decisivo para o surgimento de movimentos sociais populares, que tinham como intuito propagar o crescimento da identidade alemã em relação ao resto do mundo. Sob um panorama geral, cada país possuía sua cultura, sua forma de expressão, sendo esta uma ferramenta particular para a prática da autoafirmação, a qual a Alemanha, mesmo desmembrada, não recusara. Durante os primeiros anos de 1980, com o enfraquecimento da Guerra Fria (isto é, se relacionarmos tal período ao de seu início, na segunda metade de 1940) a Alemanha passou a desenvolver com mais afinco seu lado cultural, contribuindo para resultados grandiosos ao fim desta mesma década, com a queda do muro de Berlim e a consolidação de uma única nação novamente.
Com foco nesta revolução que ocorreu há pouco mais de trinta anos, vale destacar o âmbito musical que germinava na Alemanha desde a primeira metade dos anos sessenta aos setenta, onde alguns nomes de bandas hoje mundialmente conhecidas (LUCIFER´S FRIEND, TANGERINE DREAM e SCORPIONS só para citar algumas) davam seus primeiros passos. A chegada dos anos oitenta apresentou para o mundo a explosão selvagem do Punk Rock e do Heavy Metal, e nesse cenário de ebulição sonora um grupo oriundo de Solingen, North Rhine-Westphalia (ao norte da Alemanha) buscava sua afirmação. O ACCEPT, que contava com dois álbuns de estúdio já lançados, algumas boas turnês sob o solo da própria pátria e uma semelhança incrível com o seminal AC/ DC (principalmente na postura) estava disposto a provar, desta vez em maior escala, seu propósito e suas ambições.
O disco foi gravado no Delta Studio em Wilster, ao norte da Alemanha, entre os meses de dezembro de 1981 e janeiro de 1982. Foi produzido por Dirk Steffens.
O disco de 1980, I’M A REBEL, mostrava uma mistura de Hard Rock com Heavy Metal que desembocava numa sonoridade crua, mas trabalhada, com direito a passagens criativas e empolgantes (vide as canções THUNDER AND LIGHTNING e SAVE US), o que deixava claro que a química do conjunto acabaria rendendo bons trabalhos mais adiante. Naquela época, o conjunto tinha nas notas precisas do guitarrista Wolf Hoffmann e no baixo seguro de Peter Baltes sua arma para empolgar as multidões, mas quem chamava mesmo a atenção era o vocalista Udo Dirkschneider. Vestido em um par de calças aparatadas com lantejoulas enquanto exibia de sua camisa florida semiaberta uma forma arredondada, Udo era uma verdadeira alegoria dos palcos, que compensava sua baixa estatura inflamando as apresentações da banda com seu característico vocal anasalado e sua cabeleira loura a altura dos ombros, que brilhava ao compasso das luzes dos holofotes. Era impossível resistir a tamanho chamariz, sendo que o conjunto passou a acumular certa fama com o passar do tempo graças a essa combinação, que trazia cada vez mais pessoas para as apresentações do quinteto. Com um contrato assinado com a gravadora alemã Brain Records em 1981, a banda tinha em sua pauta o lançamento de mais um trabalho inédito. Porém, os cinco jovens, que acompanhavam de perto o crescimento da cena do Heavy Metal britânico tinham em mente algo mais orientado ao peso e melodia das guitarras, enquanto a bateria passaria a ter mais destaque acompanhando a sonoridade ríspida e contendo os impulsos desnecessários, algo tido como normal nas bandas iniciantes. Tendo isto em mente, os rapazes rumaram para o norte de sua pátria, mais precisamente para o distrito de Wilster, tendo como ponto final o Delta Studio, comandados pelo produtor Dirk Steffens. Munidos de acompanhamento empresarial e apoio da gravadora, algo até então inédito para o conjunto, o final de 1981 foi bastante agitado para a banda, com trabalhos intensos envolvendo a gravação e a produção do material que constituiria o terceiro disco de inéditas do ACCEPT.
Recordado entre dezembro de 1981 e janeiro de 1982, o disco BREAKER foi lançado dos meses após os registros, no dia 16 de março daquele ano. O título, ideal para a proposta do álbum, trazia aquela sensação de poder que o grupo tanto esbanjava em suas apresentações, mostrando uma fúria singular. Com ampla divulgação em solo alemão, o trabalho repercutiu bem entre os países europeus, trazendo para o conjunto uma fama internacional nunca antes vista, incendiando ainda mais a empolgante cena do Metal germânico. Se há alguns anos antes o SCORPIONS abriria as portas para um cenário fértil que apresentava os domínios alemães (com direito a alguns grupos locais conseguindo destaque mundo afora com canções executadas em sua própria língua), o ACCEPT sem dúvida merece alguma fatia do bolo em contribuir para esse processo.
A banda ganhou grande destaque por consequência das composições do álbum, principalmente pela faixa título, a música starlight e a polêmica canção son of a bitch, que teve a letra censurada pela imprensa alemã.
O figurino dos rapazes, antes extravagante, dava espaço para algo mais despojado, onde os jeans velhos e as jaquetas de couro com patches amplamente vistas na NWOBHM começavam a dar às caras no figurino juvenil da banda, substituindo a androgenia vista no início do grupo, no final da década de setenta. Nesse ponto, as casas de shows pareciam ficar cada vez mais cheias, enquanto o apelo sexual de Hoffmann entre as garotas nunca foi tão evidente como naquela época. A banda estava começando a atingir o auge, e o sabor do sucesso parecia viciar cada vez mais os rapazes alemães.
A trinca que abre o disco é uma clara demonstração do poder contido nas composições da banda, onde o início viciante de STARLIGHT mostra um degrau escalado pelo grupo em relação ao disco anterior. Com compasso firme, riff vigoroso e refrão forte e marcante, o trabalho da dupla de guitarras esbanja bom gosto, principalmente ao beber da fonte do JUDAS PRIEST, como demonstrado em diversos momentos do vinil. A faixa título é uma ode ao Heavy Metal, onde a letra faz chacoalhar a cabeça de qualquer metalhead enquanto embala as melodias extremamente bem dosadas, numa simbiose perfeita entre ritmo e composição. RUN IF YOU CAN traz auqela característica já herdada de Angus e seus comparsas, dividindo a canção entre algo contagiante e agressivo. Passando pela balada CAN’T STAND THE NIGHT que esfria a temperatura do disco, a quinta faixa é uma verdadeira afronta ao comportamento moderado da sociedade conservadora. A lenda reza que em um belo dia um amigo da banda surgiu para fazer uma visita aos rapazes no estúdio acompanhado de sua namorada, a qual era fluente em inglês e conhecia muitas gírias, sendo estas uma novidade bem vinda para os sempre curiosos garotos alemães. Entre uma conversa e outra, a jovem acabou por ensinar aos garotos coisas que não devia, como insultos e palavrões, que foram bem absorvidos pelo conjunto a ponto de se tornarem base para uma canção. Assim nasceu SON OF A BITCH com título explícito e sua obscena letra, que de tão imoral foi censurada nas prensagens alemãs, inclusive as mais recentes (a de 2000 pela Nuclear Blast e 2005 pela SPVGmbH).
Seguindo com BURNING (com um fundo falso para passar a sensação de que foi gravada ao vivo) e FEELINGS (levada bastante convincente e refrão pra lá de marcante) fica claro perceber como o conjunto trabalha como um time, onde o baixo de Peter se faz presente nas aparentes brechas deixadas entre os solos dobrados da dupla Wolf Hoffmann/ Jörg Fischer, enquanto o alcance vocal de Udo simplesmente detona, fazendo frente às batidas precisas de Stefan kaufmann. A canção MIDNIGHT HIGHWAY de certa forma empolga, sendo que a faixa BREAK UP AGAIN nos dá uma colher de chá ao mostrar Peter assumindo os vocais, coisa que ele já havia feito nos dois discos anteriores, deixando claro que suas virtudes vão além das quatro cordas. O final com DOWN AND OUT bota os ânimos pra cima, com uma apresentação irrepreensível da banda, como se estivesse executando a canção diante de uma plateia com milhares de fãs.
O álbum foi responsável pelo salto de popularidade da banda, permitindo ao conjunto sonhar com as grandes apresentações e uma possível turnê em escala continental.
O álbum evidentemente garantiu para o quinteto mais visibilidade no concorrido mercado musical da época, o que refletiu na turnê que se seguiu e na popularidade das canções STARLIGHT, BREAKER e SON OF A BITCH, executadas pelo conjunto até hoje. Já não era mais tão incomum passear pelas calçadas encardidas de qualquer grande metrópole europeia e encontrar nos pubs locais voltados para Heavy Metal rumores de uma nova banda alemã que estava fazendo barulho em sua terra natal. Coisas do mundo globalizado.
Apesar da aparente simplicidade, o caráter do grupo estava em estado de concepção, e o mundo veria surgir daquela aparente bizarrice que era o ACCEPT do fim dos anos setenta justamente a antítese do discurso nazista de Hitler, onde o homem que pregava a junção de princípios nacionalistas e socialistas como linha de frente contra a globalização certamente não poderia suportar a existência de indivíduos num mundo de particularidades culturais amplamente difusas, onde a liberdade e o conhecimento, amparados ao real senso de união derrotariam cabalmente suas ambições. Se lhe fosse permitida a possibilidade de vivenciar tal época, sem dúvida este seria seu inferno.
Trata-se de um clássico indiscutível do Heavy Metal mundial, sendo referência para diversos grupos e fãs.
Escrito em 16 de fevereiro de 2014 com início às 19hrs. e 15min.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Show No Mercy - Slayer

O primeiro disco da banda norte americana Slayer, Show No Mercy, foi lançado em 3 de dezembro de 1983.
Quando as luzes apagavam e, no meio de um coro ensurdecedor de uma plateia ensandecida um grupo de jovens subia ao palco com os dizeres “Se vieram aqui para acompanhar um show do Bom Jovi e seus gemidos, estão no lugar errado!” sabíamos que estávamos diante de mais uma apresentação dos insolentes do METALLICA. A banda, oriunda da cidade de Los Angeles, sabia como ninguém manter o público em constante estado de euforia, enquanto notas agressivas eram talhadas das guitarras Gibson Flying V gêmeas das mãos de James Hetfield e Kirk Hammett, seguidas de perto pelo compasso certeiro do baixo de Cliff Burton e o kit sem bumbo duplo de Lars Ulrich. Durante os primeiros anos da onda do Power Metal norte americano, os quatro garotos espinhentos mantinham-se no mais alto lugar do pódio da música pesada, ao passo que as melodias, cada vez mais rápidas e insanas, migravam para um novo patamar. Após o lançamento de KILL ‘EM ALL, o METALLICA provava ser o grupo que puxaria o carro da nova era do som pesado, e a partir de então o Heavy Metal praticado por todos os grupos do mundo mudaria drasticamente. Era o surgimento do Thrash Metal.
A história marca o ano de 1983 como o início de toda a trajetória do som veloz e sem precedentes, visto que o primeiro disco do METALLICA foi lançado nesta época. Para os fãs, a sonoridade que transbordava das duas faces do vinil de KILL ‘EM ALL atingia os ouvintes tradicionais de Rock como um bloco de pedra arremessado das mãos de um gigante: certeiro e fatal. Como toda criação deriva de um ponto, a área compreendida entre o Oceano Pacífico e o Leste da Califórnia, mais precisamente na região de São Francisco, representa o pináculo do Thrash Metal, berço de diversos grupos que, cientes ou não da revolução sonora que estavam desenvolvendo, conceberam o que hoje é amplamente conhecida como a Thrash Metal Bay Area. Nas raízes deste território dominado pelas leis do som pesado, bandas como EXODUS, LEGACY, DEATH ANGEL, FORBIDDEN e o próprio METALLICA (que se mudara para a região no fatídico ano) eram tratadas como verdadeiras pérolas de um mar de transformações, cujas qualidades musicais entrelaçavam-se com as características particulares de cada conjunto, moldando toda a cena em um espiral de influências e personalidades. Enquanto o EXODUS possuía um dos mais prolíficos guitarristas de toda a Bay Area, Gary Holt, com seus riffs inigualáveis e solos estupendos, e o mais insano dos vocalistas, Paul Baloff, dono de um carisma inesgotável e um insultador sem igual, o DEATH ANGEL atacava com uma gangue formada apenas por parentes filipinos, onde os limites da velocidade se chocavam com as leis da física e da matemática, e não só uma vez os fãs tinham a sensação de serem atingidos por um batalhão de guitarras ao invés de apenas duas nas apresentações do fabuloso quarteto. O LEGACY, que algum tempo depois passaria a atender pelo nome de TESTAMENT, tinha a dupla Eric Peterson e Alex Skolnick como base para a prolífica execução de notas Thrash Metal, que unidos ao vocal da lenda indígena Chuck Billy possuía um dos mais interessantes times da segunda escola do Heavy Metal americano, ao passo que o onipotente METALLICA ditava as regras com composições inteligentes e uma seriedade que de certa forma os fazia únicos em toda São Francisco. Lógico que existiam outras bandas, como o cáustico VIO-LENCE, o obcecado MEGADETH de Dave Mustaine, o altamente melódico HEATHEN e o chamativo LÄÄZ ROCKIT, com um visual que unia o Glam Metal ao Thrash, que proliferavam ideias de rebeldia e revoluções ao inerente apelo para com a juventude. Era fácil prever que em meio a essa torrente musical havia espaço para todo tipo de ação e opinião, independente do que os fãs esperavam ou acreditavam. Enquanto o Thrash Metal tinha como base as notas aceleradas da NWOBHM (valendo aqui uma observação para diversos grupos, de IRON MAIDEN e SAXON a DIAMON HEAD e BLITZKRIEG), grupos como METALLICA e EXODUS nunca esconderam seu apreço pelos conjuntos britânicos, sempre citando ou mesmo homenageando seus heróis da música quando possível (Lars e seus comparsas chegaram a lançar um disco apenas com covers das bandas da NWOBHM, além de executar diversas canções durante os shows), enquanto que os representantes do Thrash de outras regiões dos Estados Unidos, como os nova-iorquinos do ANTHRAX e do OVERKILL primavam por algo mais orientado ao Punk Rock dos RAMONES, DEAD KENNEDYS, GBH e afins, ostentando uma sonoridade mais ríspida e acelerada, ainda que usassem bastante melodia. Por algum tempo os britânicos do VENOM, pioneiros do Metal satânico, ficaram esquecidos durante o curso da história. Idolatrados como verdadeiros deuses pela molecada headbanger, Cronos e companhia passaram para meros espectadores em um curto espaço de tempo, enquanto viam bandas menos requintadas como o DIAMOND HEAD tornarem-se referência e o Thrash Metal atacar de diferentes frentes, procurando sempre atingir um ideal cada vez maior e mais abrangente. Ao passo que letras sobre guerra nuclear e sociedades em busca do poder tomavam cada vez mais espaço, os reinos negros do inferno foram ficando para trás, como que varridos para debaixo do tapete. Embora o todo poderoso METALLICA estivesse em evidente estado de êxtase ao ser convidado a participar da primeira turnê europeia do grupo ao lado da turma de Cronos ainda em 1983, bastou doze meses para os americanos esquecerem a aventura ao lado dos filhos de Satã e tudo não passar de uma experiência apagada no borrão da memória.
Mas ainda havia os que admiravam as proezas de Lúcifer na música, e faziam questão de ver as histórias sobre magia negra recriadas em forma de notas agressivas e composições inusitadas. O jovem Jeff Hanneman era um exemplo. Tendo desde berço uma tradição enraizada nas guerras que assolaram o planeta na primeira metade do século XX, o rapaz de cabelos dourados residente da cidade de Oakland, na Califórnia, exprimia uma paixão pelos temas pesados, incomuns, e detestáveis pela maioria das pessoas normais. Enquanto o cidadão padrão americano tinha como modelo de sociedade uma família firme e estabelecida nas regras de Deus, pregando o amor e a justiça, Jeff cresceu ouvindo de seus pais, tios e avós histórias da Primeira e Segunda Guerra Mundiais, onde bravos homens morriam pelos ideais de uma nação e suas experiências viravam lendas contadas em mesas de bares e calçadas da vida.  Unindo seu forte desejo sobre as conspirações militares ao grande senso lírico que possuía, logo Jeff passou a se expressar pela guitarra, instrumento que o acompanhou durante toda sua existência. Em 1981, logo após sair da escola, encontrou no inocente Kerry King sua cara metade da música, e juntos passaram a materializar um ideal para suas vidas. Exímio instrumentista, Kerry tinha uma predileção por composições rápidas, e de imediato se deu bem com Jeff, criando uma simbiose com o parceiro que garantiu uma das mais agressivas duplas de guitarra do Thrash Metal. Da mente dos dois comparsas, nascia o SLAYER e seu banho de sangue e ódio.
Gravado no Track Record Studios, o álbum foi produzido e capitaneado pela própria banda. A gravação contou com a participação de Bill Metoyer e Brian Slagel, dono da Metal Blade.
Usando e abusando da proposta inicial do VENOM, de tocar extremamente veloz e fora do tempo, ainda em 1981 a dupla encontrou no imigrante chileno Tom Araya a voz da banda. Dono de um timbre que vai do rasgado ao agudo, o rapaz original de Viña Del Mar tinha como arma um falsete de quebrar janelas, visto por milhares de fãs em muitos anos durante as apresentações descontroladas do conjunto, além de saber tocar baixo. No ano seguinte, houve a adição do baterista Dave Lombardo, um cubano nascido em Havana que apresentava uma técnica sem igual para tocar seu kit. Adepto do bumbo duplo, Dave foi um dos pioneiros do instrumento, mostrando até hoje como se faz para retirar um som técnico e ao mesmo tempo instintivo. Com o time formado, algumas apresentações eram marcadas em bares e casas de show de Los Angeles, sempre recheadas de covers dos mais diversos grupos, de JUDAS PRIEST a IRON MAIDEN. Curioso notar que, diferente de praticamente todas as bandas da Bay Area, o SLAYER pouco se linchava para a NWOBHM, com exceção da Donzela De Ferro, uma verdadeira máquina de riffs com poder de fogo impossível de ser ignorado, e, lógico, da cria de Cronos. A paixão pelo conjunto de Steve Harris era tamanha que não era surpresa para ninguém entrar nos pubs de Los Angeles e encontrar Tom esgoelando-se durante as notas sinuosas de WRATHCHILD, PROWLER e afins, enquanto passeava pela discografia repulsiva do VENOM.
Foi em uma dessas apresentações viscerais do SLAYER que as coisas começaram a acontecer. Após receberem um convite para abrir um show do grupo BITCH no tradicional Woodstock Club, em Los Angeles, a sorte bateu a porta, e o destino se encarregou do resto. Um dos integrantes do BITCH era amigo do ex-jornalista musical Brian Slagel, que fundara recentemente a gravadora underground Metal Blade, e após receber um convite para acompanhar o show daquela noite, entrou na casa e segurou o queixo enquanto via Jeff e companhia executarem um cover irrepreensível de PHANTOM OF THE OPERA do IRON MAIDEN. A canção, que era uma das oito faixas tocadas pelo SLAYER (seis eram covers), despertou de imediato o interesse de Brian pelo conjunto, e não tardou para o mesmo dar um pulo no backstage e tirar uma letra com o empresário da banda, um moleque amigo dos rapazes cabeludos. Brian propôs para o quarteto a oportunidade de tocarem na coletânea METAL MASSACRE III, capitaneada pelo seu selo, e a oferta foi prontamente aceita. Assim, durante a divulgação do material em 1983, a banda participou com a canção AGRESSIVE PERFECTOR, que de imediato caiu nas graças dos fãs de música pesada. Todos queriam saber mais sobre aqueles rapazes que tocavam como o METALLICA, usavam roupas de couro como o JUDAS PRIEST e tinham nas letras refrãos que se assimilavam ao VENOM.
A banda foi criada em 1981 por Jeff Hanneman, primogênito de uma família de veteranos militares, e Kerry King. Logo, a temática envolvendo guerras e crueldade era algo recorrente, e tais fatos foram reproduzidos no disco.
Com o sucesso da coletânea, Brian tinha a certeza de que não perderia tempo ao assinar um contrato com os rapazes, contudo, mesmo ciente da pepita que tinha diante dos seus olhos, não tinha em mãos a verba necessária para custear um disco completo só com a banda. Foi preciso apelar. Tom, que tinha um bico em um hospital prestando serviços como terapeuta respiratório juntou cada centavo que podia, enquanto Kerry conseguiu um empréstimo com seu pai para ajudar a segurar a barra de uma gravação profissional. Com a nota em mãos, Brian conseguiu agendar uma data no Track Record Studios, localizado em North Hollywood, em Los Angeles, e foi na raça que o conjunto rumou para o local num fim de tarde de novembro para registrar as composições de seu primeiro full lenght.
Ainda que houvesse o lugar e o dinheiro para registrarem as faixas, o custo do local era alto para os padrões da Metal Blade, tanto que Brian se viu forçado a colocar os rapazes em estúdio durante a madrugada e gravar tudo o mais rápido possível. Com a ajuda de Bill Metoyer e da própria banda, em um prazo de oito horas tudo estava captado, registrado e guardado nos rolos de fita, e o que se viu três semanas depois foi o estopim de algo mágico.
O álbum é um clássico do Thrash Metal, rivalizando com o disco Kill 'Em All, do Metallica. É apontado pelos fãs como o precursor do gênero Thrash Metal, ao lado da obra de Lars e companhia.
Como dito nas primeiras linhas deste texto, o METALLICA entrava no palco e tocava com afinco. Logo após uma apresentação segura do SLAYER, que na época não contava com seu disco lançado, Lars e companhia faziam a pista tremer e chacoalhar, e algumas línguas ásperas diziam que Jeff e sua turma se tocaram da atitude contida em KILL ‘EM ALL. Muitos afirmam que foi a partir dessas apresentações que     o SLAYER começou a acelerar seu som para competir com o METALLICA, e uma disputa por atenção e velocidade começou a surgir. Seja como for, se James estava em vantagem ao se dirigir para a plateia com extrema autoridade enquanto tocava as notas da complexa THE FOUR HORSEMEN, o SLAYER logo provaria que estava disposto a nivelar as diferenças. Apoiando-se em uma apresentação quase teatral, como fazia o IRON MAIDEN e o MERCYFUL FATE, Tom subia ao palco acompanhado de seus companheiros em meio a uma cortina de fumaça, todos devidamente trajados com couro e tachinhas. Kerry usava em seu punho esquerdo uma braçadeira estúpida com pregos de mais de dez centímetros, abusando de uma autoridade até então não explorada por nenhuma banda de Thrash Metal, enquanto Jeff trazia uma enorme cruz invertida, a qual colocava num canto do palco e sempre expunha durante as pausas entre as músicas. A partir do dia 3 de dezembro de 1983 o SLAYER possuía sua própria lista de temas e não mais abusava das canções alheias para preencher suas apresentações, ainda que WITCHING HOUR do VENOM fosse quase obrigatória nas execuções do quarteto.
Atendendo por SHOW NO MERCY, o primeiro disco da banda peca pela inocência, além de estar bastante calcado na sonoridade dos pilares britânicos, ainda que o conjunto dirigisse as composições a 150 km por hora. Mesmo assim, é impossível não perceber o furor jovial que preenche os trinta e cinco minutos da película, que esbanja adrenalina e vontade. A capa, desenhada por Lawrence R. Reed mostra uma ilustração bizarra de um demônio com cabeça de bode empunhando uma espada descomunal na mão esquerda enquanto segura a ponta da capa com a mão direita, representando bem o mundo de fantasias que habitava a mente dos jovens integrantes do conjunto. Das dez canções presentes no álbum, o destaque fica para a arrepiante BLACK MAGIC, que mostra riffs cortantes de Jeff andando em perfeita sintonia com os solos de Kerry, um adepto da distorção e notas dedilhadas. As canções TORMENTOR e CRIONICS mostram o lado melódico herdado da Donzela, ainda que todo o disco tenha uma pitada de IRON MAIDEN e JUDAS PRIEST, enquanto o lado satânico explícito fica por conta da trinca EVIL HAS NO BOUNDARIES, THE ANTICHRIST (letra pesada para os padrões da época) e DIE BY THE SWORD (uma gargalhada maliciosa de Tom é a cereja do bolo, digna dos bons filmes de terror), com um apelo altamente diabólico e melodias grudentas. Mesmo      que as faixas invistam em letras simplórias e conteúdo primitivo, é legal perceber que houve criatividade em alguns momentos, como na primeira música da trinca, onde Gene Hoglan aparece para dar uma mão ao conjunto. Gene, que foi baterista da banda de Thrash Metal californiana DARK ANGEL, estava no estúdio quando Tom preparou-se para registrar os vocais da canção citada e deu uma dica para Jeff e Kerry. Ele pediu para todo mundo, a banda e as demais pessoas no estúdio, gritarem a palavra “evil!” durante o refrão para deixa-lo mais empolgante. Como resultado, não só o som de guitarra de Jeff em fade in logo no início da faixa chama a atenção, mas também todo o trabalho vocal, especialmente na parte do coro. Muito bom.
Ainda tem as composições FIGHT TILL DEATH, METAL STORM/ FACE THE SLAYER, THE FINAL COMMAND e SHOW NO MERCY que encerra o trabalho, mas estas músicas seguem a mesma linha, sem nada a acrescentar, mas também não deixam o pique cair. Para um primeiro registro estava de bom tamanho e é certeza que fã nenhum reclamou do material, tanto é verdade que não durou para o disco se tornar o mais pedido da Metal Blade, contabilizando para Brian e a banda a venda de mais de 40.000 cópias do trabalho.
O SLAYER estava no caminho certo, abraçando tudo o que as demais bandas haviam deixado para trás. A maior peculiaridade do grupo era sua base musical, que casava muito bem as notas destrutivas e ultra velozes com a temática carregada e blasfema, tornando a banda uma alegoria exclusiva no Thrash Metal, mesmo não pertencendo à panelinha da Bay Area. Porém, ainda havia detalhes para acertar. Vindo da Califórnia, o SLAYER ainda tinha em sua genética algo dos conjuntos Hard/ Glam dos conterrâneos do MÖTLEY CRÜE e RATT, os quais qualquer fã de Thrash Metal repudiava com ódio xiita. Durante as apresentações, era costume dos rapazes pintar os olhos com uma grossa camada de maquiagem que os deixava bastante vistosos, mesmo que a intenção fosse agir como um grupo de guerra ou como os jogadores de futebol americano, como se defendia Jeff. Bastou uma apresentação em São Francisco ao lado de SAVAGE GRACE, LÄÄZ ROCKIT e da lenda EXODUS para o quarteto abandonar a tinta na cara, após sofrer uma enorme chacota da plateia presente. Como é que se diz? Vivendo e aprendendo...
Mesmo hoje, mais de trinta anos após o lançamento do clássico LP, vale a pena conferir os primeiros passos dos mestres dos reinos demoníacos. O SLAYER provou que tinha espaço para suas propostas, e a expansão de seu nicho era apenas uma questão de tempo. Havia muito a ser explorado no fértil território da música pesada, especialmente no recém-descoberto Thrash Metal, e não fazia mal deixar que muitos seguissem os passos deixados pelo METALLICA, afinal, é muito mais divertido fazer a própria história acontecer, não é?
A banda mostrou que tinha futuro. O disco tornou-se o mais vendido da Metal Blade, com cerca de 40.000 distribuídas. Ninguém duvidava da capacidade do quarteto.
Escrito em 02 de fevereiro de 2014 com início às 20hrs. e 55min.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Iron Maiden - Iron Maiden

O primeiro disco da banda britânica de Heavy Metal, Iron maiden, foi lançado em 14 de abril de 1980, pela gravadora EMI.
No final da década de setenta, o Reino Unido passava por uma séria crise socioeconômica, que ameaçava espalhar seu rastro além das décadas. A inflação atingia níveis alarmantes, e a taxa de desemprego assombrava as famílias da classe trabalhadora, tal qual uma praga recém-chegada. Na verdade, todo esse acontecimento era um reflexo dos anos pós-guerra enfrentados por toda a Europa, formando um cenário de pessimismo e baixas perspectivas.
Para reverter o quadro, o governo inglês promoveu um forte esquema político,            que colocava na linha de frente as principais potências partidárias de toda a nação. Foi o estopim para a impactante carreira de uma mulher com forte senso de liderança, além de um posicionamento firme e nervos de aço para encarar e assumir riscos que incluíam desde o futuro da população britânica até a aristocracia real.
Aconteceu em 1979. Margaret Thatcher torna-se a Primeira-Ministra do Reino Unido, sendo este um marco histórico não só para o país, mas também para o seu partido (o Partido Conservador, do qual foi a primeira líder mulher) e, por que não, para a humanidade. Afinal, não era comum na época eleger mulheres para altos cargos políticos, mesmo na terra de Elizabeth II, onde ainda hoje a monarquia exerce influência soberana nas questões sociais. As cortinas desse cenário se fecharam, e uma aposta no futuro foi lançada, com o objetivo único de resgatar os traços de dignidade e prosperidade perdidos em alguma parte na linha da história.
O início dos anos oitenta trouxeram desafios para Margareth, como o combate contra a recessão econômica, a crise do desemprego (como nos dias atuais) e uma antiga richa contra os nossos “hermanos” (sim, eles mesmos) pelas Ilhas Malvinas, onde a Argentina dançou um tango daqueles... Sua conduta foi marcada por rigidez, doutrina e principalmente repressão aos sindicatos e a política soviética, sendo que entre rebeliões, tensões civis e até tentativa de assassinato, Margareth cravou seu nome na história britânica, recebendo de críticas da população a elogios e honrarias de diversos governos do mundo.
Logicamente que a história não se resume a isto. Voltando um pouco no tempo, mais precisamente em 1975, vemos um jovem Steve Harris deixar sua atual banda, o GYPSY’S KISS para rumar em direção a algo novo, que fugisse da já manjada história de ter uma banda-aprender a tocar-fazer umas jams-tocar covers em bares.  Baixista rodado de outra banda, o SMILER, Steve era um entusiasta do futebol e um fanático por história, principalmente a do seu país. Natural de Londres, o jovem estava ávido por lançar-se em uma carreira própria, montando seu próprio time, já que estava farto de tocar covers e ser criticado por outros músicos amadores por insistir em material autoral. Sem ficar preso a opiniões, bastou a chegada do Natal daquele ano para Steve materializar seu objetivo: como que buscando inspiração no filme O Homem Da Máscara De Ferro (1938), longa-metragem baseado na obra de Alexandre Dumas, Steve encontrou o nome perfeito para batizar seu novo conjunto. Ao ver a grande máquina de tortura medieval usada para sentenciar prisioneiros da Idade Média, não teve dúvidas em usar seu nome para seus propósitos. Estava criada a lenda britânica IRON MAIDEN.
Desde o início Steve sabia o que queria. Orgulhava-se de ser um headbanger, e a todo custo faria de sua cria uma banda de Metal. Durante a segunda metade dos anos setenta, o movimento Punk estourou, e aliado às condições sociais impostas pelo governo britânico sua ideia de liberdade e igualdade alastrou-se não só pela velha Inglaterra, mas pelos quatro cantos do mundo. A essa altura, só o que se ouvia era o som das três notas, o rugido das batidas ensandecidas e o berro que rasgava diretamente dos porões sujos e escaldantes dos guetos ingleses, onde a palavra anarquia nunca havia feito tanto sentido quanto naquele momento. Nesses primeiros anos de vida o IRON MAIDEN ouviu diversas propostas para largar o Metal e tornar-se Punk, mas Steve era irredutível em sua postura: Houvesse o que houvesse, sua banda seria de Heavy Metal, nada diferente disso.
A banda foi fundada no Natal de 1975, pelo baixista Steve Harris. Desde então, tem acumulado fama e fortuna ao redor do planeta.
Durante um espaço de quatro anos, as formações que compuseram o elenco da ‘Donzela de Ferro’ foram inúmeras, visto que Steve não se contentava com as qualidades dos integrantes que iam e vinham na sua banda. Em um dado momento, Steve conseguiu recrutar um jovem guitarrista de cabelos loiros, Dave Murray, que rapidamente substituiu a dupla das seis cordas que o IRON MAIDEN possuía. Por algum momento, o conjunto se estabilizou com Ron Matthews na bateria e Dennis Wilcock nos vocais, o qual desempenhava aparições com bastante pirotecnia e técnicas circenses no palco. Com a adição de do guitarrista Bob Sawyer, logo houve um desentendimento entre este e Dave, que oprimido por Dennis, resolveu largar o grupo na Primavera de 1977. Não demorou para Bob ser chutado da Donzela, após Steve comprovar que o mesmo usava artifícios falsos para impressionar a plateia, o que o deixou irritado. Houve então a convocação do guitarrista Terry Wapram, que foi o único detentor das seis cordas da banda por algum tempo, até a saída de Ron, ainda em 1977. Para repor a vaga, Thunderstick foi adicionado, juntamente com um tecladista (!), Tony Moore. Alguns shows foram realizados com essa formação, até Steve perceber que os teclados não se encaixavam na sonoridade do grupo, então Tony foi dispensado. Terry o seguiu, o que deixou a vaga de guitarrista novamente aberta. Steve não pensou duas vezes em ir atrás de Dave para propor-lhe um retorno, o qual foi aceito prontamente. Nesse interim, Dennis resolveu deixar o conjunto, levando consigo o baterista Thunderstick. Algum tempo depois Dennis formaria o grupo V1 com o Tony e Terry, enquanto Thunderstick faria parte da banda SAMON, que possui uma história muito íntima com o IRON MAIDEN, como poderá ser visto futuramente.
Steve não se rendeu. Antes do final de 1977, ele e Dave recrutaram o baterista Doug Sampsom, que segurou bem o ritmo das baquetas da Donzela. Steve ainda conseguiu convocar o vocalista Paul Di’Anno, um típico Punk desordeiro, produto de toda uma revolução social de incontáveis distúrbios. Com a postura debochada e irreverente de Paul nos vocais, aliada a forma de tocar encorpada e altamente técnica de Steve, uma fórmula mágica desenhou-se sob os olhos da banda, e no último dia do ano de 1978 o IRON MAIDEN gravou sua primeira demo, THE SONDHOUSE TAPES. Calcada na NWOBHM, a gravação contava com apenas três faixas e uma tiragem única de cinco mil cópias, disponíveis por correio ou através dos shows da banda. O material esgotou-se em poucas apresentações, e para desespero de muitos fãs nunca foi feita uma segunda tiragem, embora o conteúdo desta demo esteja presente no lançamento em vinil quádruplo de uma coletânea de 1996, intitulada BEST OF THE BEAST (que também existe na versão em CD duplo, mas sem a demo citada). Hoje em dia, em alguns sites de leilão na internet, uma cópia desta primeira prensagem chega a velar alguns milhares de dólares.
Lançada apenas no dia 9 de novembro de 1979, a película não viu o tempo passar, contudo o IRON MAIDEN já era uma realidade: Após quatro anos, tocava com garra e competência, possuindo ótima regularidade de shows e uma legião de fãs ávidos pelas notas melódicas e ao mesmo tempo furiosas do conjunto, que durante o início do ano ainda contou com duas guitarras, num posto altamente rotativo, até a entrada definitiva de Dennis Stratton que formou dupla com Dave Murray no lançamento do primeiro disco oficial da carreira da Donzela de Ferro. Enquanto Steve mantinha a postura de metalhead em alta, a sociedade e principalmente os sindicatos trabalhistas atacavam Margareth, dando-lhe o mordaz apelido de ‘Dama de Ferro’.
A mídia especializada foi forçada a notá-los, principalmente após as publicações da influente revista musical britânica Sounds apontar o grupo como um dos pioneiros da NWOBHM. Não tardou para o poderoso selo EMI tentar arrancar uma fatia de todo esse prestígio, e em dezembro daquele ano um contrato foi assinado entre a gravadora e Steve, que aquela altura já contava com o auxílio empresarial de Rod Smallwood, sujeito de vital importância para o sucesso do conjunto. Vale destacar que durante esse processo a gravadora despachou os conterrâneos do ANGEL WITCH numa das histórias mais inusitadas do Metal, sendo que o selo possui uma parceria com a trupe de Steve até os dias de hoje.
Visando captar o momento único vivido pela banda, que fazia apresentações viscerais nas mais famosas casas de show de Londres, como o Ruskin Arms , o Markee Club e o Rainbow Theatre, a gravadora solicitou a gravação de um single para rodar no mercado antes do lançamento oficial do primeiro disco. Durante as gravações deste trabalho Doug Sampson ficou doente, deixando o posto das baquetas vago para adição de Clive Burr, dono de uma técnica peculiar desenvolvida de forma exclusiva e particular, sem auxílio de professores ou coisa do tipo. Com a participação de dois bateristas a banda recordou as faixas RUNNING FREE e BURNING AMBITION, que faziam parte do material lançado em 8 de fevereiro de 1980. O compacto atingiu a quarta posição nos charts musicais britânicos, e pela primeira vez a mascote da banda, Eddie, faz uma aparição oficial. Seu rosto está encoberto por uma sombra, visto que o objetivo da banda era disponibilizar sua imagem completa apenas durante o lançamento do full lenght.
Com a boa repercussão de RUNNING FREE a banda sabia que estava com o caminho parcialmente pavimentado, enquanto a gravadora tinha a sensação de ter achado uma mina de ouro. No entanto, foi preciso uma paciência de Jó por parte dos fãs para enfim terem o primeiro trabalho completo da Donzela de Ferro em mãos. Steve não se satisfazia com os produtores disponibilizados pela EMI para realizar a captação das músicas, que apesar de terem saído no prazo nunca contentaram o líder do conjunto. Após tentar diversos profissionais, ficou acertado que Will Malone cuidaria da película, que já estava a mil no Kingsway Studios, localizado em Londres.
Ao lado de Steve, Dave Murray é o único integrante da banda a marcar presença em todos os discos da Donzela de Ferro, como ficou mundialmente conhecida.
Steve não perdoa a forma como o disco foi concebido. Ele alega que o som ficou cru demais, muito próximo do Punk, muito por causa da forma descompromissada de trabalhar de Malone. O baixista afirma que praticamente tudo no disco foi feito na raça, com conhecimento próprio e da equipe do estúdio, enquanto Will apenas reclamava e lia jornal. Contudo, seu nome acabou sendo creditado na contracapa do material, que ganhou as ruas no dia 14 de abril de 1980.
O conteúdo do disco é de uma potência ímpar, usando e abusando de passagens altamente técnicas e mudanças de andamento, do jeito que Steve gosta. As guitarras gêmeas tiradas da lenda irlandesa THIN LIZZY empregavam uma dose cavalar de adrenalina nas composições, enquanto a fúria contida nos vocais raivosos de Paul dava a tônica para um trabalho recheado de excelentes composições. Do riff melódico que abre a faixa PROWLER, a primeira do disco, passando por RUNNING FREE, CHARLOTTE THE HARLOT e a faixa título, o que se tem é uma das mais primorosas fatias do novo Metal britânico, que ainda encontrava espaço para composições mais trabalhadas, como RENEMBER TOMORROW (cujo trabalho vocal marca grande presença com o andamento crescente da faixa), PHANTOM OF THE OPERA (com desempenho magistral das guitarras, empregando acompanhamento vocal de bom gosto), TRANSYLVANIA (instrumental de mudanças dramáticas, indo do mais ríspido para o mais suave) e STRANGE WORLD (uma das melhores do disco, com sensibilidade e melodias inspiradíssimas, tudo de forma bem suave). A canção SANCTUARY deveria ter feito parte da película, mas como a faixa já estava cotada para o single de maio daquele ano, Steve preferiu priorizar o lançamento deste material. A capa deste trabalho deu o que falar, pois nela Eddie aparece apunhalando a Primeira Ministra Margareth que, capitaneando uma verdadeira caça a banda, conseguiu na justiça que a gravadora não usasse sua imagem. Bastou uma tarja sob os olhos da figura na calçada e tudo estava resolvido; contudo a prensagem sem a censura é uma peça raríssima, disputada a socos pelos colecionadores. Pior para Margareth, que a partir daí passou a ser alvo de perseguição de várias bandas do círculo musical britânico, principalmente o Punk e o Crust que, abusando de força total e uma popularidade absurda no underground, usava de letras ácidas para difamar sua imagem e escancarar as portas de uma sociedade falida, afogada em dívidas e pobreza. Em 1998, Steve, arrependido, preferiu incluir a faixa no relançamento do disco. Ela passou a ocupar o número 2 no tracklist.
Embaladas por uma cortina de fumaça de gelo seco, efeitos de luz bem sacados e uma performance quase teatral de tirar o fôlego, ficava difícil não apontar o IRON MAIDEN como uma nova sensação. O momento era tão favorável que a banda marcou presença em diversos programas, dentre eles o tradicional Top Of The Pops da emissora britânica BBC, no qual tocara ao vivo durante a divulgação do single RUNNING FREE, uma atitude ousada do conjunto, visto que todos os grupos convidados apenas gravavam suas apresentações. A última banda que tinha tocado ao vivo no local foi o THE WHO, em 1972.
E não parou por ai. Agendando uma turnê pelo solo britânico, a banda abriu os shows do JUDAS PRIEST em plena divulgação do disco BRITISH STEEL de 7 de março a 27 do mesmo mês, o que rendeu uma voa discussão entre a Donzela e os Metal Gods, tudo por causa de uma declaração polêmica de Paul Di’ Anno, bem ao seu estilo, dizendo que ele e sua banda passariam por cima do Priest em sua própria turnê. Foi o pontapé para uma das mais calorosas disputas do som pesado.
O conjunto é um dos precursores da NWOBHM, movimento musical britânico que fez ressurgir o Heavy Metal no Reino Unido.
O poderio do IRON MAIDEN estava começando a ficar grande demais para as fronteiras inglesas, coisa que Rod e a gravadora já haviam percebido. As casas de show já não suportavam a quantidade de fãs que seguiam o conjunto para onde quer que ele fosse, e numa jogada de mestre, o empresário do grupo conseguiu um contato com ninguém menos que Gene Simmons, e após uma boa conversa o demônio partira juntamente com o colosso KISS para a primeira turnê europeia da banda norte americana, contando com quem para abrir os shows? Pois é! A Donzela mais uma vez aceitou prontamente a proposta, e a longa excursão que passou por Bélgica, França, Alemanha, Dinamarca, Noruega, Suécia e Holanda causou uma ótima impressão nas mais de 350.00 pessoas que tiveram a oportunidade de acompanhar a perna da turnê do disco UNMASKED dos caras pintadas, e um sabido quinteto britânico navegou de vento em popa, rumo a plateias cada vez maiores e mais ensandecidas... Na volta para a terra natal, uma nova excursão já os aguardava, e em agosto daquele ano o conjunto participou do imponente Reading Festival, que contou com a presença de várias grandes bandas: SLADE (ovacionado), DEF LEPPARD (vaiado), e o UFO, que desfrutava de uma fama nunca antes vista pela banda. O IRON MAIDEN tocou em penúltimo, arrancando sonoros elogios da multidão.
Apesar de todo o sucesso que o conjunto estava colhendo, a boa fase não duraria para sempre, pelo menos não para todos. O disco autointitulado de Steve e companhia é o único a contar com essa formação, visto que Dennis foi dispensado da banda por Steve e Rod, alegando que o guitarrista não estava se dedicando 100% ao trabalho da banda. Começou um debate acalorado entre Dennis e Steve, e o que se escuta é que as influências musicais dos instrumentistas falaram mais alto para esta decisão, já que Dennis nunca foi um fã aficionado de Metal, enquanto Steve daria a vida pelo gênero que ajudou a construir.
Hoje, mais de trinta anos após o lançamento deste clássico do Heavy Metal, o que podemos concluir é que a Donzela estava fadada ao sucesso. O trabalho duro aliado a competência e ao profissionalismo fez dessa banda a maior do planeta, e dificilmente alguma outra irá lhe tirar este posto num futuro próximo. Os passos dados por esse gigante da música passada deixaram pegadas que foram seguidas à risca por uma infinidade de outros conjuntos que, assim como o próprio IRON MAIDEN, vivem para trilhar seus próprios caminhos.
Passou a primeira metade da década de oitenta e, em 1987, após uma difícil reeleição e mesmo mantendo sua postura conservadora e extremamente de direita, foi durante um plano de sustentação econômica que se tornou um fiasco brutal que Margareth Thatcher não viu outra escolha a não ser pedir para sair, ainda que perseguida pela sociedade e pelas bandas que desciam a lenha na sua imagem sem dó. Coube aos seus sucessores se desdobrarem para consertar o estrago e conter as manifestações da massa social. Sem o mesmo sentimento de revolta, que mantinha aquela chama incontrolável do início acesa, O Punk Rock de outrora já havia metido os pés pelas mãos, pregando sua própria destruição. Coube ao Heavy Metal manter seu curso, com vem fazendo até os dias de hoje.
A versão de 1998 é a mais completa da obra, contando com a faixa Sanctuary, que havia saído apenas como single ainda em 1980. O primeiro disco do Iron Maiden é considerado um item essencial na coleção de qualquer metalhead!
Escrito em 26 de janeiro de 2014 com início às 20hrs. e 12min.









sábado, 18 de janeiro de 2014

Heavy Metal Maniac - Exciter

O primeiro disco da banda de Speed Metal Exciter, lançado em 1983.
...O salmão do Pacífico, conhecido pela sua peculiaridade de procurar a reprodução no local exato de seu nascimento, localizado em rios ribeiros e lagos no norte do continente americano, distingue-se das demais espécies de peixes justamente por possuir esta natureza híbrida, vivendo boa parte de sua vida no oceano e, durante o período de acasalamento, retorna a água doce, enfrentando uma jornada que garante não só a perpetuação de sua própria espécie, como também de muitas outras formas de vida que se alimentam deles enquanto executa esta que é considerada uma das mais espetaculares migrações da terra. O prazo de três semanas que leva para cruzar o Pacífico e adentrar nas águas da costa dos Estados Unidos beneficia, diretamente ou não, toda a fauna e flora que ali se encontra (ursos, lobos, aves das mais variadas espécies, mamíferos de pequeno porte e até mesmo as árvores e plantas), mantendo todo um ciclo ativo. É um espetáculo da natureza, uma prova de perseverança demostrada a partir do senso mais natural dos seres vivos. Tal ação promove uma cadeia próspera de existência, ainda que custe a vida daqueles que a propagam.
O esforço gerado por estas criaturas, que desde o início da migração renegam o descanso e a alimentação cobra seu preço ao final da viagem, onde os milhares de peixes que sobrevivem ao grande trajeto e executam a cópula enfim morrem de exaustão e nutrem o leito dos rios através da decomposição de seus corpos. A natureza sempre mostrou como as coisas funcionam...
Em 1977. O jovem John Ricci, já cansado da vida monótona que levava passando por bares e pequenos pubs enquanto tocava sua guitarra usada, não via grandes progressos em seguir adiante com seu grupo, o então intitulado HELL RAZOR. Cidadão de Ottawa, capital do Canadá e localizada na província de Ontário, a mais populosa do país, a promissora vida como operário em uma das várias indústrias do local começavam a mexer com sua cabeça, principalmente após a queda de seu conjunto, quando houve uma debandada de todos os componentes. Desamparado, Ricci ainda conseguiu reunir suas últimas esperanças na música e passou a procurar novos integrantes para sua empreitada. Na época sua banda praticava um estilo musical que estava distante da revolucionária alavanca do Metal dos anos oitenta, e tudo o que fazia era sonhar com um futuro de condições melhores para suas músicas e pretensões.
John ficou pouco tempo sozinho. Após o abandono dos antigos integrantes do HELL RAZOR, Ricci encontrou na banda JET BLACK os instrumentistas perfeitos para comporem seu novo time. O grupo, conterrâneo ao de Ricci, apresentava o baixista Allan Johnson, um sujeito de aparência franzina e longos cabelos loiros, e Dan Beehler, rapaz de aparência amedrontadora e detentor de uma enorme juba emaranhada, conhecido nas redondezas por tocar de forma exímia sua bateria de dez peças (incluindo um bumbo duplo, até então seu grande trunfo). A banda fazia um som que seguia uma linha visceral, algo próximo ao Metal tradicional que sempre agradou Ricci, então após alguns ensaios ficou clara a interação entre os rapazes que não tardaram em deixar o JET BLACK no passado e se juntarem a John em uma nova jornada.
A banda é original da cidade de Ottawa, no Canadá, e é apontada como uma das precursoras do gênero Speed Metal em todo o mundo.
Com um time totalmente novo, faltava apenas escalar um bom vocalista, capaz de segurar todo o impulso jovial contido nas batidas ferozes e nas notas ácidas do conjunto. A tarefa obviamente não foi simples e após algumas audições o trio estava entrando em um complexo de carência quanto ao posto, até que Dan Beehler resolveu soltar a voz em um dos ensaios do grupo e surpreender a Allan e John. Ao fim de uma apresentação selvagem de Beehler que cantou e tocou seu instrumento desenfreadamente, John e Allan estavam certos de que não havia mais necessidade alguma de procurar por alguém para assumir o centro do palco. A bateria então foi remanejada um pouco mais para frente, e a exemplo do que já faziam Carl Parmer do viajante ELP e Peter Criss do explosivo KISS, o HELL RAZOR passaria a contar com um baterista/ vocalista, que incendiava suas apresentações de forma insana, chacoalhando a cabeça enquanto tirava levadas ferozes de seu kit e um vocal poderoso. Era algo estrondoso de se ver.
O grupo permaneceu na jornada de executar suas músicas pelos becos escuros durante algum tempo, na expectativa de serem notados por uma gravadora e enfim tornarem realidade a meta de subir nos grandes palcos. Em 1980, já fãs declarados das bandas tradicionais do Metal britânico como o MOTÖRHEAD, JUDAS PRIEST e BLACK SABBATH, as ocasiões nas quais John e os demais passavam horas ouvindo os clássicos discos desta verdadeira trindade do som pesado às vezes excediam o tempo que dispunham para tocar, e foi durante um desses momentos ‘relax’ que o conjunto escutou o atemporal disco ao vivo UNLEASHED IN THE EAST do Priest (de 1979). Bastou para que os rapazes mergulhassem de cabeça no som fervoroso executado pelas guitarras gêmeas da afiadíssima dupla Gleen/ Downing, numa espécie de magia arcana que torna escravo qualquer indivíduo que ouça suas preces ocultas. O gelo seco, o couro, a pirotecnia, as luzes, as tachinhas, enfim, tudo o que aquele disco gravado durante uma turnê no Japão expunha representava o altar do Heavy Metal para o HELL RAZOR, que após deparar-se com o disco sequer sentiu a necessidade de manter o atual título, imediatamente mudado para EXCITER, a canção que abre o disco e uma das muitas faixas presentes nesse álbum. Os shows para plateias ensandecidas era o maior objetivo para o trio canadense, e uma mudança no nome e no direcionamento parecia ser a única coisa que faltava para o renascimento da banda.
Praticante de um estilo característico dos anos oitenta, o grupo tinha como base as composições rápidas dos grupos britânicos como o Motörhead, e logo se tornou uma influência para várias bandas.
Com o estouro da NWOBHM na mesma época, parecia natural que qualquer grupo de som pesado pegasse carona nesse bonde, tanto que a nova era do Metal britânico apresentava bandas cada vez mais agressivas, experimentando disparar para além das fronteiras criadas pelo BLACK SABBATH. O injustiçado VENOM foi um dos pioneiros em desfrutar da mistura fatal de instrumentos distorcidos a uma temática agressiva, e o resultado pode não ter agradado de início a grande parcela dos fãs mais tradicionais, mas provaria seu potencial com o passar dos anos, influenciando toda uma geração. Passado um prazo de dois anos, o VENOM já estava se consolidando como uma grande atração do Metal britânico, tanto que sua obra-prima estava prestes a sair do forno, quando no outro lado do continente um time já bastante entrosado com seus instrumentos e com a temática das bandas inglesas resolveu explorar o potencial de suas composições, gravando em junho de 1982 a demo WORLD WAR III. Contando com quatro faixas (algumas versões em cassete tinham apenas três), o título já entrega o conteúdo das gravações, que batem de frente com questões morais e abordam a violência sem pudor algum. O produto atendia perfeitamente a necessidade dos jovens de libertarem-se das amarras da rígida sociedade pós-segunda guerra, e foi o suficiente para a gravadora Shrapnel Records inclui-los na coletânea US METAL VOL. II no mesmo ano.
Com o retorno positivo das vendas e o bom retrospecto com os fãs, o conjunto conseguiu um contrato com a gravadora, partindo logo em seguida para o Dungeon Studios sob a tutela do produtor John Belrose, pois era preciso aproveitar o bom momento e continuar com a gravação de mais material. Parecia mentira que aqueles três rapazes, frequentemente vistos pela vizinhança como vagabundos honorários iriam enfim levar suas ambições adiante, com direito a verba para gravação e uma possibilidade de tocar para grandes públicos. O mérito não pode ficar apenas com o trio, já que o irmão de Dan, Richard Beehler, motivou muito os jovens, inclusive ajudando a manter o ritmo e a pegada nas composições, canções estas que estavam na ponta da língua e dos dedos da banda. Não foi trabalho algum sair de Ottawa em agosto de 1982 para chegar até a cidade de Aylmer, localizada na bela província de Quebec, vizinha a Ontário e começar os preparativos para a gravação de mais uma demo, dessa vez mais caprichada. Capacitado e extremamente bom de ouvido, Belrose percebeu logo de cara que a banda tinha muito potencial. Após a conclusão dos trabalhos, solicitou uma rápida conversa com os representantes do selo, a fim de transformar o conteúdo captado em um full lenght. Ainda que houvesse certa resistência da gravadora, o material era digno de uma ótima avaliação e acabamento, uma verdadeira mágica de estúdio, o que garantiu para o EXCITER a certeza que dali sairia o primeiro disco oficial da banda.
Aproveitando-se do impacto que a cena Metal desfrutava no solo norte americano, o álbum HEAVY METAL MANIAC chegou às prateleiras no primeiro semestre de 1983. Assim que foi disponibilizado, apresentou para o mundo um som cru, ríspido e de pegada agressiva, muito próxima ao Punk Rock, mas ao mesmo tempo de mãos dadas com o Heavy Metal tradicional. Os fãs, muitos deles já familiarizados com as notas furiosas do VENOM, MOTÖRHEAD e JUDAS PRIEST se deleitaram com o disco, onde as canções apresentavam uma pegada ainda pouco comum para os grupos americanos de Metal. Conforme algumas bandas planejavam velejar por notas pesadas e selvagens, como o recém-deportado RAVEN e o agora bajulado VENOM, o EXCITER apresentou ao novo mundo uma sonoridade contemporânea, deixando claro que estava a frente de um movimento que daria vida a outros gêneros do Metal. Assim foram dados os primeiros passos do Speed Metal, que tocava notas na velocidade da luz, e logo em seguida intercalava os embalos sônicos com uma cadência absurda, tão pesada quanto às máquinas da indústria moderna.
A parcela de fãs do grupo era composta por jovens eufóricos, verdadeiros devotos do Heavy Metal.
A introdução do disco com a instrumental THE HOLOCAUST dá uma breve nota do que se segue nos quase quarenta minutos da película. Ao fim desse primeiro embalo, o fã dificilmente ficará inalterado diante da sucessão das faixas que compõem o álbum, pois a sequência com STAND UP AND FIGHT, HEAVY METAL MANIAC (verdadeiros hinos do Speed Metal) IRON DOGS (um estouro! Melodias alternadas com muito peso e ritmo num show a parte de Dan Beehler! Uma das melhores) e MISTRESS OF EVIL (levada marcante, seguindo IRON DOGS de perto) não deixa nada parado. O poder dessas canções é extraordinário, tanto que nesse início de década poucas bandas conseguiam ser tão pesadas e agressivas quanto esse trio. O disco ainda conta com as faixas UNDER ATTACK (de fácil assimilação e com muita energia), RISING OF THE DEAD (o trabalho do instrumental é fabuloso, com um riff certeiro e viciante), a cadenciada BLACK WITCH (que evidencia mais o lado BLACK SABBATH da banda) e o encerramento furioso com CRY OF THE BANSHEE mostram que o Canadá partiu na frente em termos de som agressivo e visceral. Com uma joia desta em mãos, fica difícil de entender como a banda acabou não se firmando no cenário da música pesada, cada vez mais exigente com os novos grupos e procurando sempre pelo próximo torpedo desenfreado.
A Shrapnel Records, que nunca havia dado pulos de alegria pelo trabalho em questão, não gostou do resultado do disco, e o que era para ser um mar de rosas quase se transformou em frustação, mais uma vez. A salvação veio através das excursões do trio, que sempre provou ser mais eficaz nos palcos que no estúdio, e durante as muitas viagens que realizou no país - e algumas eventualmente fora dele - acabou por despertar o interesse do afiado Jon Zazula (dono da famosa gravadora Megaforce) que, como num passe de mágica, colocou os jovens canadenses no mesmo batalhão de bandas hoje consagradas, como MEGADETH, MANOWAR, ANTHRAX e claro, METALLICA. No fim das contas, o início desta grande jornada mostrou-se promissor para o conjunto canadense, mas fazer comparações entre estes primeiros e avassaladores passos com a atualidade é como comparar o sol com a lua.
Assim como os salmões descritos no início deste texto, o EXCITER serviu unicamente como suporte de um ciclo, caindo de produção com o passar dos anos e sendo tachado hoje como um grupo ultrapassado, agarrado as glórias de seu passado. Houve diversas reformulações dentro da banda, mas quando Dan Beehler ausentou-se do banquinho em que sentara por uma década, no ano de 1992, o grupo pereceu. É bem verdade que ainda hoje John Ricci, único integrante original, mantém o nome da banda na ativa como um quarteto, mas definitivamente não é mais aquele monstro dos palcos, que trazia euforia instantânea apenas com sua presença e alguns meros acordes. Em 2004 Jeff Waters (líder da banda canadense ANNIHILATOR) remasterizou o álbum, colocando à disposição dos fãs duas faixas que foram gravadas durante aqueles anos incríveis, WORLD WAR III e EVIL SINNER (faixa esta presente no álbum de 1984, VIOLENCE AND FORCE), que mantinham aquela pegada furiosa de antigamente. Esta versão ainda conta com a entrevista realizada durante o backspace do show de abertura para o BLACK SABBATH, realizado na cidade natal dos canadenses. Um registro memorável.
Hoje o número de grupos que se diz influenciado pelo EXCITER é tão grande quanto as cabeleiras daqueles três headbangers, e não é errado afirmar que a banda é uma das mais influentes do estilo. A natureza do Heavy Metal perpetuou-se a partir do sacrifício e da contribuição desta lenda do estilo, que ao nadar pelas águas do mundo pode então espalhar suas sementes, concluindo, assim, o curso de sua existência. Não há necessidade de se esperar ou almejar mais que isso...
O disco foi muito bem aceito pelos fãs, tornando-se um clássico da música pesada.
Escrito em 18 de janeiro de 2014 com início às 19hrs. e 22min.